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Mitologia em Português

24 de Março, 2022

Na verdade, quem foi Jim Crow?

Existem muitas histórias que são famosas nos respectivos países de origem mas quase desconhecidas em outros, e o caso de Jim Crow parece ser uma delas. E, de facto, quando assistimos a uma participação numa conferência por parte de um professor americano, há algumas semanas, ele estranhou que os Europeus desconhecessem o significado das chamadas "Jim Crow laws", como se o conceito fosse imprescindível e conhecido por todo o mundo, numa espécie de egocentrismo muito comum na cultura americana. Portanto, para quem não for americano, quem foi esta figura?

Quem foi Jim Crow?

Não conseguimos descobrir se um verdadeiro Jim Crow já existiu, uma personagem completamente real por detrás de toda a ideia, mas fomos lendo duas teorias, segundo as quais a figura ou se baseou na performance de um escravo deficiente encontrado por Thomas D. Rice durante as suas viagens do início do século XIX, ou foi composta por esse criador de uma forma satírica, gozando com um conjunto de características que nessa altura eram associadas aos escravos americanos, e que foram incorporadas numa canção mutável ao longo desse mesmo século.

Agora, por definição uma "canção mutável" é difícil de reproduzir aqui, mas as suas diversas versões parecem ter alguns elementos em comum. Primeiro, a canção e dança eram interpretadas, tradicionalmente, por um branco em blackface, ou seja, com a cara pintada de negro, como pode ser visto no vídeo acima. Segundo, estas canções, apesar da divergência de versos, eram frequentemente críticas da população negra. E, em terceiro lugar, tinham sempre em comum um mesmo refrão, que também pode ser ouvido no vídeo:

Weel about and turn about and do jis so,
Eb'ry time I weel about I jump Jim Crow.

Essa constância de refrão parece ser característica da época - recorde-se o caso da canção sobre Maria Cachucha, também ela com versos distintos mas um refrão sempre comum. E se assim se explica a fama do nome, porquê este (?), e porque veio ele a dar a designação a leis segregacionistas aparecidas posteriormente? Mais uma vez, essa informação parece estar envolvida em alguma neblina histórica, mas poderá ter nascido de uma prática local de chamar crow - "corvo" - aos escravos negros, e mais tarde da grande popularidade da própria canção, que representava - como já foi dito - os escravos negros de uma forma significativamente pejorativa.

 

Assim se tenta explicar a origem das chamadas "leis de Jim Crow", e da personagem cultural que lhes deu o nome, mas... será que, hoje, é legítimo o uso da chamada blackface? Para escrever estas linhas tivemos de ver dezenas de vídeos do Youtube, e um elemento curioso é que nas reconstruções da dança feitas nos nossos dias de hoje se evita sempre essa característica, agora considerada racista... quando, em alternativa, se deveria era pensar que ela era, culturalmente, uma parte significativa da representação original, que não deve ser julgada pelos padrões actuais. Não dizemos que seja correcto, mas sim que se a canção original tinha essa característica essencial, não é completamente justo representá-la hoje sem ela, a bem da precisão histórica - caso contrário, seria como tentar representar Luís de Camões em filme sem a sua famosa pala, o que nos pareceria muito estranho...

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24 de Março, 2022

"The Myth of German Villainy" de Benton L. Bradberry

Esta obra, The Myth of German Villainy, de Benton L. Bradberry, chegou-nos recentemente às mãos, como mais uma entre tantas outras que se tentou proibir em determinados mercados. A obra, em si mesma, não parece ter nada de muito errado, salvo algumas referências ocasionais à conspiração judaica mundial. Pelo contrário, algumas das suas páginas até lançam todo um conjunto de questões que são bastante desconfortáveis para quem conhecer as histórias das duas guerras mundiais.

The Myth of German Villainy, de Benton L. Bradberry

O autor começa toda este The Myth of German Villainy ainda em tempos da Primeira Guerra Mundial, que usa como uma espécie de prefácio para a Segunda, e vai lançando, aqui e ali, todo um conjunto de informações que não podem deixar de fascinar. Se, por exemplo, durante esse primeiro conflito se dizia que os Alemães eram tão maus que até andavam a cortar as mãos de crianças para elas não poderem vir a pegar em armas... como é que depois não se conseguiu encontrar uma única criança sem mãos? Em retrospectiva parece fácil admitir-se que era tudo uma enorme mentira, mas então que limites tem a propaganda política em tempos de guerra? Vale tudo?

 

Ao longo da obra, Benton L. Bradberry vai então mostrando que se calhar aquilo que sabemos, ou que pensamos saber, não é bem assim. Frise-se que ele nunca nega o Holocausto, contrariamente ao que acontece em outras obras, diz é que por detrás de tudo isso existe um conjunto de informações que, muito convenientemente, nunca nos são ditas. Por exemplo, o livro está repleta de citações europeias e americanas que representam Adolf Hitler como um estadista fantástico, um homem que levantou a Alemanha das cinzas, apenas para o representarem, umas poucas linhas mais à frente, como alguém que pode e dever ser difamado a qualquer custo, chegando-se ao absurdo de se dizer que ele é impotente, hermafrodita, viola crianças, etc. E isso, queiramos ou não, levanta um conjunto de problemas - o que fazer de Hitler e do Nazismo depois da guerra?

 

Conforme o autor deste The Myth of German Villainy demonstra, existiu então uma necessidade contínua de perpetuar um conjunto de informações (falsas) construídas nessa altura, que ainda hoje aparecem em filmes, fazendo sempre desses Alemães não só os maus da fita, mas uns que são construídos de uma forma tão completamente irrealista que faria corar o que se atribuía aos Pagãos em outros tempos. Isto, ao mesmíssimo tempo que se prolonga outro tipo de mitos mais convenientes, como o dos Judeus como completos santinhos que nunca nada fizeram para merecer o tratamento abominável dos Alemães. E isso funciona, claro, até que alguém com mais cabeça se aperceba que existem, aqui e ali, falhas em toda a trama... se, por exemplo e como se diz muito hoje, morreram 6000000 de Judeus nos campos de concentração, como é que esse valor já andava a ser reportado, de forma completamente impossível, antes da Segunda Guerra Mundial?

 

Livros como este The Myth of German Villainy são perigosos, muito perigosos, porque podem levar as pessoas a questionar que, se calhar, aquilo que lhes é repetido demasiadas vezes até poderá nem ser verdade. E, como tal, livros como este merecem ser lidos para que se evite esse problema, para que se possa compreender que se tudo tem pelo menos dois lados, talvez nos devêssemos informar sobre ambos...

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