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Mitologia em Português

29 de Abril, 2022

A lenda de Zigu, deusa da latrina

A lenda de Zigu, originária da China, é digna de nota em virtude do incomum espaço a que a sua heroína está associado. Se em religiões panteístas se acredita, de um modo geral, que tudo tem a sua divindade associada, este caso é demasiado curioso para ser ignorado. Assim, contamos aqui hoje a sua história.

Lenda de Zigu

A jovem que viria a ficar conhecida como Zigu - o seu nome original depende da versão da lenda - poderá, ou não, ter sido casada. Mais tarde ela apaixonou-se por um homem, mas este já era casado, e então ela tornou-se sua concubina. A esposa legítima, naturalmente zangada com toda a situação e movida pelo enorme ódio que sentia face à novata, sujeitou-a a toda uma espécie de infindáveis trabalhos humilhantes, até que ela morreu numa latrina. Depois, vendo o que se passou com a (inocente?) jovem, os deuses concederam-lhe uma vida eterna.

 

O estranho de toda esta lenda de Zigu, jovem que depois se tornou uma deusa da latrina, é que nas suas versões mais antigas tudo é exposto de uma forma muito difusa, não sendo sequer claro as circunstâncias exactas da morte da heroína. Será que Zixu - um dos possíveis nomes do homem casado - esteve envolvido na ocorrência? Será que Caogu - que alguns dizem ter sido o nome da esposa - a matou? Será que morreu de cansaço extremo, ao ter de limpar, entre muitas outras coisas, uma casa de banho suja? As versões da lenda a que fomos tendo acesso nada permitem concluir em relação a tudo isso, mas existem outro tipo de provas que nos permitem compreender algo mais sobre as circunstâncias desta morte.

 

Zigu tornou-se, após a sua morte física, uma espécie de deusa associada às latrinas, aparentemente em virtude do facto de ter falecido numa delas. Depois, alguns Chineses começaram a acreditar que ela podia ser evocada para responder a perguntas sobre o futuro. O ritual deveria ser realizado numa latrina e pelo menos uma das versões utilizava palavras como "Zixu não está aqui. Caogu voltou para casa. Jigu [i.e. um nome alternativo desta jovem] pode aparecer e divertir-se", dando uma ideia muito subtil de que a morte desta jovem possa ter tomado lugar na ausência do seu amado mas na presença da respectiva esposa. O que, no entanto, não quer dizer que a esposa tenha mesmo estado envolvida na misteriosa morte, mas sim que pode tê-lo estado - nunca o saberemos, pelo menos com base nas versões mais antigas da lenda, que foram aquelas a que tivemos acesso até agora!

 

Enfim, se Zigu é considerada uma "deusa da latrina" na religião popular chinesa, é-o por ter falecido nesse local, em circunstâncias misteriosas, levando até a que o seu ritual de invocação tenha de ser realizado nesse estranho recanto da casa. Porém, há que frisar que ela não é uma deusa tutelar das casas de banho, ao contrário do que a sua designação pode sugerir na nossa cultura ocidental, e contrariamente ao que alguns leitores ocidentais até parecem pensar.

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26 de Abril, 2022

As cidades romanas de Portugal

Se há alguns dias aqui falámos de viagens a outros tempos e espaços, hoje decidimos então falar muito brevemente das principais cidades romanas de Portugal. E fazêmo-lo através de provas do chamado Itinerário de Antonino, uma espécie de mapa literário dos primeiros séculos da nossa era, que indicava, por escrito, as distâncias entre as diversas cidades. Se, por exemplo, estivessem em Olisipo, actual Lisboa, através deste documento poderiam saber que Bracara Augusta, actual Braga, estava a 244 milhas romanas de distância, i.e. aproximadamente 361 quilómetros. Agora, visto que esse itinerário se focava nas principais cidades, é possível gerar um mapa como o abaixo (o original vem deste link, mas foi ligeiramente adaptado aqui), em que assinalámos as cidades que estão actualmente no nosso país:

As principais cidades romanas de Portugal

Obviamente que estas não são todas as cidades romanas de Portugal - por exemplo, faltam ali Portus Cale ou Sinus, actualmente Porto/Gaia e Sines - mas permitem-nos, num primeiro momento, identificar aquelas que eram as principais localidades do nosso país:

  • Bracara [Augusta], actual Braga;
  • Aquae Flaviae, Chaves;
  • Conimbriga, Condeixa-a-Velha;
  • Scallabis, que é Santarém;
  • Ammaia [já lá iremos...]
  • Olisipo, Lisboa, a famosa cidade associada a Ulisses;
  • Ebora, actual Évora;
  • Salacia, agora Alcácer do Sal;
  • Pax Julia, hoje Beja;
  • Lacobriga, actual Lagos;
  • Ossonoba, actualmente Faro.

Como é muito fácil notar, falta ali a identificação de Ammaia. Isto deve-se ao facto de essa cidade, no actual concelho de Marvão, já não existir como anteriormente, resumindo-se apenas a vestígios significativos da povoação antiga, tal como ela era no tempo dos Romanos.

 

Agora, é ainda possível dar um passo adicional - pegando nestas cidades romanas de Portugal, podemos comparar a sua lista com a das principais povoações islâmicas de Portugal e descobrir que algumas cidades, como Lisboa, Santarém, Alcácer do Sal, Lagos e/ou Faro foram tendo uma grande e contínua importância no nosso país. Contudo, e para citar um aforismo moderno, "ausência de evidência não é evidência de ausência" - isto não quer dizer que não existissem muitas mais (por exemplo, Braga foi sempre uma das cidades mas importantes em termos religiosos), mas sim que pelo menos aquelas foram consideradas significativas ao ponto de constarem em referências que distam cerca de mil anos entre si, o que permite afirmar, sem quaisquer dúvidas, que pelo menos aquelas foram sendo sempre importantes no panorama nacional!

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24 de Abril, 2022

São Cirilo e a origem do Cirílico, uma breve história

Hoje, em virtude do conflito na Ucrânia, falamos sobre São Cirilo e a origem do Cirílico, i.e. as estranhas letras que agora podemos muitas vezes ver na televisão.

São Cirilo e a origem do Cirílico

Nesta imagem podem ser vistas as principais letras dos alfabetos latino, grego e cirílico. Como descrito em inglês na própria imagem, existem formas de algumas letras que são exclusivas de algumas línguas, enquanto que outras - como o "A", "B", "M", etc. - são comuns a todas elas. Mas se, como já cá foi mostrado anteriormente, a maior parte das letras gregas e latinas têm uma evolução histórica relativamente fácil de constatar, de onde vêm os caracteres que são exclusivos do Cirílico? Para o explicar, falemos então de São Cirilo e a origem do Cirílico.

 

Segundo uma lenda cuja relação com a realidade não é completamente clara, em meados do século IX da nossa era dois irmãos, de nomes Cirilo e Metódio, foram evangelizar as muitas terras do leste. Enquanto o faziam, depararam-se com um problema muito significativo, que era o facto de alguns sons das línguas orais da região não poderem ser representados com letras da língua nativa de ambos, o Grego. Por isso, foi necessário criarem novas letras, umas capazes de conseguir captar por escrito os sons originas, e foi daí que nasceram as letras cirílicas mostradas acima - isto, apesar do facto de não se saber, em toda esta história, onde termina a ficção de toda a história e começa a sua realidade... Mas frise-se que qualquer que seja a verdade por detrás da origem destas letras, a origem deste alfabeto, que ficou conhecido como Cirílico, é quase sempre atribuída a este São Cirilo e seu irmão. 

As letras e sons do Alfabeto Cirílico

Para quem não o conhecer, nesta segunda imagem podem ser vistas as respectivas letras, a sua equivalência aos sons do nosso alfabeto latino, bem como a forma de ler cada uma delas, recorrendo-se para tal aos seus sons na língua inglesa. A imagem não é nossa, como habitualmente foi retirada da internet e sofreu algumas alterações para gerar a versão acima, mas a título de pura curiosidade terá de servir, e esperamos que ajude potenciais leitores a compreender melhor a relação entre os alfabetos ditos "latinos" e estas, para nós estranhas, letras de vários países do leste, entre eles a Ucrânia.

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23 de Abril, 2022

Sobre o Zohar e o Misticismo Judaico

Para falar sobre o Zohar talvez devamos começar com uma pequena história mais pessoal. Há alguns anos, um dos nossos colegas trabalhava em part-time num alfarrabista lisbonense, bem próximo da estação de comboios do Rossio. Eram muitos os livros que as pessoas queriam comprar, e outros tantos os que pretendiam vender ao proprietário, mas um dia foi-lhes feito um pedido invulgar - uma mulher, talvez na casa dos 40 anos, quis adquirir uma cópia da obra de que aqui falamos hoje. Se, por um lado, ela parecia verdadeiramente interessada nessa colecção de textos, por outro depressa se percebeu que ela não sabia bem o que estava a pedir, que tinha ouvido falar da obra num contexto místico e, como tal, queria adquiri-la e lê-la. Não foi possível na altura, continuaria sem ser possível hoje, mas esta pequena história ilustra bem o problema que é tentar localizar determinados textos nos dias de hoje, mas ainda mais difícil conseguir lê-los e compreendê-los.

O Zohar, os dez sephiroth e o Misticismo Judaico

Por exemplo, acima reproduzimos uma imagem que é provável que já muitos leitores tenham visto no passado. Ela é relativamente frequente no contexto da Kabbalah - até já reproduzimos aqui uma semelhante, quando falámos da história de José della Reina - e o seu verdadeiro significado advém dos ensinamentos místicos presentes no Zohar. Qual é ele... é tudo menos simples, não conseguiríamos resumi-lo num punhado de linhas, mas entre muitas outras coisas pode ser visto como uma representação esquemática de toda a existência, com as palavras-chave aqui a serem, sem qualquer dúvida, "entre muitas outras coisas". Isto, porque essa multiplicidade de significados, que é constantemente explorada nesta obra, parece ser um dos seus grandes cernes.

 

Então, o que é o Zohar, de facto? Podemos resumi-lo, de uma forma incrivelmente redutora, como um comentário à Tora, o principal livro religioso dos Judeus, mais conhecido entre nós como parte do Antigo Testamento cristão. Mas, ainda assim, pensar na obra como um mero comentário é, de facto, muitíssimo redutor, porque a sua função vai muito além do mero comentário das palavras, procurando explorar um elemento místico bastante complexo por detrás das mesmas. Por exemplo, páginas e páginas de diversas sequências falam do significado da primeira de todas as palavras do Livro do Genesis - בְּרֵאשִׁית ("Beresheet", i.e. "No princípio") - e demonstram um complexíssimo sistema de subsignificados por detrás dela, constantemente mutáveis e reinterpretados pelos muitos rabis que vão intervindo na obra. Por exemplo, ainda sobre a imagem acima e os dez sephiroths, em dada altura eles são visto como um símbolo do corpo do homem primordial, אָדָם קַדְמוֹן ("Adam Kadmon"):

Hesed - braço direito; Gevurah - braço esquerdo; Tiferet - torso; Nezah e Hod - as duas pernas; Yesod - sinal da Sagrada Aliança; Malkhut - boca; Hokhmah - pensamento interior; Binah - coração; Keter...

 

Se até o pode parecer, não é simples. Mesmo que se queira ver em tudo isto influências do Gnosticismo de outros tempos, potencialmente sintetizadas por Moisés de Leão no século XIII (e hoje acredita-se que seja ele, e quase só ele, o autor da obra), entender este Zohar implica um conjunto enorme de conhecimentos que o leitor habitual destas linhas raramente tem. Mesmo no nosso caso - e confesse-se que até passámos largas horas a discutir algumas sequências - não conseguimos entender bem algumas passagens. Depreende-se, nesse sentido, que quem quiser procurar a obra, com o objectivo de a ler e perceber, terá de ter um conhecimento enorme da religião judaica... diz até uma espécie de lenda que a obra só pode ser compreendida depois de 40 anos de estudo intenso, um tempo que nós, como a maioria dos leitores, não podemos utilizar para um tal estudo.

Se, na verdade, até existem passagens na obra que podem ser equiparadas a pequenas histórias, com uma trama fechada em si mesma, mesmo essas procuram muitas vezes ilustrar princípios místicos que nem sempre podem ser compreendidos com facilidade.

 

O Zohar não é uma obra para todos. Mesmo que aquela mulher, cujo nome o nosso colega já há muito parece ter esquecido, a tivesse conseguido adquirir, é quase certo que não a conseguisse compreender de forma completa, até porque foi possível perceber que o seu conhecimento do Judaísmo era muito pouco. Procurar o misticismo por detrás de fontes literárias como esta é uma tarefa certamente interessante, mas - e ao contrário do que "especialistas" de vão de escada tentam dizer em "conferências" pagas apenas em dinheiro e sem factura - há que admitir que o seu verdadeiro significado não é para todos.

O Zohar não é uma obra fácil, é uma obra para aqueles que já sabem o que lá irão encontrar e, talvez mais que tudo, uma obra cujo estudo poderá mesmo levar toda uma vida. Que se considerem avisados todos aqueles que decidam procurá-la...

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20 de Abril, 2022

Agustina Ruiz, a mulher que fazia amor com os santos

A história de Agustina Ruiz, que viveu em inícios do século XVII no México, é intrigante, quanto mais não seja pelos eventos que lhe trouxeram fama. Poderia ter sido uma mãe solteira como tantas outras e talvez jamais ouvissemos falar dela, não fosse o facto de um dia se ter ido confessar ao padre da sua paróquia e o tempo guardado para essa confissão ter terminado. Agustina disse que voltaria outro dia para a terminar, ela e o padre desencontraram-se, este segundo pensou que ela já não regressaria e então, dada a estranheza do que lhe tinha sido contado, ele relatou a respectiva história a membros da Inquisição. Estes chamaram a jovem ao seu tribunal, foram-lhe colocando diversas questões, e depois... aperceberam-se de um enorme problema, que era o facto de supostamente ela andar a ter relações sexuais com os santos católicos, com a Virgem Maria e até com o próprio Jesus Cristo.

Talvez a Virgem Maria de Agustina Ruiz?

Poderia pensar-se, hoje, que ela estava louca, mas mais estranho é mesmo o facto de ela ter revelado à Inquisição muito mais do que eles perguntavam, ao ponto de quem a interrogava parecer não saber muito bem como reagir a toda a situação. Assim, pouco a pouco, foi-se possível descobrir mais sobre este estranho caso de Agustina Ruiz, que tentaremos resumir abaixo, mas que devemos frisar que não é próprio para os mais novos - considerem-se avisados!

 

Quando tinha cerca de 12 ou 13 anos Agustina Ruiz foi viver para outra cidade, acompanhada por um homem mais velho, um tal Diego Sanchez Solano, de quem veio rapidamente a engravidar. Mais tarde ele veio a falecer num fogo, deixando a jovem grávida quase sozinha no mundo. Tristíssima com a ocorrência, pouco depois de tomar conhecimento desse facto foi a casa de um vizinho e viu que ele tinha uma pintura de São Nicolau de Tolentino em sua posse. Talvez pelo seu sofrimento, talvez por se sentir muito só no mundo, viu nesse santo o mais belo de todos os homens que alguma vez tinha contemplado. Como que se apaixonou. Depois, nessa noite, decidiu "tocar-se" a pensar na imagem que tinha visto, e... o santo, o mesmo que tinha visto na imagem, apareceu no seu quarto, falou-lhe e fez amor com ela. Poderá parecer estranho, mas não foi caso único - à medida que o tempo foi passando ela foi também visitada por outros santos, pela própria Virgem Maria e até por Jesus Cristo, figuras que foram trocando com ela actos e palavras de amor, muitas vezes até tão explicitamente sexuais que fariam corar produtores de filmes pornográficos dos nossos próprios dias. Numa dada altura o Messias até lhe diz, e cite-se a título de exemplo, que fazia amor com ela porque "És a minha alma, a minha vida, aquela que amo acima de todas as outras, e além disso tens uma **** saborosa e gostosa só para mim" [a censura é nossa].

 

Mas o mais curioso de todo este caso de Agustina Ruiz é que não se consegue compreender, pelas suas próprias palavras, onde termina a realidade e começa a imaginação. Será que estas figuras religiosas verdadeiramente lhe andavam a aparecer - como aos nossos Pastorinhos, a Bernadette Soubirous ou a Juan Diego, entre tantas outras figuras - no que poderia ser um dos mais estranhos milagres de que há memória, ou estaria ela somente a imaginar tudo, movida pela dor, abandono e solidão que sentia? Não é de todo claro, mas não deixa de ser profundamente irónico que a Inquisição a tenha condenado a passar alguns anos num mosteiro, onde, mais do que esquecer todas estas imagens religiosas, passou a ter de as confrontar continuamente e a cada novo dia.

 

Não sabemos o que aconteceu a Agustina Ruiz após essa condenação pela Inquisição do México. Depreende-se, dadas as circunstâncias, que tenha passado pelo menos os anos da sua pena num mosteiro, mas depois parece desaparecer de qualquer registo. Não sabemos se as figuras do Cristianismo, que tantas vezes amou (aqui em mais que um sentido!), deixaram de lhe aparecer, de lhe possuir o corpo e alma, mas... dada a estranheza de toda a história, bem como a triste solidão da jovem, preferimos acreditar num amor divino que, preso entre alma e corpo, a contentou todos os dias para o resto da sua vida!

 

 

P.S.- Um enorme agradecimento ao Professor Zeb Tortorici, cuja apresentação desta história num artigo nos levou a investigar mais sobre ela!

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18 de Abril, 2022

Como era o Mausoléu de Halicarnasso?

De entre os muitos túmulos construídos pela humanidade ao longo da sua história, é provável que o Mausoléu de Halicarnasso se trate do mais famoso da cultura ocidental. Ou, na verdade e para sermos mais precisos, talvez um dos mais famosos, a par das enormes pirâmides do Egipto. A sua fama parece ter sido tão grande que "mausoléu" até se tornou a palavra a ser usada para túmulos muito grandes e opulentos, em referência ao gigantesco local que em meados do século IV a.C. Artemisia II mandou construir para o seu amado Mausolo, e que depois se tornou o local de descanso eterno para ambos. O local até foi uma das Maravilhas do Mundo Antigo, e... bem, muito mais poderíamos escrever sobre ele, mas como aqui foi escrito há já uns anos, "hoje em dia os seus vestígios resumem-se a algumas pedras a assinalar o local". E isso pode ser muito despontante, até porque muito pouco saberíamos sobre o local... não fosse um espécie de acidente dos tempos, de que iremos falar em seguida.

Como era o Masoléu de Halicarnasso?

Na cidade turca de Bodrum, em que um dia existiu este Mausoléu de Halicarnasso, pouco resta excepto algumas pedras da estrutura original. Uma enorme estátua de Mausolo, provavelmente retirada deste mesmo local, ainda pode ser vista no British Museum, mas a curiosidade de hoje vem de uma outra cidade da Turquia - Milas, a cerca de 50 quilómetros da anterior, onde ainda hoje existe uma espécie réplica romana do monumento aqui em questão, dos primeiros séculos da nossa era, como até pode ser visto na imagem acima. Não são bem iguais, como qualquer pessoa conseguirá ver sem qualquer dificuldade, mas a versão romana, à direita, parece basear-se no espírito da anterior, permitindo-se imaginar quão maior e mais impressionante terá sido o também-chamado Mausoléu de Mausolo.

 

Mas desenganem-se, face à fotografia antiga, aqueles que pensem que também este segundo espaço já desapareceu. Ele ainda hoje pode ser encontrado nessa cidade de Milas. Em 2019 estava coberto por uma enorme estrutura muito mais recente, um horrendo museu entretanto proposto para o local (que lemos que posteriormente até ia ser demolido), mas em janeiro de 2015 o Google Maps ainda captou numa das suas fotografias a forma pitoresca como o local se encontrava há muito poucos anos, em que o monumento se apresenta timidamente coberto por algumas árvores, como pode ser visto aqui:

Não é, naturalmente, um Mausoléu de Halicarnasso dos nossos dias, mas pelo menos deixa-nos perceber que a estrutura original, que ainda existia no tempo dos Romanos, teve algum impacto significativo na cultura dos primeiros séculos da nossa era, como algo que os cidadãos da altura até desejavam reproduzir, se bem que numa forma simplificada, para o seu próprio uso. E isso, numa espécie de recordação de tempos passados, terá de nos chegar, para os nossos dias de hoje...

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13 de Abril, 2022

A verdadeira origem do Ovo de Páscoa (e o Coelho de Páscoa)

Se os grandes símbolos desta altura do ano são o Ovo de Páscoa e o respectivo Coelho de Páscoa, porque não contar, de forma breve, a sua história? É ela muito interessante, se tivermos em conta que os coelhos não põem ovos, nem faziam eles parte da celebração judaica da Páscoa, evento que está por detrás da origem da "nossa" celebração cristã. Assim, se o famoso animal não põe ovos, e também não nasce de nenhum (para quem ainda tiver essa dúvida existencial...), é-nos fácil ver que os dois símbolos, hoje muito associados, eram originalmente distintos. Como tal, falemos de cada um a seu tempo.

 

Qual a origem do Coelho de Páscoa?

Sobre a origem do Coelho da Páscoa

Quem já tiver procurado informação sobre a origem do Coelho de Páscoa acabará por encontrar, uma e outra vez, referências a uma antiga deusa pagã, de nome Eostre ou Ostara, cujo símbolo se diz que era este animal. Infelizmente, quem conta essa história raramente informa que quase nada se sabe sobre essa deusa, nem se tem qualquer prova real de que ela estivesse associada a este animal. A ideia só parece surgir na primeira metade do século XIX, quando um dos Irmãos Grimm, na sua outrora-famosa obra sobre Mitologia Alemã, se interrogou sobre o costume aqui em questão, dizendo depois algo como - e estamos a parafrasear - "desconheço a sua origem, é possível que [este animal] tenha sido o animal sagrado de Eostre [i.e. deusa germância da Primavera]". Depois, com o passar dos anos e em virtude da popularidade desta obra, essa incerteza original foi sofrendo uma metamorfose em "verdadeiro" facto, mas sem qualquer prova real de toda a ideia!

 

Mas então, de onde vem mesmo esta figura? Se o animal sempre foi popular na Europa em virtude da sua grande fecundidade e por ser muito visto na Primavera, a mais antiga referência que lhe encontrámos neste contexto pascal vem de uma tradição germânica, atestada inicialmente na literatura de finais do século XVII*, segundo a qual uma figura mítica inventada na região, a que poderíamos chamar a "Lebre de Páscoa", trazia ovos às crianças que se tinham portado bem, numa espécie de Pai Natal primaveril. É curioso notar, nesse seguimento, que ninguém dizia que os ovos lhe pertenciam a ela, mas sim e somente que esta entidade era a responsável por distribuí-los, o que não pode deixar de suscitar a questão seguinte...

 

Qual a origem do Ovo de Páscoa?

Sobre a origem do Ovo de Páscoa

É importante deixar claro que os ovos trazidos pela tal "Lebre de Páscoa" não eram completamente normais. Não eram pura e simplesmente ovos, nem eram de chocolate. Nem podiam ser confundidos com ovos normais, pelo facto de, nessa tradição original, serem pintados e decorados pelas pessoas, antes de os oferecerem e/ou esconderem. Não existia qualquer simbologia conhecida por detrás dessas cores, nem qualquer sugestão - pelo menos no século XVII, em que, como já dito, encontrámos a primeira menção  eles neste contexto - das que devessem ser utilizadas para pintar um Ovo de Páscoa. E porquê, podiam perguntar?

 

Porque, nesse tempos, o importante não era que o Ovo de Páscoa tivesse algum significado real, mas sim que eles fossem distinguíveis dos ovos "normais", naturalmente brancos ou amarelados. Caso contrário, surgia o problema de mandar as crianças ir procurar estas prendas - um costume ainda bastante frequente em países anglófonos - e elas virem para casa com ovos de cobra ou, talvez ainda pior, de um Basilisco...

Mas podemos antecipar o que podem estar a pensar. Podem ter lido aqui e ali que esta tradição é muito antiga e vem do local X, em que os ovos eram pintados da cor Y por causa de Z. Quem o diz tende a esquecer-se, talvez por falta de pesquisa, que uma mera correlação não implica causa. Não é por eles existirem pintados numa qualquer cultura antiga que a tradição, mais recente, de os pintar para a Páscoa vem desses tempos - até pelo contrário, se no século XVII não tinham uma cor específica, o facto de também existirem tradições anteriores que relacionavam "ovos + uma cor por razões simbólicas" são completamente independentes!

 

Em suma, a origem destas duas tradições pascais

Em outros tempos podiam ser vistos nos campos, em tempo da Primavera, muitos coelhos e lebres. Isto levou a um mito popular - assim lhe chamou Georg Franck von Franckenau no século XVII, aquando da que parece ser a primeira referência literária a este costume - que dizia que a Lebre de Páscoa estava a trazer prendas para os mais novos que foram bem comportados. Da Alemanha este costume passou para o Reino Unido e para os Estados Unidos, de onde se disseminou pelo mundo fora, mas já numa forma adaptada, o que é comprovável pelo facto da tradição que celebramos não ser a original, mas sim uma versão muito adaptada já de uma versão secundária, e.g. em Portugal não temos a figura da lebre, o Coelho de Páscoa é um mero símbolo sem qualquer história associada, a tradição de pintar os ovos não existia por cá até há muito poucos anos, e para nós eles são meros doces, quase sempre de chocolate. E assim se explicam estes dois costumes que hoje existem em países lusófonos...

 

Livro 'De Ovis Paschalibus', fonte de muita desta informação

*- Para quem tiver essa curiosidade de a ir pesquisar e ler, a obra em questão é Disputatione Ordinaria Disquirens de Ovis Paschalibus. Está, naturalmente, em Latim do século XVII.

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13 de Abril, 2022

A lenda das Pedras Dropa da China

Falar das Pedras Dropa da China implica, talvez antes de mais, contar uma pequena história com já alguns anos. Nessa altura fomos almoçar a um restaurante chinês em Lisboa e vimos, dentro de uma pequena montra de vidro e juntamente com algumas garrafas de álcool, duas estranhas "coisas" circulares. Tentámos saber o que eram, mas os funcionários chineses do restaurante tinham alguma dificuldade em conseguir explicá-lo, ficando apenas a ideia de que era algo "munto misterioso". Infelizmente, não conseguimos lá voltar na altura, para investigar melhor o tema, e quando lá tentámos ir mais recentemente o restaurante estava encerrado, mas pelo que parece ter sido um completo acidente uma fotografia online do recinto ainda mostra, de uma forma muito vaga, o que vimos no local.

As Pedras Dropa da China

Investigando depois o tema, ficámos com a ideia de que se poderiam tratar de reproduções estilizadas das também-chamadas "Pedras de Dropa", originárias da China. E, nesse sentido, achámos que aqui poderíamos contar a sua estranha história, em que os limites da verdade e da ficção se intersectam múltiplas vezes.

 

Diz-se que estas Pedras Dropa foram primeiro encontradas por um tal Chi Pu Tei numas cavernas nas montanhas chinesas de Bayan Har, por volta do ano de 1938, juntamente com diversos esqueletos de pequena estatura. Ele não terá pensado nada de muito especial destas suas descobertas. Então, o tempo foi passando e por volta de 1962 um tal Tsum Um Nui descobriu, por completo acidente, que em algumas dessas pedras podiam ser lidas, com o auxílio de uma lupa, alguns caracters. Não deve ter sido nada fácil, mas ele lá conseguiu decifrá-los e relatou que continham uma história muito incomum, de uns seres diminutos - os tais Dropa que deram o nome a estas pedras - que tinham vindo do espaço, se despenharam na Terra, primeiro foram caçados pelos locais, depois lá estabeleceram boas relações com eles, e finalmente acabaram por decidir ficar a viver no local, já que não tinham qualquer forma de voltar para o seu planeta-natal.

 

Agora, se a uma primeira vista toda esta história das Pedras Dropa até poderá parecer muito intrigante para algumas pessoas, quem tiver mais curiosidade sobre toda a história e for investigar o caso acabará por se deparar consecutivamente com mais e mais dificuldades, desde o facto de (alegadamente) estas pedras estarem a ser escondidas pelo governo da China, até ao facto de não existem provas reais da existência de qualquer um dos grandes intervenientes na narrativa, passado até pela ridícula ideia de que um dos relatos da descoberta - relembre-se, ela é supostamente datada de 1938 - a precede em mais de uma década. Outras versões acrescentam que um turista engenheiro lhes tirou fotografias alguns anos mais tarde (a vista acima, por exemplo), ou que cientistas russos notaram que elas emitiam um som quando eram giradas - tudo muito interessante, claro, não fosse o facto de nada disso poder ser testado nos dias de hoje, relembrando aquela conveniente Carta de Mar Saba.

Pelo outro lado da questão, se quiserem procurar possíveis verdades por detrás de tudo isto, até existe na China uma vila em que os habitantes nascem sempre anões, o que se poderia tentar lidar a esta estranha lenda, não fosse o facto, muito profundamente irónico, dos dois locais se encontraram quase nos extremos opostos do mesmo país.

Um disco Bi chinês

Então, de onde vem toda esta lenda? É provável que tenha nascido como uma mera história de ficção, derivada dos chamados discos bi (), que até são relativamente comuns na China, e de que pode ser visto um exemplo acima. Em alguns casos eles parecem ter mais de 5000 anos, mas raramente têm texto legível, apresentando quase sempre representações dos céus (com estrelas e tudo!) e que tendem a ser encontradas em contextos funerários. Agora, se isso até bate certo com os elementos da lenda, e poderia fomentar a ideia de que esta tradição nasceu dos tais extraterrestres Dropa, depressa é levantado um problema que invalida essa potencial teoria - segundo as diversas versões, o tal Chi Pu Tei encontrou um número de Pedras Dropa que, mediante a fonte consultada, parece ascender a mais de 700-1000 elementos. Onde foi isso tudo guardado, ou - em alternativa - se até existia mesmo algum texto lá, porque é que ele nunca foi transcrito, existindo apenas numa suposta tradução? Ademais, se esse texto - o recontado acima - estava numa das pedras, o que diziam as restantes 699?

 

Face a problemas como estes, entre muitos outros, torna-se claro que estas Pedras Dropa da China são uma pura lenda e nada mais, como aquela intrigante história nipónica dos Documentos Takenouchi, com que esta até partilha alguns vectores basilares. A ser verdade, esta história dos serezinhos que vieram do espaço e se estabeleceram numas montanhas da China seria importantíssima, mas não deixa de ser muitíssimo curioso que todo o relato esteja pejado de elementos comprovadamente falsos e dos quais não existe absolutamente nenhuma prova real - de facto, se Chi Pu Tei e Tsum Um Nui existiram, deveriam existir artigos científicos com os seus nomes, até porque se diz que este segundo foi ridicularizado pelos colegas (que, naturalmente, não teriam qualquer problema em vir a público e contar a sua história), mas... nada (!), o que diz mesmo infinitas coisas sobre a potencial veracidade de toda esta lenda...

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10 de Abril, 2022

"Shi'ur Qomah", o livro que mediu Deus

Shi'ur Qomah, que é como quem diz "Dimensões do Corpo" (em Hebraico), é provavelmente um dos livros mais estranhos que já se nos cruzaram o caminho. Infelizmente já só existe numa forma fragmentária, parcialmente corrompida, não sendo sequer possível determinar com maiores certezas a data da sua composição original, mas nem por isso deixa de ser uma obra cuja ideia poderá causar um certo fascínio nos dias de hoje.

Um deus que poderá não ser o de Shi'ur Qomah

Essencialmente, Shi'ur Qomah é um livro que, através de uma revelação do anjo Metatron (figura pouco conhecida na cultura portuguesa, mas comum na tradição judaica e muçulmana, como já cá dissemos anteriormente), nos preserva as medidas do corpo de Deus. Claro que também tem alguns outros conteúdos místicos, aqui menos importantes, mas o verdadeiramente curioso na obra é essa tentativa de medida do corpo divino, traçando-o como se fosse o simples corpo de um homem, mas em ponto muito grande, e nomeando cada uma das suas partes. Assim, o Deus judaico, tal como apresentado neste trabalho que é de fins da Antiguidade ou da Idade Média (Maimonides conhecia-o no século XII), é quase um mero homem, descritível nas suas partes, sendo-nos possível saber, por exemplo, que diversas partes do seu corpo estavam inscritas com letras hebraicas; que tinha mesmo barba (como até tende a ser representado na tradição cristã); e que a distância entre os seus dois olhos é de 300000 parasangs*, permitindo-nos perceber a sua estatura quase inimaginável!

 

Mas, sendo assim, será que vale a pena localizar e ler este Shi'ur Qomah? Dificilmente - a obra não é de fácil acesso, não existe traduzida para língua portuguesa, e é provável que o seu tema só tenha interesse para um número muitíssimo limitado de leitores, até porque, mesmo no contexto das crenças judaicas, em dada altura esta foi considerada uma leitura completamente herética, que por essa notável antropomorfização divina era muito contrária à grande maioria dos ensinamentos religiosos do mesmo povo. É aqui digna de menção a título de pura curiosidade, sim, mas pouco mais que isso...

 

 

 

*- Um parasang é uma antiga medida iraniana de distância. O seu comprimento variava, mas pelo que pudemos descobrir era mais ou menos 5-6 Kms. Portanto, se a distância entre os olhos divinos era de 300000 parasangs, isso equivale mais ou menos a 1500000-1800000 Kms, fazendo dele uma figura aproximadamente 24193548387 vezes maior (!) que um ser humano de hoje!

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06 de Abril, 2022

A Batalha de Guadalete e o destino do Rei Rodrigo

Falar sobre a Batalha de Guadalete é, primeiro que tudo, admitir que a visão da História que todos recebemos em tempos de escola é muito incompleta. Pelo menos para quem viver em Portugal, para os períodos mais antigos ela representa a Península Ibérica como um local de passagem de diversos povos antigos, sem que se saiba muito bem quem fez o quê e quando, salvo excepções como a das lendas de Viriato, tão reaproveitadas mais tarde na cultura portuguesa. Por essa razão, alguns instantes da história ibérica estão envoltos num misto de história e lenda, sendo difícil reconhecer onde verdadeiramente termina um e começa o outro... e a história de hoje é precisamente sobre isso, sobre como um mesmo evento, supostamente histórico, pode fomentar lendas muito diferentes em países distintos.

O Rei Rodrigo e a Batalha de Guadalete

Nessa sequência, em Espanha a Batalha de Guadalete é, de um modo muito geral, a de um último monarca e cristão visigodo, que ficou conhecido apenas por Rei Rodrigo e que foi derrotado pelos Muçulmanos aquando da sua invasão inicial da Península Ibérica, no ano de 711. Diz-se ainda que o rei desapareceu em combate, sendo possível que tenha fugido da batalha sem ter sido morto, para um local incerto...

Porém, na versão portuguesa da lenda da Batalha de Guadalete, são acrescentados alguns elementos muito curiosos. Segundo ela, o tal Rei Rodrigo sobreviveu a essa batalha e depois fugiu por mar para uma localização incerta, juntamente com os muitos bispos que existiam nos seus domínios. Depois, ao longo dos séculos, foram sendo adicionados muitos novos elementos a toda a história - em particular, que esse monarca, os seus bispos e a respectiva corte ainda estavam vivos numa ilha mágica coberta por nevoeiro.

 

O que tem tudo isto de especial, de digno de nota, para ter inspirado a escrita das linhas de hoje? Existem, na realidade, um conjunto de lendas nacionais que podem ser ligadas à deste desaparecimento do Rei Rodrigo e dos seus Cristãos. Por exemplo, na famosa lenda de Dom Fuas Roupinho e da Nazaré, algumas versões dizem que a imagem de Nossa Senhora posteriormente encontrada por esse herói do tempo de Afonso Henriques foi deixada em Portugal,em inícios do século VIII, por um monge que também fugiu com o famoso monarca aqui em questão.

Mas... provavelmente a mais famosa e notável das lendas nacionais associadas a este Rei Rodrigo diz que a ilha em que ele agora vive é a mesma em que o nosso Dom Sebastião se esconde, aquela tal Ilha Encoberta de que nos falava o Sebastianismo e que hoje já está quase esquecida. Assim, quando o nosso rei voltasse para salvar Portugal, iria fazê-lo acompanhado por esse seu companheiro real e pelos bispos outrora desaparecidos, para instituir um novo reino cristão mundial, de que falam muitas lendas nacionais hoje completamente esquecidas, mas que até podem ser vistas em profecias do século XVI, e seguintes, que ainda nos chegaram em pequenos registos de diversos arquivos nacionais, como a que pode ser lida carregando na imagem abaixo.

Profecia do regresso do rei

Contudo, não sabemos onde acaba a verdade e começa a pura lenda em tudo isto. Será que a Batalha de Guadalete teve mesmo lugar? Será que o Rei Rodrigo existiu? Será que morreu em batalha, ou desapareceu para parte incerta? Será que foi acompanhado por outros Cristãos nessa possível viagem? Não sabemos, de todo, nem nos é possível sabê-lo com base nas provas que ainda temos neste momento. É tudo um misto de lenda e realidade, sem que se saiba, efectivamente, os contornos de cada um desses dois pólos.

 

Mas... uma última curiosidade sobre todo este tema. No Algarve existe um bolo chamado "Dom Rodrigo", que se apresenta hoje como uma espécie de fios de ovos cobertos por uma folha de prata colorida e disposta numa forma que pode fazer relembrar uma ilha. Se o nome do bolo, originalmente, não se devia a este monarca, mas sim a outro Rodrigo do século XVIII, será esta sua nova forma, que foi sendo adoptada ao longo dos anos mas não era a original, uma alusão velada à lenda da tal Ilha Encoberta, com suas areias douradas, do Sebastianismo e deste outrora-famoso monarca ibérico, que igualmente se pensava que lá vivia? Não conseguimos, neste momento, ainda responder a essa questão, mas não deixa de ser intrigante pensar nessa grande possibilidade...

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