A História das Sete Parvoíces
A história ou conto das Sete Parvoíces, sob a sua forma oral, parece ter sido, em tempos já passados, de alguma popularidade nos territórios de Portugal. Contudo, e provavelmente em virtude de conter uma associação entre sete pequenos relatos totalmente independentes uns dos outros, foi-se perdendo progressivamente ao longo do tempo. Hoje, parece ser pouco mais do que um nome - não o encontramos em compilações de histórias infantis, nem foi possível localizar uma versão totalmente completa de toda a trama - que mal aparece em pesquisas na internet, pelo que achámos que, associando diversos relatos recolhidos por José Leite de Vasconcelos (entre outros), deveríamos tentar recuperar e apresentar aos leitores a sua sequência. Isto, até para celebrar este Dia Mundial da Criança, que é sempre uma boa desculpa para se contar histórias de outros tempos!
O princípio da história das Sete Parvoíces
Conta-se então que em outros tempos um jovem e uma jovem estavam para se casar. Um dia, quando até já estavam para marcar a data do evento, a segunda decidiu ir à adega buscar "algo", possivelmente algum vinho. Quando estava no local, notou um local perfeito para vir a colocar o berço de um bebé, mas depressa se apercebeu que estavam colocados um machado e uma enxada aí por cima. Com medo, pôs-se então a gritar algo como "Aiiiiiii, e se a enxada e o machado caem? Lá se vai o meu bebé!!!" Fez tanto barulho que também a sua mãe desceu à adega... e esta, quando viu a filha a chorar, pôs-se também a gritar "Aiiiii o meu netinho, coitadinho dele, que vai morrer!!!" Ambas fizeram tanto barulho que depois também o pai/marido desceu ao recinto, pondo-se também ele a gritar "O que há-de ser do neto dos meus olhos? Aiiiii aiiii aiiii, que tristeza!"
Pouco depois, o futuro noivo lá se apercebeu do que estava a acontecer, mostrou-se estupefacto - quer dizer, bastaria mover o machado e a enxada para evitar todo o problema... - e possivelmente disse que casava com esta jovem, sim, mas apenas quando conseguisse encontrar pelo mundo fora seis outras grandes parvoíces como esta.
Em busca das outras Sete Parvoíces
É aqui que a história se complica, já que a progressão da narrativa implica necessariamente o herói pelo menos conseguir encontrar seis outras coisas muito parvas, potencialmente em que até intervém directamente para as resolver, mas - e como já referido antes - não foi possível descobrir nem a sua sequência original, nem quais sempre fizeram parte da história. Assim, as seis que reproduzimos aqui são aquelas em que não só foi possível encontrar um problema para ser resolvido, mas em que a personagem principal também intervém para o fazer.
- Uma mulher estava a entrar e a sair de casa com uma caixa, já que queria tentar guardar um pouco de sol para o Inverno. O viajante subiu ao telhado, abriu um buraco nas telhas, e quando a mulher viu alguns raios de sol no interior da caixa, fechou-a muito depressa, para guardar o sol.
- Numa terra encontrou os porcos cheios de brincos, colares, pulseiras, e outros acessórios. Quando comentou que na sua terra eram as mulheres que usavam tudo isso, os cidadãos locais depressa removeram tudo e o colocaram nas suas mulheres.
- Encontrou várias pessoas todas em monte, talvez até no interior de um carro, que diziam não poder sair porque não sabiam quais eram as suas pernas. Então, começou a bater em cada perna, vendo que pessoa sentia essa dor, e assim os presentes lá puderam sair do local.
- Foi a uma hospedaria e pediram-lhe que fizesse pouco barulho, porque uma mãe tinha tido um filho e a criança nascida há 30 anos estava a dormir no quarto. O viajante disse ao proprietário que na terra dele bastava uma semana, e então eles foram ao quarto e fizeram sair dele a mãe e o filho.
- Viu uma igreja em grande polvorosa, porque a noiva, a montar um burro, não conseguia entrar no recinto. Os locais sugeriram cortar as pernas do burro ou a cabeça da noiva, mas o viajante decidiu bater com um pau na cabeça para ela se curvar - ou apenas lhe pediu para se baixar - e ela lá conseguiu entrar no local.
- Encontrou várias pessoas a tentarem construir uma casa, mas as traves principais, sempre coladas com sebo, caíam sempre. O viajante sugeriu unir as duas metades com argolas e corda, e todo o problema depressa ficou resolvido.
O final(?) da história das Sete Parvoíces
É possível que o viajante tenha voltado a casa, retirado o machado e a enxada do local em que estavam e tenha decidido que, afinal de contas, já não queria casar com esta singular jovem, até pela parvoíce da respectiva família. Contudo, as palavras-chave devem aqui ser mesmo "é possível", já que não foi possível encontrar qualquer relato contínuo de toda a narrativa, não parecendo existir (agora) qualquer vestígio de uma versão em que o par tenha mesmo acabado por casar.
Mais sobre esta História das Sete Parvoíces
Por isso, o que se pode concluir sobre esta jocosa história das sete parvoíces? É absolutamente claro que o cerne da trama era o confronto de um herói com seis ou sete completas tolices, que depois ele conseguia normalizar, mas não pode deixar de ser curioso que algumas das sequências acima também possam ser encontradas como relatos independentes. É, hoje, quase impossível descobrir a sua origem - será que já vinham desta história, ou eram independentes e só depois se foram associando à narrativa principal? - mas é possível que numa versão antiga o herói tenha resolvido essas seis ou sete situações de forma a obter uma espécie de inspiração para a resolução do problema original. Isso possibilitaria a realização do tal casamento, mas... como explicar esse potencial desejo de (ainda) casar quando o herói já conhecia a enorme tolice da futura esposa?
Enfim, discutimos bastante o problema, acabando por concluir - e frise-se que é uma mera questão de opinião... - que seis das parvoíces foram potencialmente adicionadas à trama num período mais tardio que a sua composição, sendo possível que tenha existido uma versão em que o herói apenas remove o machado e a enxada da adega, casando depois com a amada, mas já nada se sabe sobre essa potencial versão original. A "nova" versão, aquela que relatamos acima, poderá ter nascido de uma necessidade de explicar porque casaria - ou não... - o herói com uma mulher tão tola. Quer dizer, se toda esta história era originalmente oral, cada pessoa podia contá-la à sua maneira, o que poderá e deverá ter originado um sem-número de versões para o seu desenvolvimento. E, depois, essa multiplicidade de versões tornou difícil recolhê-la, não só pelo esquecimento de cada uma das parvoíces individuais - como já atestava a recolha de José Leite de Vasconcelos - mas porque cada pessoa a poderia contar com um desenvolvimento significativamente diferente.
E, para quem quiser mais histórias para o dia de hoje, também já aqui contámos a da famosa Carochinha, na versão escrita mais antiga a que ainda se tem acesso (entre incontáveis outras). Também essa foi sendo simplificada ao longo do tempo, sendo provável que o mesmo tenha acontecido com a de hoje, o que, feliz ou infelizmente, tornou mais difícil saber-se os contornos exactos da história original, agora quase esquecida...