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Mitologia em Português

29 de Julho, 2022

Viagem a Vale de Cavalinhos, terra de feitiçaria

O nome de Vale de Cavalinhos está hoje quase esquecido, mas em outros tempos acreditava-se que era o local em que bruxas, feiticeiras e outras entidades semelhantes se encontravam durante a noite, venerando o Diabo, baptizando novas crentes e preparando as nefastas magias com que depois iam afectando as populações de Portugal, entre outras coisas. E se, na verdade, o nome do local se foi mantendo ao longo dos séculos - Gil Vicente até o menciona no seu Auto das Fadas - como um espaço mágico por excelência, a título de curiosidade podemos perguntar onde ficava este local tão misterioso.

Será este o Vale de Cavalinhos?!

Uma rápida pesquisa pela internet revela que ainda hoje existem vários locais conhecidos pelo nome de Vale de Cavalinhos, como o mostrado na imagem acima, mas nenhum deles parece estar, nos dias de hoje, particularmente associado a práticas mágicas ou de feitiçaria. Assim, entre as muitas possibilidades que poderíamos levantar nesta nossa inquirição, depressa se cria a ideia de que o que devemos procurar não é um espaço que ainda exista hoje com esse nome, mas um que ou já não tem esse nome, ou por alguma razão deixou de estar associado a todo um conjunto de práticas mágicas que em outros tempos o fizeram famoso. E, de facto, até existe um local que partilha dessas duas características. Mas já lá iremos!

 

Quando, nesses outros tempos, se falava de Vale de Cavalinhos, um dos únicos pontos de referência que são dados em relação ao local é que provavelmente se situava próximo da cidade de Lisboa (e dizemos "provavelmente" porque se as bruxas voavam para lá por pura magia, torna-se difícil compreender o quão longe podiam viajar durante a noite). Agora, existiu um local nessa cidade que em outros tempos tinha o nome que procuramos, e que era então caracterizado pelos seus extensos olivais. Após o Terramoto de 1755 adoptou uma nova designação, a de "Vale de Santo António", altura em que o local começou a ser ocupado por novas casas e até lá foi construída uma ermida, que ainda hoje pode ser vista na lisboeta "Rua do Vale de Santo António". Essa alteração do nome do local, bem como a sua posterior ocupação por um espaço religioso cristão (em detrimento dos tais olivais de outros tempos), pode fazer crer que este tinha sido, em tempos mais antigos, aquele famoso espaço tão repetidamente associado à magia.

 

Temos alguma certeza real disto? Não, claro que não... É possível que as referências a um Vale de Cavalinhos na literatura mágica até se referissem a um espaço completamente diferente, como aquele da imagem ali em cima, até porque o seu acesso nocturno por meios mágicos não facilita uma limitação geográfica, mas o seu desaparecimento completo de referências literárias após um determinado período de tempo, bem como a necessidade de sacralizar o anterior espaço para o Cristianismo (criando-se a pura lenda de que Santo António aí descansou antes de abandonar o país), podem contribuir para se afirmar, com algumas certezas, de que este bem poderá ter sido o local em que, até ao século XVIII, se acreditava que as bruxas se reuniam durante a noite.

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28 de Julho, 2022

Taaban, o Pokemon perdido!

Voltamos agora aos temas habituais apresentando o Taaban, um pokemon completamente verdadeiro mas do qual é bastante provável que nunca tenham ouvido falar até hoje. E mais, abaixo até apresentamos a origem nipónica da inspiração por detrás de toda esta criatura. Por isso, comecemos de forma relativamente simples, com a imagem de um boneco que os fãs deste jogo certamente já conhecem e bem.

Taaban, um pokemon perdido ou esquecido

Na imagem acima pode ser visto um data file sobre uma criaturinha que é conhecida como Slowbro entre nós e no Japão como ヤドラン, "Yadoran". Essencialmente, era a sua própria criatura até que um Shellder (ou, em japonês, シェルダー, como sublinhámos na imagem) lhe mordeu o rabo, dando-lhe o estranho aspecto que pode ser visto ali na imagem. E isto absolutamente nada teria de especial não fosse o facto da criatura que morde o cauda do Slowpoke ser completamente diferente de aquela a que o textos nipónico e ocidental aludem. Nestes casos, talvez seja até correcto dizer que uma só imagem vale mil palavras:

Slowpoke, Shellder, Taaban e Slowking

No lado esquerdo pode ser visto a criaturinha chamada Slowpoke. Do lado direito pode ser vista uma das suas evoluções, chamada Slowking, possivelmente em virtude da espécie de coroa que tem na cabeça. Mas o que tem, de facto, ele nessa sua cabeça? É um Shellder, como na parte superior do centro da imagem, ou um Taaban, como na parte inferior do centro da mesma imagem? Tendo em conta que a palavra taaban pode ser vista como uma versão japonesa da palavra turbante, a resposta é completamente óbvia!

Nesse seguimento, o problema é que quem tiver jogado os agora-muitos jogos dos Pokemons nunca se deparou com esta criatura, o Taaban, entre as infindáveis que vai encontrando. Isso poderá dar a ideia de que se trata de uma criatura falsa, inventada por alguém que não pertence aos criadores dos jogos, para nos enganar a todos. O que até seria possível, não fosse o facto de há muito poucos anos ter sido encontrada uma versão de teste das versões Gold e Silver, em que se podia encontrar, entre outras criaturas menos exuberantes que foram ficando pelo caminho, estas duas imagens, que confirmam que em dada altura ele esteve inegavelmente presente no código do segundo jogo da série:

Taaban no jogo

Não fazemos ideia do porquê de ele ter sido removido, até porque nunca foi referido em nenhum jogo oficial, mas é curioso que ainda hoje, quando se vêem imagens de formas evolutivas relacionadas com o Slowpoke, em muitas delas ainda se pode ver a própria cara do Taaban a tentar olhar para nós, como que a relembrar que ele ainda ali está, que o seu nome e as suas habilidades individuais podem ter sido esquecidas mas ele continua, de uma forma relativamente bem dissimulada, a apresentar-se-nos nos jogos da série.

 

Mas... na versão original, esta criatura não era senão uma alusão a Sazae-oni, uma lenda japonesa sobre um monstro aquático, do sexo feminino, que tem uma concha de molusco na sua cabeça, uma que até é muitíssimo semelhante à forma adoptada por este pokemon esquecido... o que nos revela facilmente a inspiração por detrás de toda esta sequência de pokemons - muitos outros também foram baseados em mitos e lendas do Oriente, como o Drowzee, Vulpix, ou a Magikarp - mas infelizmente nunca nos diz o porquê de ele ter sido esquecido e completamente omitido dos jogos, na sua forma independente, até aos nossos dias de hoje... será que um dia o saberemos?

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25 de Julho, 2022

A origem do nome do Estádio da Luz

Se já cá anteriormente falámos sobre a origem do nome de Benfica, a freguesia lisboeta que depois também veio a dar parte do seu nome ao clube de futebol e de outras modalidades desportivas, hoje achámos que poderíamos falar sobre a origem do nome do Estádio da Luz. Agora, a parte inicial dessa exploração parece-nos bastante óbvia - o estádio tem esse nome porque foi construído numa paróquia de Lisboa que tinha o simples nome de "Luz" - mas pode e deve levar-nos a uma questão adicional, que é a de perguntarmos, então, de onde vinha esse simples mas incomum nome da paróquia. Ele vem, para quem estiver com essa curiosidade, da Igreja e Convento de Nossa Senhora da Luz, pelo que para se compreender toda esta sequência de informações é fulcral contar a lenda por detrás desse nome aí dado à Virgem Maria.

A origem do nome do Estádio da Luz

Conta-nos a lenda, hoje até imortalizada na pedra no local (ver acima), que por volta do ano de 1463 um tal Pero Martins, natural desta mesma paróquia, foi aprisionado em terras de África e escapou dessa prisão apenas por meio de um milagre da Virgem. As versões que consultámos nunca tornam explícito que milagre terá sido esse - o melhor que encontrámos foi uma breve alusão ao facto de a mãe de Cristo o ter confortado na sua tristeza - mas a história prossegue dizendo que foi apenas por essa intervenção miraculosa que ele conseguiu voltar a Portugal. Depois, um dia, quando voltou à sua terra de origem, estava próximo da chamada "Fonte da Machada" - que ainda hoje pode ser vista no interior da igreja que mencionámos acima - quando viu no local uma imagem da mesma santa que outrora o tinha auxiliado, mas agora também coberta por uma luz que brilhava tanto como o próprio Sol. Estupefacto, Pero Martins recolheu essa imagem e construiu no mesmo local do milagre uma ermida, que ao longo dos tempos foi depois transformada num convento e, pela sua fama crescente, foi dando todo o nome ao local em que se inseria.

 

Portanto, o nome derradeiro da paróquia da Luz, em que hoje está o estádio do Sport Lisboa e Benfica, obteve esse nome pelo facto de aí ter aparecido uma imagem que ficou conhecida nessa altura, e ainda entre nós, como "Nossa Senhora da Luz". Assim se explica a origem do nome do Estádio da Luz, com mais uma imagem religiosa que se diz que apareceu miraculosamente em territórios de Portugal!

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23 de Julho, 2022

Aniversário, fazemos 18 anos - e os temas de que NÃO falámos!

Lá vem mais um ano, já são dezoito desde que este espaço começou. Parabéns, parabéns (!), mas devemos deixar claro que o verdadeiro agradecimento é para quem vai lendo o que vamos escrevendo e para quem tem a gentileza de nos ceder informação adicional sobre alguns temas, e.g. o caso (muito recente) de Pincho de Benaciate. É para todos eles que vamos continuando a tentar trazer a um público geral todo um conjunto de temas de que raramente se ouve falar. São eles que estão de parabéns, porque sem a sua presença, tanto real como virtual, tudo isto teria muito menos piada...

Aniversário, 18 anos

Mas de que mais podemos falar no dia de hoje? Se o ano passado se escreveu sobre a forma como encontrámos determinados livros menos conhecidos, já este decidimos que poderíamos falar de algumas publicações que foram ficando pelo caminho. Elas estiveram escritas no papel, em muitos casos até prontas para publicação, mas após algumas discussões internas decidiu-se que não deveriam ser publicadas, ou pelo menos não por agora. Damos aqui três exemplos:

 

O mais evidente de todos os temas que foram ficando pelo caminho prende-se com algumas categorias literárias. Se já aqui falámos de temas como o autor mais antigo do mundo ou o possível texto mais triste do mundo, poderia igualmente perguntar-se sobre muitas outras obras que caíriam nessas categorias de "mais". Chegou-se assim ao tema do texto mais horrendo alguma vez produzido pela humanidade... e encontrou-se uma obra, escrita na segunda metade do século XVIII, que poderia corresponder sem qualquer dificuldade a essa categoria. Era uma obra completamente abominável, potencialmente ilícita, capaz de suscitar vómitos bem reais, e que quase até traumatizou um colega. Não a lemos até ao final, o artigo deixava isso claro, mas depressa nos surgiu uma questão filosófica - porquê trazer a público uma obra como essa? Não estará ela bem esquecida, como o está neste momento? Porquê recordá-la? Quem mais é que teria a curiosidade de ir ler um tal texto, excepto por razões como as que nos levaram até ela? Acabou por se decidir que a obra em questão estava melhor como agora, quase votada ao esquecimento.

 

Outro tema que ficou pelo caminho prende-se com a existência de conteúdos marcadamente sexuais em mitos e lendas de diversas culturas. Uma coisa é falar de Príapo ou do primeiro dildo, outra é recontar as desventuras de, por exemplo, um monarca com um orgão sexual tão grande que era usado pelos seus súbditos como ponte, ou uma rainha que estendia o seu órgão genital de tal forma que lhe possibilitava dar verdadeiros jantares em cima dele... Sempre pretendemos escrever para o maior número de pessoas possível, pelo que abordar esses temas poderia traumatizar os mais novos, o que é sempre de evitar.

 

Um terceiro tema que tem ficado pelo caminho é relativo ao Misticismo e aos fundamentos de determinas religiões. Por exemplo, quando falámos sobre o Bruxo de Fafe, apontámos que ele utilizava de forma confusa expressões e conteúdos de diversas crenças místicas distintas, entre elas o Umbanda. Nesse seguimento, seria muito interessante falar das religiões africanas, do Candomblé, e de outras crenças semelhantes, mas o problema prende-se com a necessidade não só de o fazer de uma forma respeitosa, mas também tornando possível que completos leigos consigam compreender os seus principais fundamentos. E se toda a ideia até pode parecer fácil, os crentes dessas religiões com quem fomos falando tendem a insistir num certo secretismo, o que torna difícil essa súmula de respeitar os seus desejos e apresentar devidamente as suas crenças. Não podemos (ainda) dizer que nunca iremos abordar o tema, mas devemos é esclarecer que à presente data ainda não se conseguiu encontrar uma forma de o fazer devidamente.

 

Existem também alguns outros temas que foram ficando adiados e aos quais pretendemos, sem quaisquer dúvidas, voltar um dia. O mais óbvio de todos eles prende-se com uma lenda, existente em várias cidades portuguesas, que diz que existe um túnel secreto entre o local X e Y, e que este era usado para possibilitar as uniões ilícitas entre religiosos e religiosas. Na versão mais exuberante que ouvimos, existiria até um em Coimbra, por baixo do Mondego, a unir Santa Clara a Velha e o Mosteiro de Santa Cruz, que é algo em que só consegue acreditar quem não conhecer a cidade e as muitas cheias do seu rio, mas... será que ele existiu mesmo, numa outra cidade portuguesa? A resposta a essa questão tem de ficar para outro dia...

 

Finalmente, neste dia de aniversário, deixamos um convite a quem estiver em Portugal. Na noite de amanhã iremos celebrar este evento em Sintra e devido a um cancelamento temos neste momento três lugares vagos à mesa. Se alguém quiser participar - vamos visitar na primeira pessoa o local de uma lenda que ainda aqui não foi contada, recordar algumas publicações que foram feitas ao longo dos anos, e até discutir alguns temas mitológicos - envie-nos um e-mail para mais detalhes (ele está ali nos contactos) [P.S.- Os lugares já foram agora ocupados!] É necessário usar máscara de Covid e temos, única e exclusivamente, aqueles três lugares!

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20 de Julho, 2022

Santa Vilgeforte, uma santa transexual?

O tema de Santa Vilgeforte surgiu-nos há alguns dias atrás, enquanto discutíamos algumas estranhas lendas dos santos. Nesse contexto, pode-se falar de São Guinefort, de São Cristóvão Cinocéfalo, de Barlaão e Josafá, até mesmo de algumas histórias como as de Santa Iria, mas a de hoje ultrapassa todas as outras na sua estranheza. Basta até olhar para uma representação de toda esta figura, também conhecida entre nós como Santa Liberata, e muito depressa se constata que ela não pode deixar de causar uma enorme estranheza em quem a vê:

A estranha Santa Vilgeforte

Santa Vilgeforte - no original Wilgefortis, que é como quem diz "virgem forte" - é claramente uma mulher e do sexo feminino - basta constatar o seu vestido e os seus seios - mas apresenta-se com barba e prestes a morrer crucificada. É essa barba o seu elemento mais famoso, a forma mais fácil de a identificar, mas com o passar dos séculos foram-lhe também associados dois outros, nomeadamente sapatos preciosos (um dos quais a cair ao chão), e um violinista. Mas de onde vêm todos estes estranhos elementos? É de toda essa estranha história que aqui falamos hoje!

 

Não sabemos se é suposto ela ter nascido Vilgeforte ou Liberata, nem sequer onde ela terá vindo a este mundo (pelo menos uma versão faz dela filha de um rei de Portugal!), mas as lendas dizem que era, originalmente, uma mulher muito atraente que dedicou a sua virgindade a Deus. Depois, e como é habitual nestes casos, a sua beleza atraiu o filho de um nobre, que por ela nutria um grande amor, naturalmente não correspondido. Mas, como os tempos eram outros, ela ia ser forçada a casar com esse homem, até que pediu a Deus que a salvasse, que lhe retirasse a beleza que tantos problemas lhe estava a causar. E assim foi feito - nasceu uma (supostamente horrenda) barba na cara desta jovem, o que muito irritou o seu anterior apaixonado, levando-a ao cancelamento do casamento e à sua crucificação.

Os mais atentos poderão notar que este cerne da lenda de Santa Vilgeforte não explica nem o sapato de ouro, nem o violinista. Sobre esses elementos, a história foi sofrendo bastantes alterações ao longo dos séculos, mas numa das versões mais populares diz-se que com o passar do tempo foram feitas imagens desta santa, então já há muito falecida, e que um dado dia um crente - que era violinista - se aproximou dela e lhe pediu ajuda. A imagem da santa, compadecida, atirou-lhe um dos seus preciosos sapatos, como pode ser constatado na imagem ali de cima, provavelmente para que este o pudesse vender e comprar algo para comer.

 

Toda esta lenda poderia ficar por aqui, mas a estranheza da sua conjugação de elementos - uma mulher crucificada e com barba; os sapatos de ouro; o violinista; etc. - tem obrigatoriamente de nos levar a uma outra história medieval.

A Santa Face de Luca

Há muito que se sabe que esta santa nasceu não de uma mulher real, mas de uma representação de Jesus Cristo na cidade italiana da Lucca, que é hoje conhecida como a "Santa Face de Lucca". Como é fácil constatar nesta segunda imagem que aqui apresentamos, este Cristo está completamente vestido (para os menos atentos, na igreja católica ele tende a ser representado quase nu), tem barba, e na gravura até pode ser visto acompanhado por um violinista e um sapato (presume-se que seja precioso). Muito mais podia ser dito sobre essa representação - por exemplo, a tradição diz que ela foi feita por Nicodemos, tal como o nosso Bom Jesus de Matosinhos - mas para hoje e para esta lenda de Santa Vilgeforte basta-nos apontar as evidentes semelhanças entre estas representações de figuras supostamente distintas.

 

O que aconteceu, então? Como foi tudo isto possível? Hoje, acredita-se que alguém levou uma representação da Santa Face de Lucca para outros locais, e que a sua proveniência original foi sendo esquecida ao longo do tempo. Nesse seguimento surgiu a necessidade de tentar explicar uma representação que, fora do seu contexto original, parecia agora mostrar uma mulher barbuda crucificada... o que levou ao nascimento, puramente lendário, da figura que veio a ficar conhecida como Santa Vilgeforte ou Santa Liberata, e que hoje, descoberta toda esta falsidade, já não parece ser encontrada em nenhuma igreja!

 

Mas... mais uma vez, toda esta história de Santa Vilgeforte - ou Santa Liberata, se preferirem - ainda não fica por aqui, existem mais duas curiosidades que lhe podemos associar. A primeira diz que esta santa é uma espécie de padroeira, não oficial, das mulheres maltratadas pelos maridos - seria, sem qualquer dúvida, uma figura muito útil para a violência doméstica dos nossos dias, mas toda a ideia parece vir, em exclusivo, do seu nome de Liberata (que significa "libertada" em latim), sugerindo que tal como esta jovem foi salva de um mau casamento, também quem a venere será protegida ou libertada no seu. Se alguém quiser tentar invocá-la, reproduzimos abaixo uma oração desta santa que aparece na obra The Female Crucifix: Images of St. Wilgefortis since the Middle Ages, de Ilse Friesen, que também é uma boa introdução a todo este tema:

Hail, holy servant of Christ, Wilgefortis, you loved Christ with all your soul; as you spurned marriage to the king of Sicily, you kept faith to the crucified Lord. You suffered the torments of imprisonment by order of your father; a beard grew on your face, a gift you obtained from Christ because you wished to be His; you confounded those who wished you to marry. When your impious father saw you thus deformed, he raised you up on the cross, where you quickly in your virtue gave back your pleasing soul, commended to Christ. Therefore, we reflect on your memory with devout praise, O virgin; O blessed Wilgefortis, we request you to pray for us.

 

A segunda - se é mesmo verdade, ou um puro rumor, ainda não conseguimos descobrir - diz que alguns membros das comunidades ditas "LGBTQ+" vêem nesta figura uma sua santa, pelo facto de ela ser claramente mulher mas também ter barba. O que até poderia fazer algum sentido, claro, não fosse o facto da barba desta figura se tratar de um mero instrumento para a tornar menos bela - assim dizem as lendas - e de a sua existência ser tão puramente ficcional como as de Santa Ninfa ou São Zeus...

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18 de Julho, 2022

A história do Navio de Teseu

Se hoje aqui falamos sobre o navio de Teseu, há que começar por explicar que não se trata de um mito ou lenda que fosse contado em tempos da Antiguidade. Em alternativa, é uma espécie de metáfora filosófica levantada por diversos pensadores desses tempos, mas que ainda se mantém bastante actual hoje em dia. Por isso, e como é hábito, comece-se por relatar, de uma forma abreviada, a trama que envolve toda esta questão.

Um navio de Teseu na cultura popular

É provável que o navio de Teseu, juntamente com a Argo - o navio dos Argonautas - tenha sido um dos mais famosos dos mitos da Antiguidade. Quando o famoso herói derrotou o Minotauro e depois regressou a casa, o navio em que tinha viajado tornou-se tão conhecido que as pessoas da altura o quiseram ver. Isso nada tem de invulgar, ainda hoje acontece, mas depois os anos, as décadas, os séculos, foram passando, e o navio original foi envelhecendo. Começou até a cair aos pedaços... e então, sentiu-se a necessidade de o renovar, de tentar garantir que o então-famoso transporte do viajante não se perdia. Se uma tábua já estava a apodrecer, foi substituída por uma outra; se as velas já estavam cheias de buracos, foram substituídas por novas; e assim por diante, tendo algum cuidado de guardar o que era substituído...

 

De um ponto de vista filosófico, isto pode levantar uma grande questão. E fê-lo, de facto - quando é que este navio deixa de ser aquele que transportou Teseu? Se, uma a uma, todas as suas tábuas antigas fossem substituídas por novas, quando é que ele deixa de ser o navio original, para se tornar algo diferente? Em que instante preciso é que algo que já existe se transforma em algo completamente novo? Ou, se preferirmos adaptar tudo isto aos nossos dias, imagine-se que mudamos o frigorífico lá de casa; é claro que a cozinha continua a ser a nossa, em nossa casa, mas se formos sucessivamente substituíndo todas as partes da mesma divisão - o fogão, o forno, o micro-ondas, os azulejos, etc. - quando é que ela deixa de ser a "nossa" cozinha para se tornar uma completamente diferente, que provavelmente já nem conseguimos reconhecer?

 

A história do Navio de Teseu leva-nos, sem muitas dúvidas, a pensar neste problema de ordem filosófica, o problema significativo da identidade das coisas. Não há, para quem estiver a pensar nisso, uma resposta correcta, mas sim todo um conjunto de opiniões que foram surgindo ao longo dos séculos, e que se tratam exclusivamente disso mesmo, pura e simplesmente de opiniões e nada mais. Uma potencial resposta, essa, é para ser debatida por cada um de nós...

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15 de Julho, 2022

"Tratado de las Supersticiones y Costumbres Gentilicias", de Hernando Ruiz de Alarcón

A obra de hoje, Tratado de las supersticiones y costumbres gentilicias que hoy viven entre los indios naturales de esta Nueva España, de Hernando Ruiz de Alarcón, é única. Foi escrita na Nova Espanha, actual México, do século XVII, numa tentativa de um religioso de combater - muito mais do que catalogar, como hoje poderíamos pensar - as muitas superstições que continuava a ver após 100 anos de religião católica no país.

Tratado de las Supersticiones y Costumbres Gentilicias, de Hernando Ruiz de Alarcón

Nesse seguimento, este Tratado de las supersticiones y costumbres gentilicias pode ser dividido em duas grandes sequências - uma primeira, em que são contadas algumas pequenas histórias que mostram as crenças dos povos locais; e uma segunda, em que o autor apresenta mais de duas dezenas de preces locais, juntamente com o contexto em que eram utilizadas. Em ambos os casos, essas informações são importantes, hoje, porque caso não tivessem sido preservadas nesta obra, como em algumas outras, se teriam perdido completamente, já que outros religiosos, contrariamente a este Hernando Ruiz de Alarcón, parecem ter pensado que era pura e simplesmente mais importante pregar a religião cristã do que tentar preservar as culturas locais.

 

Isto não quer dizer, porém, que o autor apoiava essas mesmas culturas. Afirmá-lo seria falso... mas o que ele faz nesta obra é, até certo ponto, contar parte dessas tradições locais para tornar mais fácil aos seus correligiosos saber o que tinham de combater.

Numa dada altura, por exemplo, conta algo de muito curioso, quando revela a existência de algo verdadeiramente inesperado nessas terras americanas - circunstâncias em que um animal era ferido num dado local do corpo, ou morto, e em que depois se encontrava alguém que, por influência mágica do próprio animal, sofria o mesmo destino. Pode parecer a mais pura magia, mas o autor explica-o com base em influências demoníacas, que pela ausência de uma verdadeira fé cristã deixava o Diabo fazer essa ligação cúltica entre seres humanos e alguns animais... e, como tal, era necessário baptizar o maior número de pessoas, bem como fazê-las acreditar numa prática constante e fiel dos sacramentos cristãos.

 

Para dar também um exemplo da que poderíamos considerar a segunda parte da obra, já mencionada acima, quando os locais tinham dores nas costas, normalmente diziam as seguintes palavras e ficavam curados:

Tlacuel, xoxohuic coatl, coçahuic coatl, tlatlauic coatl, iztac coatl. Ye huitz iztacquauhtzotzopitzal; nohuian nemiz: in tetl itic, in quahuitl itic; auh in aquin ipan àciz, quiquaz, quipopoloz.

Será que funciona? Foi difícil convencer alguém a tentá-lo, mas lá conseguimos fazê-lo, e... na verdade, a pessoa ficou sem quaisquer dores nas costas, pelo que quem ler estas linhas nada perderá em tentar também (se não temer uma potencial vingança do deus cristão - faça-se essa ressalva, não vá o proverbial diabo tecê-las).

 

Portanto, este Tratado de las supersticiones y costumbres gentilicias que hoy viven entre los indios naturales de esta Nueva España, de Hernando Ruiz de Alarcón, é uma obra importante por preservar parte da cultura mexicana do século XVII. Talvez não seja um tema que interesse à maior parte dos leitores dos nossos dias, mas - a César o que é de César, dê-se-lhe o devido crédito - mesmo que indirectamente, o livro contribuiu para que algumas crenças da época não se perdessem, e é curioso constatar-se que mesmo nessa altura figuras como Quetzalcoatl continuavam no imaginário popular.

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12 de Julho, 2022

Qual a diferença entre touro e boi?

Hoje decidimos explicar a diferença entre touro e boi. Começe-se então pelo seguinte, uma espécie de pequeno e fácil desafio - o que vêem na imagem que reproduzimos abaixo?

A diferença entre touro e boi

Este animal tem cornos proeminentes, sendo fácil de reconhecer como um bovino. Mas não tem tetas, aquelas de onde nos provém o leite, pelo que é naturalmente do sexo masculino. E até este momento tudo bem, é provável que até uma criança pequena consiga estabelecer estas inferências, mas qual é o nome correcto que devemos dar ao "marido" de uma vaca? Qual é essa grande diferença entre touro e boi, que nos possibilita saber qual é qual?

 

Já lá iremos. Por agora, um pequeno aparte - recentemente obtivemos uma cópia de um livro que tem as gravuras dos dois primeiros volumes da Historia Animalium de Conrad Gessner, que é uma espécie de enciclopédia de animais produzida em meados do século XVI, e em que a maior parte deles estão ilustrados com belíssimas gravuras. Entre elas encontra-se aquela que reproduzimos ali em cima, mas o que a obra que obtivemos tem de especial é o facto de incluir parte de um conteúdo que não foi produzido por Gessner, nomeadamente os nomes de cada animal em latim, italiano, francês e alemão. É interessante compará-los, para quem também gostar dessas curiosidades, mas no seu artigo sobre o nosso "boi" - o bos latino - o autor começa por frisar que este nome pode ser dado tanto a um touro como a uma vaca. Depois, prossegue explicando, de uma forma extremamente sucinta e em apenas sete palavras, que um touro é um boi que não foi castrado.

 

Sabemos, portanto, que era esta a grande diferença entre touro e boi em outros tempos, há cerca de 400 anos, mas será que toda a ideia ainda se mantém nos dias de hoje? Com curiosidade, fomos consultar o dicionário online da Priberam, que nos define um touro como um "boi que não é castrado e que se utiliza como reprodutor", enquanto que um boi é definido como um "touro castrado". Ou seja, comparando-as com as anteriores, as definições actuais para ambos os animais reteram-se ao longo dos séculos.

 

O que é ainda mais curioso é que toda esta ideia até já tem muitos mais séculos e nos aparece preservada em mitos e lendas de outros tempos. O animal que raptou a princesa Europa é considerado um touro, dada a sua pujança, enquanto que os cornos de um touro são considerados um grande símbolo de poder sexual. Podemos então declarar, de uma forma um tanto ou quanto brincalhona, que um boi é apenas um touro que já perdeu a sua pujança, numa ideia que até se prolonga para outras línguas, e.g. em inglês, o pujante bull VS o ox que pasta nos campos...

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10 de Julho, 2022

A lenda de Yonorang e Seonyo

Falar-se da lenda de Yonorang e Seonyo, que vem da Coreia, é provavelmente falar-se de uma influência cultural local que até chegou aos nossos dias de hoje. De facto, quando tentámos procurar imagens relativas a toda esta história, encontrámos algumas de um pequeno filme animado de 2019, mas também a que reproduzimos abaixo, que tem representada, na parte traseira de um camião coreano, a busca mútua dos dois protagonistas de toda esta história. Dada até a invulgar beleza da ideia assim representada, sentimos que tínhamos necessariamente de aqui contar a eterna lenda que os une.

A lenda de Yonorang e Seonyo

Yonorang e Seonyo era um casal que muito se amava. Não tinham uma vida muito rica, mas viviam o seu amor numa vida simples, uma que lhes parecia mais que suficiente. Até que um dia, quando Yonorang estava a pescar próximo do mar, as rochas começaram a mexer-se e ele foi levado para longe. Não compreendia o que se estava a passar, mas não tinha outra solução senão manter-se nessas rochas e acabar por ver onde é que elas o estavam a conduzir. Assim, o tempo foi passando até que ele foi levado para uma ilha que nunca tinha visto antes, onde uma profecia local fez dele monarca...

Seonyo, essa, mantinha-se em casa. À medida que o tempo foi passando ela começou a sentir muitas saudades do marido. Tentou procurá-lo aqui, procurou por ele ali e acolá, mas foi incapaz de o encontrar. Então, um dia foi à praia e encontrou, bem próximo do mar, algumas das coisas que sabiam ser do seu marido. Não conseguia compreender o que se tinha passado, mas achou que o melhor que podia fazer era levar essas coisas de volta para casa. E então, quando se aproximou delas, as rochas começaram a mexer-se e levaram-na para longe. Também ela não tinha outra solução senão manter-se nessas rochas e acabar por ver onde é que elas a estavam a conduzir. Assim, o tempo foi passando até que ela foi levada para uma ilha que nunca tinha visto antes, onde se reuniu com um homem que já era bem seu conhecido. Era o seu marido tão amado, de quem sentia tantas saudades, e com quem agora estava novamente reunida...

 

Mas toda esta lenda ainda vai a meio. Os dois amados estavam agora reunidos, mas nas suas terras nativas da Coreia algo de muito estranho começou a acontecer. O sol deixou de nascer, a lua parou de aparecer nos céus. Estupefactas, as pessoas não sabiam mesmo o que fazer, até que o monarca local lá chamou os seus sábios e lhes perguntou o que se andava a passar. Eles disseram-lhe que dois dos seus conterrâneos, Yonorang e Seonyo, eram as reencarnações dos deuses do sol e da lua, e que sem a sua presença local estes dois astros não voltariam a agraciar os reinos da Coreia. E isto era um problema, muito naturalmente, pelo que o monarca enviou deputados para os quatro cantos do mundo, em busca do importante casal...

Acabaram por encontrá-los numa terra não muito distante; explicaram-lhes todo o problema, mas Yonorang e Seonyo não queriam voltar. Talvez fosse seu dever fazê-lo, honrar a terra que os viu nascer, mas eles eram agora plenamente felizes. Porquê abandonar essa felicidade, sabendo que nada de melhor os poderia esperar? Incapazes de refutar esse argumento do casal, os deputados do rei propuseram uma alternativa - visto que Seonyo fiava muita seda, ela podia fazer, com todo o seu bom espírito, algo que eles pudessem transportar consigo de volta a casa, para resolver todo o problema. A amada jovem achou que essa solução era perfeita e depressa a fez cumprir. A seda por ela fiada foi levada de volta para a Coreia, juntamente com a luz do sol e da lua, e foi guardada num local que recebeu o nome de Ilwolji. Como diz uma pequena placa que está hoje no local:

O regresso de Yonorang e Seonyo

Yonorang e Seonyo permaneceram naquela misteriosa terra para onde as respectivas rochas os levaram, que eram as terras do Japão (!), para nunca mais voltarem a sua casa. Poderiam ter voltado, sim, mas a felicidade falou mais alto. Não teríamos, também nós, escolhido esse mesmo caminho?

 

Se existe uma lenda nipónica que conte o outro lado desta mesma história, não a conseguimos encontrar até à presente data. Talvez nunca tenha existido. Talvez seja uma mera história de um Japão como uma espécie de terra lendária, em que a maior das felicidades podia vir a ser encontrada por aqueles que estavam a um mar de distância. É difícil saber. Mas, olhando novamente para aquela primeira imagem ali em cima, novos pormenores podem ser encontrados:

A lenda de Yonorang e Seonyo

Yonorang e Seonyo, o sol e a lua, afastados em duas terras bem diferentes, mas sem nunca esquecerem o seu grande amor mútuo... quão bela essa ideia, e quão mais bela terá sido a reunião de ambos, aquele breve instante em que se reconheceram novamente e em que se tornaram a amar. Inesquecivelmente belo, diríamos, nesta belíssima história que parece ser tão pouco conhecida nas nossas terras do ocidente...

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08 de Julho, 2022

Porque vem o pacote de batatas fritas meio cheio? E somos enganados com isso?

Acontece a todos - compra-se um pacote de batatas fritas e ele vem apenas meio cheio, ao ponto de ainda há dias termos lido um artigo em que uma senhora, ao comprar a sua marca favorita, se deparou com uma situação como essa. E as razões para tal já são, hoje, bem conhecidas, podendo ser encontradas em tudo quanto é site informativo - o pacote contém um gás que ajuda na conservação das batatas, e esse mesmo gás também ajuda a que o produto no seu interior não se danifique tanto. Ou, pelo menos, assim nos tentam informar. Mas até que ponto será isso mesmo verdade? É apenas um puro mito, será que as empresas em questão nos estão a tentar enganar a todos?

Um pacote de batata frita meio cheio

Ficámos curiosos com esta espécie de mito dos nossos dias, e então decidimos ir investigá-lo. Comprámos um pacote de batatas fritas - não fomos pagos para publicidades - e constatámos que, de facto, ele vinha apenas meio cheio. Depois, separámos o seu conteúdo em dois pequenos sacos transparentes, selámos o primeiro com muito pouco ar, enquanto que no segundo tivemos o especial cuidado de assegurar que também existia uma quantidade significativa de ar dentro do saco, quase como nos pacotes que se adquirem nas lojas. Em seguida, pedimos uma criança emprestada e pedimos-lhe que agitasse ambos de forma tão vigorosa quanto possível, mas tendo o cuidado de assegurar que ela não fazia nada que danificasse directamente as batatas. Depois, quando reabrimos ambos os sacos, reparámos que o segundo, aquele que tinha uma quantidade significativa de ar, tinha o produto no seu interior menos danificado - o espaço meio vazio no pacote parece ter servido como uma espécie de almofada para assegurar que o produto por que pagamos não choca tanto entre si, por ter mais espaços em que se mover.

Um pacote de batatas fritas rígido

Claro que este procedimento não foi realizado com o tal gás que promove a conservação da qualidade do produto, mas o processo seguido permitiu-nos constatar que, de facto, um pacote de batatas fritas meio cheio faz com que eles não se danifiquem tanto. Ao mesmo tempo, é igualmente essa a razão pela qual pacotes rígidos, como os visíveis nesta segunda imagem, estão ocupados por produto quase até ao topo - visto que a própria embalagem é rígida, é muito mais difícil que o seu conteúdo se danifique durante o transporte!

 

Agora, tudo isto pode gerar uma questão adicional - se os primeiros se encontram meio cheios de ar, enquanto que os segundos aparentam ter mais produto, até que ponto é isso verdade? Será que quando pegamos num pacote de batatas fritas e ele nos diz ter 160 gramas de produto, as tem mesmo no seu interior, ou andamos todos a ser enganados com explicações como as acima?

Para ter a certeza disso, fomos a um hipermercado e pesámos 10 pacotes de batatas fritas de diversas marcas. Com excepção de um dado pacote de marca própria do Continente (que, relembre-se, não é novato em estratégias de iludir os clientes), todos eles pareceram ter um pouco mais de peso do que se suporia. Não abrimos cada um, para pesar somente o próprio produto, mas parece-nos difícil que o pacote pese tanto que os clientes se sintam enganados por ele.

 

Em suma, o nosso pacote de batatas fritas tende a vir meio cheio porque a presença de ar no seu interior torna possível uma mulher conservação do produto, que assim tem mais espaço por onde circular e se danifica menos. Se, por um lado, a visão de um pacote meio vazio até pode assustar o consumidor, devemos reportar que ele está a receber mesmo aquilo por que pagou, pesando o produto no interior aproximadamente o mesmo valor apresentado no texto patente na embalagem.

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