Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Mitologia em Português

30 de Janeiro, 2023

O Homem do Chapéu de Ferro e a Velha da Égua Branca - duas lendas (quase) perdidas

Falar sobre as lendas por detrás do Homem do Chapéu de Ferro e da Velha da Égua Branca não é tarefa fácil. Isto porque estas são duas figuras nativas da Mitologia Portuguesa, à semelhança do Secular das Nuvens e do Homem das Sete Dentaduras, que estão hoje já quase perdidas, mas que, ao mesmo tempo, parecem ter alguma espécie de antiga ligação entre elas. Por isso, comece-se por falar das lendas de estas duas figuras individuais, antes de se voltar ao tema de uma possível ligação entre elas.

 

A lenda da Velha da Égua Branca

A lenda da Velha da Égua Branca

Conta-se que, originalmente, esta mulher viveu no tempo de Jesus Cristo, e que nessa altura ela era muito sovina. Um dia, quando foi visitada por essa famosa figura religiosa, recusou-se sequer a dar-lhe um pequeno pedaço de pão. Cristo castigou-a através de um pequeno milagre, fazendo com que o próximo pão que ela cortasse se esvaísse em sangue. Essa estranha ocorrência assustou tanto esta mulher que ela acabou por morrer em apenas três dias... e depois voltou à vida, eternamente condenada a vaguear pelo mundo fora numa égua branca, sempre com a mesma faca sangrenta na sua mão, um provável símbolo do crime que paga eternamente, vivendo agora sob o nome de Velha da Égua Branca.

 

A lenda do Homem do Chapéu de Ferro

A lenda do Homem do Chapéu de Ferro

Também este homem, cujo verdadeiro nome o tempo há muito fez esquecer, viveu na altura de Jesus Cristo. Dizia-se que foi um dos soldados que torturou essa figura religiosa na sequência de acontecimentos que levaram à sua Paixão. Por essa sua acção, também ele foi amaldiçoado por Cristo, mas a pouca informação que nos chegou não preserva completamente o que se passou em seguida. Ele tornou-se o Homem do Chapéu de Ferro, talvez para punir o peso da inconsciência dos seus actos, e é representado como uma das mais estranhas dos mitos e lendas de Portugal. De facto, num caso como este é mesmo melhor referir a informação que nos foi preservada por Teófilo Braga, ligeiramente adaptada para facilitar a leitura:

O Homem do Chapéu de Ferro aparece logo que dá meia-noite e o galo canta, à beira das estradas, por baixo das oliveiras, das figueiras ou junto às fontes. Vagueia até à terça noite, umas vezes acompanhado por um porco preto que grunhe de momento a momento, outras de um grande veado cuja armadura toca o zimbório das torres, ou ainda de um galo negro como a noite de trovões. Todos estes animais que o acompanham, cada um na noite que lhe foi destinada, são o Diabo que toma diversas figuras. Esta entidade mítica tem o poder de causar a tempestade, de fazer parar os raios e de arrasar o mundo, caso o galo, o porco ou o veado o inquietem. Também, para se vingar dos homens que odeia, assalta-os, rouba-os e mata-os. Depois tudo é fumo e labaredas que saem da terra como vulcões. Traz um enorme chapéu de ferro enterrado na cabeça. É uma figura colossal, tem a boca rasgada como a de um monstro, deitando chamas quando se enche de raiva, e a sua cor é a do bronze. Todavia foge quando avista a Velha da Égua Branca.

 

Qual a ligação entre estas duas figuras?!

A última frase da citação de Teófilo Braga deixa claro que se cria, na altura, numa qualquer ligação cósmica entre o Homem do Chapéu de Ferro e a Velha da Égua Branca, mas qual terá sido ela? Se, originalmente, ambas as figuras já se encontravam ligadas a punições de Jesus Cristo, é talvez possível que tenham sido marido e mulher, ou que tivessem alguma outra espécie de conexão pré-morte, que permaneceu após o seu falecimento para a vida humana. Mas, qual terá sido ela, isso é, muito infelizmente, algo que se perdeu com o tempo. Poderíamos aqui apresentar "quinhentas" outras teorias, mas a pura e dura verdade é que as fontes literárias que nos chegaram e que ainda mencionam estas duas figuras não explicam muito mais do que o que já foi apresentado acima. Isto também acontece com muitas outras figuras mitológicas nacionais - e.g. a Peeira de Lobos ou o Tardo - porque, de uma forma agora muito infeliz, em outros tempos não existiu uma verdadeira sistematização na tentativa de preservar as figuras nativas do nosso país, estando elas hoje apenas acessíveis em breves lampejos como os apresentados ali em cima...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
27 de Janeiro, 2023

A toupeira e a estátua, uma história da Coreia

A história de hoje, da toupeira e a estátua, vem de terras da Coreia, muito antes desse país se ter separado em dois. Seguindo os nossos paradigmas ocidentais, poderíamos defini-la como uma fábula, que até se assemelha bastante a alguns contos recolhidos em Portugal. Essa semelhança é fascinante, mas também ser pouco conhecida na Europa, pelo que achámos que poderíamos aqui recordar toda a história.

A história da toupeira e a estátua

Era uma vez uma família de três toupeiras que vivia próxima de uma estátua budista. A filha do casal, muito bonita, aproximava-se da idade para casar, e como bons pais o seu pai e mãe queriam casá-la com o melhor e mais poderoso homem* que conseguissem encontrar. Após pensarem muito no tema, decidiram que ela poderia casar com o Céu, porque este olhava de cima para todos nós.

Aproximaram-se dele com uma proposta, mas o Céu disse-lhes que não era o mais poderoso, já que o Sol era capaz de decidir as cores que lhe impunha - azul durante o dia, negro durante a noite, e assim por diante! Foram então falar com o Sol, a quem colocaram uma proposta semelhante, mas também este lhes disse que não era o mais poderoso - o Rei das Núvens tinha o poder de decidir se a sua luz chegava à terra ou não! Como tal, foram falar com o Rei das Núvens, que lhes revelou que ele também não era o mais poderoso - o Vento tinha a capacidade de o afastar de qualquer local com um mero sopro! Portanto, aproximaram-se depois do Vento com a mesma proposta, mas também este lhes disse que não era o mais poderoso - existia uma estátua budista que nem ele conseguia mover do local!

O casal de toupeiras, agora já bastante frustrado, foi então falar com a estátua budista que estava próxima da casa em que viviam. Inesperadamente, também esta lhes confessou que não era a mais poderosa, porque uma toupeira era capaz de escavar por baixo dela, fazendo-a cair e partir-se em mil pedaços! E então, marido e mulher aperceberam-se que a resposta era bem mais simples do que pensavam e acabaram por casar a sua filha com uma bela toupeira da sua região natal.

 

São muitas as lições que poderíamos extrair desta fábula, mas - como as de Esopo na sua forma original - elas são mais que muitas, não existindo uma resposta correcta ou uma errada. Em alternativa, cada leitor pode encontrar nela uma lição que lhe pareça apropriada para o seu próprio contexto, e é esse o convite que deixamos a quem ler estas linhas.

 

 

*- Neste sentido compreenda-se como "homem" um qualquer ser do sexo masculino, não necessariamente um humano.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
25 de Janeiro, 2023

Quem tem boca vaia Roma, ou vai a Roma...? Qual é a correcta?

Parece ser uma questão relativamente comum online - quem tem boca vaia Roma OU vai a Roma...? À partida pode parecer uma pergunta muitíssimo simples, até porque a segunda versão é a mais utilizada nos nossos dias hoje, mas a verdadeira questão a colocar-se poderá ser, qual delas é a expressão original, a primeira ou a segunda?

Como se diz, quem tem boca vaia Roma ou vai a Roma?

"Vaia", forma do verbo vaiar, significa apenas apupar, dizer mal, troçar. Faria, portanto, algum sentido que os povos invadidos em tempos da Antiguidade, bem como nos primeiros séculos da nossa era, vaiassem a presença romana, que muito provavelmente viam como invasores. Esta é uma ideia que, teoricamente, pode fazer sentido. Mas depois, quando partimos em busca de provérbios semelhantes em várias outras línguas - recorde-se, por exemplo, um outro de alguma fama, que refere Roma e Pavia - e descobrimos que não só este provérbio já se encontrava atestado no século XVI e em diversas línguas europeias ("o que tén lengua, à Roma chega", "Qui langue a, à Rome va", etc.), como também existia em terras de Itália, sob pelo menos as formas "Chi lingua ha, a Roma va" e "Domandando si va a Roma".

 

Nesse seguimento, se em Português as expressões "Quem tem boca vaia Roma" e "Quem tem boca vai a Roma" até parecem muito semelhantes, não só nas suas equivalentes em outras línguas essa suposta parecença se desvanece muito rapidamente, como também demonstra que este mesmo provérbio até existia em outros lugares, inclusivé em terras de Itália, em cuja oposição ao antigo poderio de Roma não poderia deixar de nos parecer estranha. Como tal, não faz qualquer sentido real dizer-se "vaia Roma". Por isso, de onde vem toda a expressão, qual a sua origem e verdadeiro significado?

 

Numa revista de inícios do século XX foram compiladas as origens de muitos provérbios. Entre essas colunas conta-se uma, de título Retalhos de um adagiário, em que é dada uma potencial explicação para a origem da expressão Quem tem boca vai a Roma. Segundo o autor, isso dizia-se porque antigamente havia muito o hábito de fazer peregrinações a Roma, e então as pessoas tinham de perguntar, aqui e ali, qual era o caminho correcto para a cidade... e portanto, "ter boca", no bom sentido, tornou-se um requisito imprescindível para lá chegar - que é mesmo uma ideia com completo sentido, e que mesmo que seja apenas uma mera teoria, explica de uma forma razoável a origem do provérbio e a sua prevalência em diversas línguas europeias!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
22 de Janeiro, 2023

A lenda da Caldeira de Pêro Botelho - e a sua verdadeira história!

Para se falar sobre esta lenda da Caldeira de Pêro Botelho talvez valha a pena começar com uma pequena história mais pessoal. Há alguns anos atrás - que isto do Covid tocou a todos - tínhamos uma espécie de jogo que passava por tentar relembrar diversos títulos associados a figuras e espaços religiosos. Por exemplo, se uma primeira pessoa dissesse "Jesus", a segunda continuaria com "Emanuel", outra diria "o Cordeiro de Deus", "o filho de Maria", "o Messias", assim por diante, e a primeira pessoa a não conseguir acrescentar um novo título perdia o jogo. Claro que isto implicava algum estudo (e podia assustar um pouco quem não nos conheça...), e ao longo dessas tentativas de jogo acabou por se ir encontrando alguns títulos um tanto ou quanto desconhecidos.

Que a "Caldeira de Pêro Botelho" era uma espécie de metáfora para o Inferno é relativamente fácil de compreender, dada em particular a forma como esse espaço religioso é representado na cultura ocidental, mas porquê dar esse nome ao Diabo? Seria o de uma daquelas infindáveis transformações que lhe são atribuídas na cultura portuguesa? Na altura nada conseguimos concluir, e então o tema foi ficando de lado, até que há algumas semanas nos foi perguntado algo sobre a misteriosa estátua da Ilha do Corvo, também no arquipélago dos Açores, o que nos levou a este outro local.

A lenda da Caldeira de Pêro Botelho

Segundo a tradição local, em outros tempos viveu numa ilha dos Açores um homem muito malvado de nome Pêro Botelho. Essa sua história não parece ter preservado relatos das suas malvadezas, mas informa que em dada altura ele estava a recolher lama numa das caldeiras da ilha e caiu acidentalmente para o seu interior, onde os seus gritos puderam continuar a ser ouvidos durante muito tempo... e diz até a mesma lenda que ainda hoje ele pode ser ouvido no local, soltando agora roncos demoníacos que ora lhe podem ser atribuídos a ele, ou a um dos muitos demónios seus companheiros nesse outro mundo.

 

Agora, esta é uma lenda relativamente simples, mas algo nos cheirava a esturro nela - porquê mencionar, em todas as versões que fomos lendo, a maldade deste homem, quando depois ela não tinha qualquer qualquer papel real na própria trama? Em plena curiosidade, decidimos procurar um pouco mais sobre este Pêro ou Pedro Botelho. Fomos saltando de livro em livro até chegarmos à Fastigínia de Tomé Pinheiro de Veiga, datada de 1605, que parece ser a mais antiga referência a este episódio, e em que é revelado que existiu, de facto, um homem chamado Pedro Botelho e que foi ele que deu origem ao provérbio "caldeira de Pêro Botelho". E como aconteceu isso? Segundo esta fonte literária, em dada altura ele quis entregar esta ilha portuguesa aos Franceses, e como castigo por essa traição foi depois cozido vivo numa caldeira... o que aconteceu na Ilha da Madeira, provavelmente no ano de 1566, e não na Ilha Graciosa dos Açores, como hoje nos fazem crer!

 

Isto é muitíssimo interessante porque mostra aquela grande razão pela qual escrever estes artigos nunca cessa de nos fascinar. Se é comum dizer-se que todas as lendas têm um fundo de verdade, o episódio referente a esta caldeira de Pêro Botelho teve, aparentemente, lugar num determinado local, foi posteriormente associado a outro, mas para que tal fosse conseguido surgiu a necessidade de "censurar" parte da história, fazendo do vilão uma pessoa muito má, mas omitindo as verdadeiras razões dessa sua maldade. Se elas tivessem sido reveladas, como fizemos acima, acabariam por trair que esta até pode ser hoje uma lenda açoreana mas teve, na verdade, a sua verdadeira génese no que parece ser um episódio histórico - e bem real - que aconteceu entre madeirenses!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
19 de Janeiro, 2023

A lenda da Mina da Moura

A lenda da Mina da Moura é uma história da região de Óbidos que parece estar cada vez mais esquecida. E o porquê é fácil de compreender - ela está completamente associada a um espaço físico em concreto, localizado algures entre a Lagoa de Óbidos e aquela nossa vila hoje famosa pelo seu grande castelo, mas já ninguém parece saber precisamente onde era o local. E assim, sem um local concreto onde se procurar a sua heroína, tudo o que vamos contar abaixo foi sendo esquecido...

A lenda da Mina da Moura

Conta-nos então esta lenda que algures num caminho da região havia um misterioso buraco numa rocha. Ele era demasiado pequeno para alguém lá poder entrar, mas eram muitos aqueles que reportavam existirem as maiores riquezas, e até mesmo um fantástico palácio com contornos mágicos, no seu interior. Nunca ninguém lá conseguiu ir, ou procurou obter esses ouros de outros tempos, pela simples razão de que, em dadas alturas do ano, aí podia ser vista uma jovem misteriosa, belíssima como a Lua, que penteava constantemente os seus cabelos com um pente feito de puro ouro, o qual tinha incrustadas as mais belas pedras preciosas. E então, quando alguém se aproximava do local, esta bela jovem perguntava-lhe sempre "Quem é mais belo, eu ou este pente?"... e os homens respondiam-lhe, como nunca poderia deixar de ser, que ela era a mais bela. Isso fazia-a sorrir, mas com um sorriso fingido e muito triste, porque ao dar essa resposta - ou ao aceitar em si que apesar da sua beleza, depois todos os homens preferiam ficar com o pente do que com ela - ela acabava por ficar condenada durante mais algum tempo. E reza então toda esta história de que ela nunca foi salva do feitiço ao qual foi condenada em outros tempos...

 

A jovem misteriosa desta lenda da Mina da Moura era, naturalmente, uma Moura Encantada, como tantas outras que se acreditava terem existido pelo país fora. Ainda não conseguimos encontrar quem nos tenha afirmado ter visto uma na primeira pessoa, mas histórias com contornos como estes existem um pouco por todo o país, e este exemplo em particular merece destaque por não estar associado ao norte ou ao sul de Portugal, como é mais habitual neste tipo de relatos, mas à região centro, onde histórias como estas parecem ser bastante mais raras. Só falta mesmo é redescobrir onde ficava essa outrora-famosa caverna, para se poder confirmar hoje se sempre existia um misterioso palácio no seu interior, ou se tudo isto vinha, pura e simplesmente, das más línguas das populações locais...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
16 de Janeiro, 2023

A origem do termo "Mary Sue"

Se até teve a sua origem em 1973, o termo Mary Sue só se parece ter tornado popular nos últimos anos. É, essencialmente, uma expressão popular associada a um conjunto de filmes recentes em que, a bem de uma falsa diversidade, a personagem principal da história é do sexo feminino e completamente perfeita em tudo aquilo que faz, mesmo que nunca o tenha feito antes e não perceba absolutamente nada dos temas em questão. É um completo absurdo, e muito mais se poderia escrever sobre isso, mas o que nos interessa hoje é a origem do próprio termo.

Origem do termo Mary Sue

Segundo foi possível averiguar, por volta do ano de 1973 existiam todo um conjunto de fanfics que, apesar de serem bastante mal escritos, tentavam adicionar mais personagens femininas à história de Star Trek. Essa diversidade nada teria de errado, de facto, não fosse o facto de muitas dessas histórias não terem qualquer qualidade. E, nesse seguimento, uma tal "Paula Smith" - presume-se que seja um pseudónimo - escreveu uma pequena aventura satírica que captava muitos desses problemas, e que merece aqui ser reproduzida na sua forma original, a mesma já apresentada na imagem acima:

"Gee, golly, gosh, gloriosky," thought Mary Sue as she stepped on the bridge of the Enterprise. "Here I am, the youngest lieutenant in the fleet - only fifteen and a half years old." Captain Kirk came up to her.

"Oh, Lieutenant, I love you madly. Will you come to bed with me?"

"Captain! I am not that kind of girl!"

"You're right, and I respect you for it. Here, take over the ship for a minute while I go get some coffee for us."

Mr. Spock came onto the bridge. "What are you doing in the command seat, Lieutenant?"

"The Captain told me to."

"Flawlessly logical. I admire your mind."

Captain Kirk, Mr. Spock, Dr. McCoy and Mr. Scott beamed down with Lt. Mary Sue to Rigel XXXVII. They were attacked by green androids and thrown into prison. In a moment of weakness Lt. Mary Sue revealed to Mr. Spock that she too was half Vulcan. Recovering quickly, she sprung the lock with her hairpin and they all got away back to the ship.

But back on board, Dr. McCoy and Lt. Mary Sue found out that the men who had beamed down were seriously stricken by the jumping cold robbies, Mary Sue less so. While the four officers languished in Sick Bay, Lt. Mary Sue ran the ship, and ran it so well she received the Nobel Peace Prize, the Vulcan Order of Gallantry and the Tralfamadorian Order of Good Guyhood.
However the disease finally got to her and she fell fatally ill. In the Sick Bay as she breathed her last, she was surrounded by Captain Kirk, Mr. Spock, Dr. McCoy, and Mr. Scott, all weeping unashamedly at the loss of her beautiful youth and youthful beauty, intelligence, capability and all around niceness. Even to this day her birthday is a national holiday of the Enterprise.

Esta parece ser a primeira utilização de todo o termo, já de uma personagem absolutamente perfeita em tudo aquilo que faz, o que poderá ter contribuído para se dar esse mesmo nome, hoje em dia, a uma personagem feminina que partilha das suas características. Se não existe nada de errado em se fazer do herói da história uma mulher, o problema, nestas circunstâncias particulares, é o de se a fazer demasiado perfeita e absurdamente infalível, apenas para depois se poder acusar potenciais críticos de um sexismo que não o é, enquanto se oculta o facto de a trama estar apenas muito mal escrita...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
12 de Janeiro, 2023

A lenda do Peixe-Ilha

É provável que hoje já poucos conheçam o Peixe-Ilha, mas em outros tempos ele já foi uma das mais famosas criaturas aquáticas do espaço europeu. Na verdade, face ao tema quase que apetece dizer que uma aventura que se prezasse e na qual os heróis passassem por uma viagem marítima tinha de incluir pelo menos um pequeno episódio em que esta criatura intervém (ver, por exemplo, a Viagem de São Brandão), sempre em circunstâncias muito semelhantes - os viajantes param numa determinada ilha, acendem uma fogueira por lá, tentam passar a noite no local, sentem uma espécie de tremor de terra, apercebem que não estão numa ilha e vêem-se forçados a escapar rapidamente para o barco que os transportou até ao local. Escapam sempre com vida, mas podem perder alguns companheiros nesta breve aventura.

Um Peixe-Ilha num bestiário do século XV

Que estranho peixe era esse, que tanto parecia incomodar a fantasia dos homens nas suas viagens marítimas? Na altura, tal como hoje, foram-lhe sendo dados os mais diversos nomes e formas, mas nos nossos dias acredita-se que a inspiração por detrás da estranha criatura eram as baleias. Quem já as viu com os seus próprios olhos terá alguma dificuldade em acreditar, mas deve ser esclarecido que estas criaturas eram, muito provavelmente, uma mistura entre facto e ficção. Se, por exemplo, na imagem acima a criatura se assemelha a uma sardinha gigante - e que petisco que se tornaria hoje em dia! - o elemento mais comum nas representações deste Peixe-Ilha parece ser essa paragem de um barco na sua parte superior, com ou sem uma fogueira no local. A forma da própria criatura, essa, varia demasiado, tal como o nome que lhe vai sendo dado nas diversas fontes (Aspidochelone, Jasconius, etc.), razão pela qual sempre preferimos referir-nos a esta criatura por aquilo que ela é, um estranho misto de animal e de ilha.

 

Hoje, fruto das muitas descobertas que foram sendo realizadas ao longo dos séculos, já ninguém parece mesmo acreditar na existência de uma criatura como esta, mas ela pode continuar a ser vista, de uma forma mais rara do que antes, em alguns trabalhos de ficção - terá sido ela a responsável por engolir o Pinóquio, ou por um dos episódios das aventuras do Barão Munchausen? Pelo menos terá inspirado sequências como essas, mas certamente que já não é a mesma criatura de outros tempos, aquele Peixe-Ilha que parecia ser tão temido pelos navegadores, que entre ilhas encobertas e paraísos redescobertos nunca sabiam muito bem o que poderiam vir a encontrar nas suas viagens marítimas...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
09 de Janeiro, 2023

O mito romano de Perimele

O mito de Perimele é um de muitos mencionados nas obras poéticas de Ovídio. Ele fala brevemente desta figura nas suas conhecidas Metamorfoses, mas talvez seja importante começar por frisar que não parece ser um mito dos Gregos - que até conheciam outras figuras com este nome, mas aparentemente não esta... - mas sim possivelmente uma invenção, ou uma readaptação, ovidiana.

O mito romano de Perimele

Essencialmente, sobre a mais notável de diversas figuras chamadas Perimele, pode dizer-se que foi uma das paixões do deus-rio Aqueloo. Este seduziu a jovem, amou-a e acabou por engravidá-la. Mas, quando o pai da jovem começou a notar a sua protuberante barriga, apercebeu-se do que tinha acontecido e decidiu que não tinha qualquer outro remédio excepto matá-la. Para tal, decidiu atirá-la de um penhasco local, mas quando Aqueloo se apercebeu do que ia tomar lugar com a sua antiga amada, falou com o deus Neptuno, rei dos mares, que em vez de deixar Perimele afogar-se a transformou numa ilha, uma das várias que compõem o arquipélago grego que é o chamado das "Equinadas".

 

Não conseguimos descobrir o seu nome actual, que parece ter sido alterado ao longo do tempo, mas este é um simples mito de uma metamorfose, entre muitos outros que se foram tornando populares através do poeta latino, mas que não parecem ter qualquer correspondência directa nos mitos dos Gregos. Ou, se ela existia, parece ter sido perdida ao longo do tempo, já que não conseguimos encontrar qualquer referência directa a uma figura com este nome que corresponda à apresentada nos versos de Ovídio. E, em temas como estes, face ao facto do mesmo também acontecer com alguns outros mitos presentes nos poemas ovidianos (e.g. o caso do Ofiotauro, entre muitos outros), essa ausência pode ser muito conclusiva!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
05 de Janeiro, 2023

Besta negra, origem e significado (e a Besta de Gévaudan)

Falando-se sobre a origem da expressão besta negra, parece fazer todo o sentido uni-la à francesa Besta de Gévaudan. Mas, até para que se possa explicar essa possível relação entre ambas, comece-se pela parte mais fácil, a da origem e significado da expressão, tal como ainda continuamos a utilizá-la no nosso vocabulário actual.

 

A expressão "besta negra" parece ter nascido no século XVIII em França, com uma das primeiras alusões anglófonas a referir uma bête noire, demonstrando uma clara origem da designação no país dos seus vizinhos europeus. Quanto ao seu significado actual, uma de várias definições online que fomos encontrando refere-se a ela como um intrigante "adversário pelo qual se tem especial ódio". Juntando-se esses dois factos, ou seja, a origem francesa no século XVIII e o significado por detrás da própria expressão, podemos ser levados aos verdadeiros factos por detrás da sua obscura origem. Conte-se, portanto, uma história cujo tempo fez virar lenda.

Besta de Gévaudan

Entre os anos de 1763 e 1767 alguns territórios em França foram atacados por uma criatura misteriosa que ficou conhecida sob o nome de Besta de Gévaudan, em função da área em que atacava e que hoje é conhecida como Lozère*. Diz-se que essa criatura, ou criaturas, mataram muita gente, com os valores numéricos registados a variarem bastante, mas ás tantas veio a acreditar-se que o monstro foi morto em 1765, ao ponto de ele ter sido empalhado e levado para a corte francesa, onde se determinou que media pelo menos 1.7m de comprimento.

Mas, muito infelizmente, depois os ataques continuaram, até que em 1767 um tal Jean Chastel, um agricultor da zona de Lozère, matou uma segunda criatura e os ataques cessaram por completo. Também esta segunda figura animalesca foi empalhada, e posteriormente nasceu a ideia segundo a qual o monstro não era pura e simplesmente um animal menos invulgar, mas em alternativa um loup-garou, aquele ser a quem nos nossos dias é dado o nome de lobisomem. Terá sido verdade? Será que eles até existem? As fontes existentes admitem que ambos os animais eram lobos de um tamanho muito grande, mas o grande problema em conseguir-se descobrir muito mais é o facto de ao longo do tempo terem sido adicionados novos elementos a toda a história, dando à realidade contornos mais lendários e poluindo o relato original ao ponto de, em determinada altura, até se ter vindo a acreditar que só foi possível matar a chamada Besta de Gévaudan com uma bala de prata, um preciosismo agora comum na nossa cultura ocidental.

 

No seguimento desta história, podia fazer sentido ligar-se a criatura morta por Jean Chastel em 1767 à proverbial besta negra presente na expressão dos nossos dias. Não conseguimos descobrir se as suas versões empalhadas ainda nos chegaram até hoje, mas pelo menos esta foi a mais famosa das criaturas francesas num século em que parece ter nascido a expressão. Poderia até ser a mais pura das coincidências, admita-se que sim, mas dada a informação de que ambas as criaturas tinham pêlo de cor negra e de que elas podiam, na cultura da época, ser chamadas "bestas" (por se tratarem de animais selvagens), faz mesmo todo o sentido identificar esta tal Besta de Gévaudan como a criatura a que ainda hoje se alude na própria expressão de génese francesa.

 

*- Curiosamente, o nome desta Besta de Gévaudan parece ter sofrido um número enorme de erros no nosso português - Geuvadan, Gevaldan, Gevoudan, Gevudan, Gevaudam, Geovadan, Gevodam, Gevauda, ou Geuvodan, entre muitos outros, possivelmente nascidos por parte de pessoas que já não sabem, ou apenas desconhecem, o nome dessa área histórica de França!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
02 de Janeiro, 2023

Qual o personagem mais velho da Disney?

Começamos este ano de 2023 com uma questão curiosa, a da identidade do personagem mais velho da Disney. Quem será ele? O Rato Mickey? A Minnie? O Pato Donald? Alguma outra criação de Walt Disney  entretanto totalmente esquecida? O grande problema em responder a essa questão é  o facto de ela passar por definir em que consiste uma personagem puramente atribuída à Disney.

Personagem mais velho da Disney

De forma muito simplificada, antes de se focar nos seus agora-famosos desenhos animados, Walt Disney parece ter feito diversos pequenos filmes. Mais tarde, dedicou-se a diversas produções nas quais se misturava imagem real e desenhos animados, como a seguinte, que aqui reproduzimos a título de curiosidade:

Este pequeno desenho animado é de 1925 - tem quase 100 anos (!) - e a sua personagem principal era uma menina chamada Alice, derivada da famosa personagem de Lewis Carroll. Poderá ter sido ela a personagem mais velha da Disney, ou a primeira grande heroína criada por Walt, mas uns poucos anos depois, em 1928, foi produzido o primeiro de todos os desenhos animados da Disney - Oswald the Lucky Rabbit, ou Oswaldo o Coelho Sortudo em Português, se preferirem - com um coelho que parece ter sido quase esquecido ao longo do tempo, para apenas ressurgir há uns poucos anos atrás, num jogo de consolas. No mesmo ano apareceu também o primeiro desenho animado do Mickey, que, dada a enorme fama da sua sequência inicial, merece também ser reproduzido aqui:

Esta segunda sequência poderia dar a entender, muito falsamente, que o personagem mais velho da Disney é mesmo o Rato Mickey, ou talvez aquele tal Oswaldo também criado no mesmo ano, mas... quem prestar atenção às duas sequências animadas que apresentámos acima poderá notar que existe uma personagem significativa comum a ambos. Ela parece ter sido readaptada para este segundo filme, quando originalmente era um urso e depois passou a ser uma espécie de gato, mas... ambas contêm uma figura cujo nome mais conhecido é Peg-Leg Pete. O que, para quem conhecer pouco dos nomes das personagens da Disney na sua versão inglesa, corresponde ao "nosso" João Bafo de Onça!

 

O que quer então isto dizer? Quem é, na verdade, o personagem mais velho da Disney? O tema é bastante discutível, mas se nos quisermos focar exclusivamente em personagens originais e animadas, a mais antiga de aquelas que continuam a ser populares nos nossos dias de agora não é nem o Oswaldo, nem o Mickey (como poderíamos pensar, dada até a sua enorme fama dentro da empresa), mas sim um vilão, o João Bafo de Onça, que apesar de ter sofrido diversas alterações significativas ao longo do tempo, já existia em 1925, três anos antes da criação daquele que é o mais famoso de todos os ratos animados!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!