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Mitologia em Português

30 de Março, 2023

A lenda dos Gambozinos e a sua Caça

Hoje em dia, quando se fala de Gambozinos, refere-se quase exclusivamente uma classe de seres que não existem. É quase tudo o que se sabe sobre eles, sendo eles representados sempre como entidades muito indefinidas e sem qualquer espécie de forma física fixa. Talvez até se faça, aqui e ali, uma referência ocasional à sua famosa caça, mas há mais de um século contavam-se histórias um pouco mais longas sobre eles. Pouco ou nada conseguimos encontrar sobre a sua verdadeira origem, mas nessa busca por respostas chegou-se ao texto abaixo, que vem da obra Folclore do Concelho da Figueira da Foz, com cerca de 113 anos. A sequência aqui em questão, reproduzida abaixo, foi ligeiramente adaptada para facilitar a leitura e compreensão:

Uma possível lenda dos Gambozinos

Quando um rapaz tem feitio apalermado, ou chegou pela primeira vez à terra, há sempre quem o leve à caça dos gambozinos, que dizem ser um animal muito interessante. Levam o rapaz ao campo e junto de um buraco, ravina ou barranco, ou à entrada de algum atalho, mandam-no pôr-se de cócoras com um saco aberto e dizem que vão bater mato, que se deixe ele ficar, para apanhar estes animais, que não tardarão a vir meter-se-lhe no saco. É mesmo conveniente - aconselham - que de vez em quando dê grandes vozes - "Gambozino ao saco!" - para que ele se não demore tanto. Claro que os acompanhantes não voltam mais, e o patetinha, farto de esperar e berrar, reconhece por fim que foi burlado.

É, portanto, esta a espécie de lenda de aquilo a que ainda hoje chamamos, famosamente, a caça aos gambozinos. Porém, se ela ainda é muito conhecida nos nossos dias, é curioso notar que já ninguém tende a praticar todo o processo como ele era descrito nestas linhas com mais de um século,e outras fontes até acrescentam que "deste costume não se contam casos modernos (...) não se apontando ninguém que se tivesse sujeitado a semelhante caçada." Ainda se usa a expressão num contexto e sentido muito jocosos, fala-se de ir a essa tal caça destes estranhos bichos, raramente se refere como é que eles são fisicamente, mas de facto já nunca se pensa em tornar realidade histórias rocambolescas com os contornos da descrita acima. E, de facto, tanto a origem do próprio nome como a forma de toda esta rara criatura parecem mesmo ter sido esquecidas com o tempo, naquela que é agora pouco mais que uma vaguíssima lembrança de uma tradição que imperativamente já tem mais de 100 anos. E assim se vão esquecendo as figuras e expressões de outros tempos, como nos igualmente famosos casos do Arco da Velha ou da Maria Cachucha...

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27 de Março, 2023

A lenda de Pan Jinlian

Falar de Pan Jinlian é, talvez mais que tudo o resto, falar de Margem da Água, uma das quatro obras clássicas da China. Já cá aludimos a outras duas delas - o Sonho do Quarto Vermelho e a Viagem do Oeste - e poderíamos também falar desta terceira, mas é preferível fazê-lo, pelo menos por agora, de uma forma muito breve, apenas para introduzir o tema principal de hoje. Por isso, essencialmente, esta Margem da Água é uma obra do século XIV ou XV que nos introduz sucessivamente a 108 foras da lei e, mais tarde, às aventuras que todos eles têm em comum. Até se chegar a esse ponto final, vão sendo contadas as diversas histórias individuais de muitos dos intervenientes, que em grande parte dos casos os transportam de uma vida honesta até a uma irrefutável necessidade de fugir da legalidade. Entre essas histórias, algumas mais interessantes que outras, aparece então aquela de que iremos falar hoje, talvez uma das mais abomináveis de toda a obra.

A lenda de Pan Jinlian

Pan Jinlian era uma mulher belíssima que casou com Wu Dalang, um homem feio, gordo e baixo, por quem ela não sentia qualquer espécie de atracção real. Mas quando conhece o irmão mais velho deste, o impressionante Wu Song, sente-se tão atraída por ele que tenta, sem sucesso, seduzi-lo. Mais tarde, apaixona-se por um outro homem, Ximen Qing, com quem começa a ter um tórrido caso extra-conjugal. E, para conseguir ficar com ele - e só com ele - decide então matar o próprio marido. Envenena-o e passa a viver com o amante na casa que antes partilhava com o marido. E, durante algum tempo, tudo parecia correr bem para os dois amantes...

Um dia, Wu Song volta de uma missão e pergunta a Pan Jinlian pelo irmão. Esta diz-lhe que ele morreu de doença... o que, muito correctamente, cheirava a esturro a este viajante. Ele quis saber o que se passava e acaba mesmo por conseguir descobri-lo. Depois, o que se segue na história é uma das sequências mais brutais que já lemos numa obra de ficção, sendo preferível omitir o cerne do episódio deste pequeno resumo da lenda, mas pode ser dito que Song acabou por vingar a totalidade da morte do irmão, chegando ao ponto de decepar Jinlian e atirar a sua cabeça contra Qing, assustando-o derradeiramente antes de também o matar a ele!

 

Existem outras versões da lenda - numa das mais curiosas, Ximen Qing morre de excesso de sexo - mas a relatada aqui provém directamente da Margem da Água. Na sua versão original, é um momento completamente brutal, que se torna ainda mais grotesco pelo facto dos dois amantes serem conduzidos à sua relação ilegítima por uma idosa intermediária, que também é quem conduz ao envenenamento de Wu Dalang, e que ensina brevemente como se seduz uma mulher, mesmo que ela já seja casada (o curioso momento pode ser deixado por aqui, em tradução portuguesa, para quem quiser rir):

Primeiroː deves ser tão bonito como Pan An. Segundoː precisas de ter uma ferramenta tão grande como a de um burro. Terceiroː precisas de ser tão rico como Deng Tong. Quartoː precisas de ser tão tolerante como uma agulha que passa pelo tecido de algodão. Quintoː precisas de gastar muito tempo. Serás bem sucedido apenas se cumprires essas cinco condições.

 

Por razões como as apresentadas nest breve história, Pan Jinlian ficou conhecida na China como uma espécie de mulher fatal (e deusa padroeira das prostitutas), disposta a tudo pelo amante Ximen Qing, enquanto que o seu Wu Dalang se tornou o protótipo do marido-corno. Já Wu Song, esse, depois de vingar a morte do irmão teve muitas outras aventuras (podem lê-las a todas na Margem da Água), na mais conhecida das quais até chegou a matar um tigre com as suas próprias mãos, tal era o seu poder físico. As suas histórias encontram-se imortalizadas nas óperas chinesas, bem como em diversos recontos das suas aventuras, mas o cerne da sua trama comum, pouco conhecida fora da China, é o que foi contado acima...

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22 de Março, 2023

Onde fica a Cidade de Gotham? (Sim, ela existe mesmo!)

Quem conhecer as aventuras de Batman, o Homem Morcego, saberá que elas tendem a tomar lugar na Cidade de Gotham. O herói até vai, ocasionalmente, a outros lugares, mas essa é a sua cidade nativa, que pelo seu panorama no horizonte - ver a imagem abaixo - faz lembrar a cidade de Nova Iorque. Porém, o que já menos saberão é que não só Gotham existe mesmo, mas conhecer a sua breve história até ajuda a que se compreendam melhor um pequeno segredo das aventuras da banda desenhada. Por isso, vamos agora à sua história!

Onde fica a Cidade de Gotham?

Existe, no condado inglês de Nottinghamshire, uma pequena vila com o nome de Gotham. Sobre ela, conta-se que em inícios do século XIII um Rei João, monarca da altura, quis passar por esta região, talvez até pernoitar nela, juntamente com o seu grande exército. Temendo toda a confusão que isso iria causar naquela que era então uma pequenina aldeia, os habitantes locais decidiram fingir-se loucos, como que para sugerir que passar por esse local, ou mesmo parar nele, era uma ideia bastante má. Uns fingiram tentar tirar o reflexo da Lua de um lago; outros circundaram um pássaro com uma rede para o tentarem capturar; um terceiro grupo tentou afogar uma enguia num ribeiro; um quarto tentou proteger toros de madeira do calor do sol; um quinto atirou queijos por uma ribanceira abaixo, assim procurando transportá-los mais depressa; e assim por diante, num conjunto de maluquices que levaram, posteriormente, à publicação de uma pequena obra de título Merrie Tales of the Mad Men of Gotham, onde vinte estranhas desventuras como estas são relatadas (é um livro que faz rir, fica a breve recomendação).

 

Posteriormente, e já em inícios do século XIX, um autor americano aplicou este mesmo nome de Gotham à sua cidade de Nova Iorque, como que a sugerir que os habitantes locais eram também eles tão louquinhos como os da vila inglesa. E assim se justifica tanto o nome como a aparência da Cidade de Gotham, aquela que as bandas desenhadas associam ao Batman e seus companheiros. Porém, isto ainda permite um curioso passo adicional - quem conhecer as histórias deste herói da ficção certamente que já terá notado que os vilões que lá aparecem são, de um modo geral e salvo raras excepções, completamente insanos. Dado todo o contexto, podemos depreender que essa é uma alusão velada à antiga lenda da vila de Gotham, reencarnando-a numa forma completamente nova, mas sem esquecer a famosa loucura original.

 

Por isso, para concluir, quem quiser saber onde fica a Cidade de Gotham, aquela onde vive Bruce Wayne, a resposta pode ser resumida dizendo que ela tem os traços da americana Nova Iorque mas é igualmente baseada na vila de uma lenda inglesa do século XIII. "E esta, hem?!"

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20 de Março, 2023

O que era a Serração da Velha?

Hoje, naquela que é a data aproximada em que seria celebrada, falamos da Serração da Velha. Era uma festa que parece ter sido muito popular em outros tempos, sendo ela celebrada em Portugal, no Brasil e até em outros países, mas depois foi sendo progressivamente esquecida, ao ponto de ter desaparecido quase completamente por volta de meados do século XX. Não foi caso único - relembrem-se, por exemplo, as Festas do Imperador, com igual destino - mas dada a estranha ideia e iconografia por ela suscitada (ver um exemplo abaixo, da primeira metade do século XIX) decidimos que tínhamos de partir em busca desta tradição hoje já quase deixada para trás!

A festa da Serração da Velha

Infelizmente, depressa nos fomos apercebendo que há muito pouca informação sobre esta celebração da Serração da Velha. Por exemplo, nada de concreto se parece saber sobre a sua verdadeira origem, nem parece ter tido uma forma completamente estável, já que diferentes locais pareciam celebrar a data de formas diferentes. Assim, o apresentado em seguida é uma espécie de tentativa de reconstrução muito rude, baseada nos elementos comuns de dezenas de fontes literárias.

 

Esta celebração da Serração da Velha tomava lugar precisamente a meio do período da Quaresma, 20 dias depois do nosso Carnaval. Aparentemente, as pessoas reuniam-se ao cair da noite, correndo rapidamente para um local que não era estável, mas apenas anunciado à última da hora. Nesse local apresentava-se uma serra e um cortiço, este último com uma velha - humana ou puramente simbólica - no seu interior. Eram ditas algumas palavras, em algum momento esta figura idosa apresentava um pseudo-testamento, talvez jocoso, enquanto os populares no local instigavam todo o processo com versos mais ou menos complexos como "Serra a velha, serra a velha!" É possível, mas não muito certo, que tudo terminasse com a queima do próprio cortiço, juntamente com outros objectos de madeira - por alguma razão desconhecida, escadas e tripeças eram usadas frequentemente, como mostra ali a imagem... mas fosse toda a celebração assim ou de alguma outra forma similar, uma grande questão com duas faces é digna de nota:

 

Quem era esta velha e porque era ela serrada?

O Serrar da Velha

Em relação ao primeiro ponto, os documentos que fomos consultando parecem deixar claro que a "velha" era uma representação simbólica da Quaresma e das imposições alimentares que outrora existiram nessa altura do ano. "Serrá-la" representava, portanto, abrir uma excepção muito temporária (e provavelmente de apenas um só dia), às restrições perpetuadas nos 40 dias antes da Páscoa. Esta ideia é até confirmada por uma versão da celebração, que encontrámos atestada no Brasil de meados do século XVIII, em que o cortiço, ou um seu subtituto, era mesmo cortado ao meio com o objectivo de expor o que estava no seu interior, que eram algumas das comidas proibidas para a época... e que certamente eram comidas em seguida, sem que por isso se temesse a reprovação do pároco local.

Feliz ou infelizmente, toda esta ideia também poderá explicar o porquê da verdadeira celebração da Serração da Velha ter terminado. Com o decréscimo progressivo de imposições associadas à Quaresma - hoje, quem é que deixa de comer X ou Y por estar nessa altura do ano? Já quase ninguém o faz... - começou a deixar de fazer sentido dar-se esse "dia de descanso" às privações, e com isso o serrar da velha cessou de fazer sentido.

 

Mas, admitidamente, não sabemos como é que esta celebração nasceu. Desconhecemos o seu objectivo original. Olvidamos sequer se, em períodos muitíssimo antigos, terá sido utilizada uma verdadeira idosa em todo este processo, queimando-o ou serrando-a mortalmente. E, por isso, tudo o que podemos oferecer são, como já foi deixado claro acima, um conjunto de teorias sobre esta ideia da Serração da Velha. Se ela ainda pode ser encontrada em alguns locais, tanto em Portugal como no estrangeiro, há que clarificar que este era um dia festivo cujo processo não era totalmente horizontal, ou seja, que por ele ter o elemento X em dado local não implica que também o tivesse em todos os outros, o que torna difícil seguir os exemplos actuais como dignos dos antigos. Portanto, a sua origem, e talvez o seu verdadeiro significado, ficarão para ser revelados num dia tão inesperado como o da possível revelação da origem do fado, entre muitos outros mistérios da cultura nacional...

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16 de Março, 2023

A maldição dos tremoços, uma lenda portuguesa

Existe uma lenda portuguesa sobejamente conhecida sob o nome da maldição dos tremoços. O nome até pode intimidar um pouco, mas ela absolutamente nada tem de errado (ou mágico...), sendo essencialmente uma de muitas histórias lendárias nacionais unindo o sagrado e o profano, como naquele curioso caso, aqui falado há já alguns anos, da Nossa Senhora e do Linguado. Assim, esta parece ser uma história com muitas versões diferentes, mas contamos aqui o seu essencial.

A Maldição dos Tremoços, uma lenda portuguesa

Em outros tempos, quando a Virgem Maria e o homem que viria a ficar conhecido sob o nome de São José fugiram para o Egipto - um famoso episódio bíblico - passaram por um campo de cultivo como nunca tinham visto antes. Ele produzia um som estranho, prolongado, como se alguém andasse a persegui-los... e depois, após prestarem mais alguma atenção adicional, lá viram que o local por onde estavam a passar era apenas um tremoceiro seco. Isto talvez tivesse pouca importância, mas o barulho produzido por ele, à passagem da Sagrada Família, acordava o Menino Jesus. E então, zangada, esta Nossa Senhora pôs uma maldição a todos os tremoços, condenando quem os viesse a comer a nunca se sentir cheio, por muitos que fossem comidos.

 

Esta é, como já acima se escreveu, uma lenda relativamente simples, a da maldição dos tremoços, mas é curioso o facto como se insere não só no panorama bíblico, mas também nas lendas religiosas nacionais. No Novo Testamento, é o próprio Cristo a figura amaldiçoadora de uma figueira, por esta não produzir figos numa altura que não lhe era próprio fazê-lo. É uma acção bastante estranha, tendo em conta as leis da própria Natureza que o filho de Deus aqui puniu - as quais, relembre-se, foram elas próprias criadas por Deus-Pai - mas nesta lenda tem lugar algo de muito semelhante, numa sequência em que é a mãe de Jesus que pune tremoceiros, tremoços - e, talvez até muito mais, todos aqueles seres humanos que os comem - com as suas acções.

 

Visto assim, como apresentada aqui, esta lenda da maldição dos tremoços pode parecer um pouco estranha, mas há que relembrar, sem qualquer dúvida, que esta se trata de uma lenda popular, de génese oral, criada pelo povo e para o povo. Querer ver nela algo além disso não faz muito sentido, porque, como em outras lendas semelhantes - que, como já frisado antes, muitas vezes unem sagrado e profano - ela é apenas uma tentativa de explicar o (quase-)inexplicável com recurso a elementos bíblicos. Mas, ainda assim, não deixa de ser uma lenda com o seu quê de charme...

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13 de Março, 2023

A pequena lenda de Johnny Kaw

Johnny Kaw é uma lenda americana que, como muitas outras nesse país, respeita um protótipo muito específico. Como já aqui vimos em casos como o de Paul Bunyan, esta não é uma história com origem antiga e de um qualquer autor desconhecido - teve a sua origem em meados do século XX por um tal George Filinger, professor na Kansas State University, que aparentemente quis criar um herói semelhante ao famoso Bunyan e que pudesse representar o seu estado. E dessa ideia nasceu a figura abaixo, com uma enorme foice, que a alguns até poderá parecer algo bastante diferente...

A lenda de Johnny Kaw

Nesse contexto geral, a lenda e as histórias associadas a Johnny Kaw são muito semelhantes à do seu famoso predecessor, mas muito menos conhecidas entre a generalidade dos Americanos - com excepção, como é natural, no seu estado natal do Kansas, onde mesmo assim é hoje muito pouco conhecido, com excepção de através da estátua cima (e, para quem tiver essa curiosidade, pode até ler mais sobre ela em Inglês nesta página externa).

 

Contando a sua história muito sucintamente, Johnny Kaw foi um bebé gigante que depois se tornou um homem gigantesco, limpou todo o estado das suas pedras (criando um solo perfeito para a agricultura e associando as Rocky Mountains...), plantou colheitas sem fim, inventou os girassóis (?!), destruiu furacões com a sua foice, entre muitas outras coisas que tais - basta querer-se e depressa se pode adicionar mais um ou outro evento aqui e ali, porque esta nem se trata de uma lenda "real", mas faz, isso sim, parte do fakelore americano, daquele conjunto de histórias que foram sendo criadas por habitantes locais para promoverem o seu estado e as muitas belezas e características locais, como tinha acontecido no próprio caso de Paul Bunyan, entre muitas outras. E, para esta pequena publicação do dia de hoje, essa ideia essencial basta-nos.

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09 de Março, 2023

A lenda de Krishna

Falar da lenda de Krishna não seria, normalmente, uma tarefa fácil. Conforme referimos quando cá falámos sobre os avatares de Vishnu, "ainda há dias um amigo que pratica activamente a religião hindu nos dizia, com enorme ênfase, que Krishna não era um avatar [do deus], mas sim a maior expressão do mais elevado dos deuses hindus. São muitos os crentes que partilham de essa mesma ideia". Como tal, face a esta visão dupla desta figura do Hinduísmo, seria difícil conseguirmos contar a sua história, como já fizemos antes para alguns dos outros avatares. Por isso, em alternativa, decidimos tentar algo de completamente novo, pela mais pura curiosidade - em busca de uma completa isenção religiosa, abordámos um algoritmo de IA e, sem lhe dar qualquer contexto adicional, pedimos-lhe que nos contasse, em língua portuguesa, a história desta figura. E o resultado, que compõe o cerne do tema de hoje, foi o seguinte:

A lenda de Krishna

Krishna é uma figura central na religião hindu. Sua história é ampla e abrange muitos aspectos da mitologia indiana, incluindo suas façanhas como um jovem pastor, seus ensinamentos como um sábio e sua liderança como um guerreiro.

Krishna nasceu na cidade de Mathura, na Índia, cerca de 5.000 anos atrás. Sua mãe, Devaki, era irmã do rei Kamsa, que governava a região. Quando um profeta previu que o oitavo filho de Devaki seria responsável por derrotar Kamsa, ele decidiu matar todos os filhos de Devaki para garantir sua própria segurança. No entanto, Krishna foi salvo da morte quando sua mãe o enviou para ser criado por pastores na aldeia de Vrindavan.

Em Vrindavan, Krishna cresceu como um jovem pastor, brincando com suas amigas e lutando com demônios que ameaçavam a paz da região. Ele ficou especialmente conhecido por sua habilidade com a flauta, que ele usava para encantar animais e humanos.

Krishna retornou a Mathura quando adulto para enfrentar Kamsa e libertar seu povo da tirania. Ele liderou uma série de batalhas contra as forças de Kamsa, incluindo um duelo final no qual ele matou o rei com suas próprias mãos.

Depois de derrotar Kamsa, Krishna tornou-se um líder espiritual e ensinou as pessoas sobre a natureza da alma e a importância de se viver uma vida justa e honesta. Ele também teve um relacionamento próximo com a deusa Radha, que é frequentemente descrita como sua amante.

A história de Krishna é rica em simbolismo e significado, e suas lições continuam a ser ensinadas e praticadas na religião hindu até hoje. Ele é frequentemente retratado como um avatar, ou encarnação, do deus Vishnu, e sua imagem é reverenciada em todo o mundo.

 

O que esta formulação de toda a história tem de notável - além de aquilo que uma leitora designou um "texto sem alma e sem estilo" - é que deixa quase de lado a ideia de ele poder ser um avatar de outro deus, só aludindo a isso já na última frase. Desconhecemos, mais precisamente, como foi obtida toda esta informação pelo tal algoritmo (ele foi repetidamente incapaz de nos citar quaisquer fontes), mas é de presumir que se tratará da versão mais famosa de toda a trama. Por isso, a ter de ser contada alguma versão basilar destes eventos, que fique essa por aqui, uma que bem atesta a incompletude e falta de estilo da informação dada por esses estranhos algoritmos informáticos, mas que, pelo menos, permite uma informação isenta das paixões religiosas que um tema como este poderia suscitar...

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06 de Março, 2023

"Bustão" e "Gulistão", de Saadi de Xiraz

Em outros tempos, nomes como o de Saadi de Xiraz, autor persa do século XIII, foram muito admirados. Os seus trabalhos chegaram mesmo a existir traduzidos em Português, em meados do século XIX, apenas para depois caírem naquele completo esquecimento em que ainda hoje se encontram. E então, para contrariar essa proverbial maré, decidimos hoje recordar esse autor e as suas duas criações mais famosas.

Saadi de Xiraz com um amigo

De um modo geral, o espírito destes Bustão e Gulistão - ou, no original persa, Bustan e Golestan - é muito semelhante, razão pela qual decidimos agrupar ambos as obras nestas mesmas linhas. Essencialmente, são dois livros que misturam ficção, realidade, poesia e prosa, com Saadi de Xiraz a recontar ao leitor um conjunto de conteúdos que foi ouvindo ao longo do tempo, ou que até poderá ter inventado por si mesmo. São quase sempre histórias, sim, mas nelas também se incluem pequenos poemas - uma especialidade do autor - entre conteúdos como frases de sabedoria e considerações filosóficas. O seu maior ponto de interesse é o de permitir bastantes discussões entre os leitores, dando a belíssima ideia de se tratarem de histórias para saborear e deixar pensar, mais do que apenas para ler e esquecer (como, muito infelizmente, acontece tanto em obras semelhantes publicadas nos nossos dias).

 

Poderíamos, então, contar aqui algumas dessas histórias, a puro título de exemplo, mas talvez a mais digna de nota entre todas elas se prenda com a própria criação do Gulistão e Saadi de Xiraz. Um dia, quando passeava com um amigo, viu-o a recolher algumas belas flores do campo. Incrédulo com o acto, dada a beleza demasiado passageira do fruto dessa colheita, decidiu então criar o seu próprio "jardim de flores" (daí o significado do nome original da obra), com conteúdos tão belos como dignos de serem imortalizados nas palavras que eles nos deixou... e é, de facto, esse o simbólico momento mostrado ali na imagem que escolhemos para adornar as linhas de hoje, com o poeta, ao lado direito, a confrontar esse seu amigo com o cáracter tão breve da beleza das suas flores, por contraste com as histórias - supostamente eternas - que decidiu deixar-nos nestas duas obras. E, nesse seguimento, é esse o convite que deixamos aos leitores - podem ler uma tradução de algumas das histórias de Saadi, em tradução portuguesa, na Biblioteca Nacional Digital, e que elas vos inspirem para novas aventuras!

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02 de Março, 2023

O milagre de Maria Troncanita

A história de Maria de Guadalupe Troncanita, serpense nascida no século XIX, poderia ser uma mera lenda como tantas outras que vão passando por estas páginas. Porém, Ladislau Piçarra, editor de um jornal da cidade de Serpa em inícios do século XX, diz ainda ter falado com ela antes de 1904, e que a própria até lhe contou toda a ocorrência miraculosa com a sua própria voz. Acreditando-o uma figura fiável, talvez como o autor dos mais famosos Fenómenos do Entroncamento, temos poucas razões para afirmar que esta história é uma mera lenda, sendo mais apropriado chamar-lhe o mesmo que alguns jornais da época lhe chamaram, uma espécie de milagre!

O milagre de Maria Troncanita

Segundo a própria, quando Maria Troncanita tinha por volta de 50 anos de idade nasceu-lhe um netinho. O que deveria ter sido uma ocasião feliz depressa se tornou o seu contrário, já que a mãe da criança faleceu quando esta tinha apenas três dias de vida. Face à ocorrência, e certamente no mais pleno desespero, a Troncanita decidiu então pedir ajuda e rezar a Nossa Senhora de Guadalupe - a de Espanha, provavelmente não a Virgem de Guadalupe do México - que, alguns dias depois, fez operar o milagre de esta senhora voltar a ter leite para dar ao seu netinho - e importa frisar, como a própria também admitiu, que já tinham passado mais de 10 anos desde que tinha tido o seu último filho. E depois, o fluir desse leite supostamente prolongou-se por 14 meses...

 

Terá sido isto verdade? Vimo-lo considerado como uma pura lenda, e nada mais, em diversas fontes literárias que consultámos, mas então como explicar que Ladislau Piçarra ainda tenha, segundo até nos deixou por escrito num seu jornal da época (o mesmo que é citado ali na imagem...), falado com Maria Troncanita e ouvido toda a história reportada acima da própria boca da então idosa, na altura já muito avançada em anos? Será que foi ele o enganado, talvez por alguma idosa mais mentirosa que se tentou fazer passar por uma personagem potencialmente lendária da região? A título de curiosidade, fomos ver se ainda havia alguma família com esta apelido na zona de Serpa, mas não conseguimos encontrar qualquer descendente da famosa figura. Ou a sua prole já acabou, passados cerca de 100 anos, ou o contado acima era, de facto, pura lenda e nada mais. A verdadeira resposta, como muitas vezes em coisas como estas, terá de ficar para quem acabar por ler estas linhas...

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