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Mitologia em Português

27 de Dezembro, 2023

O que é o Maniqueísmo?

Hoje em dia, explicar o que é o Maniqueísmo não é uma tarefa fácil. Por um lado, essa religião ainda existe, mas são pouquíssimos os seus aderentes, e os textos originais, escritos por volta do século III d.C., já não existem numa forma completa. Por outro, em dada altura esta foi uma religião tão popular - ou, pelo menos, tão culturalmente significativa - que na Europa se passou a chamar "maniqueísmo" a todos os ramos do Gnosticismo, ou de outras religiões, que de alguma forma incluíam duas divindades com atributos opostos (e.g. o Catarismo medieval). Por isso, se vamos falar deste tema, temos de o abordar de uma forma menos vulgar, que aqui começará pelo fim da vida de Mani, o fundador desta religião.

Mani, o fundador do Maniqueísmo

Na imagem acima pode ser vista a forma como Mani, o fundador do Maniqueísmo, faleceu. A uma primeira vista, poderá parecer que este homem foi (apenas) crucificado numa árvore, mas diz a sua história que (também) lhe foi arrancada toda a pele, esta foi inchada como um balão, e o seu corpo e pele foram exibidos nas muralhas da cidade. O seu grande crime, para motivar uma punição tão horrenda? Reza a história que ele disse ser capaz de curar uma criança, um filho do monarca local, de uma doença que parecia letal, mas depois falhou na tentativa de o fazer... o que não calhou nada bem ao pai do menino, porque este senhor se dizia um sábio com poderes místicos enormes, até capaz de voar nos céus, mas a sua falta de "poderes" traiu as suas promessas.

 

Face a essas ideias, seria imperativo perguntar-se como é que ele obteve os tais poderes... e é muito interessante, porque se a pouca informação que temos sobre este Mani parece admitir que ele copiou pelo menos algumas das ideias de um antecessor (cujos escritos também se perderam...), sabe-se que ele tinha um conhecimento razoável das principais religiões da sua altura (e.g. a ideia dos sábios conseguirem voar era característica do Budismo já nesta época). Isto permitiu-lhe perceber que existiam alguns vectores comuns entre elas, mas também um conjunto de razões pelas quais elas não se tornaram universais. Agora, se - muito infelizmente - esses escritos se perderam na sua quase totalidade, chegaram-nos algumas das suas ideias, o que permite perceber que ele construiu uma espécie de sintetização das principais religiões da sua época, tendo pelo menos por base o Zoroastrianismo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Budismo.

Diagrama do Mundo no Maniqueísmo?

Não é fácil compreender o que ele fez com tudo isso - relembre-se, mais uma vez, que a maior parte dos escritos originais estão hoje perdidos - mas, muito simplificadamente, ele parece ter acreditado num mundo preso entre duas forças constantemente antagónicas - o Bem e o Mal, a Luz e a Escuridão, o Amor e o Ódio, etc. Incapaz de destruir directamente o seu oposto, o primeiro destes princípios foi enviando diversas figuras para se "infiltrarem" no mundo físico, por natureza "mau", e tentarem passar uma nova mensagem religiosa, que em dados aspectos só se cumpriria no final dos tempos, com a derradeira destruição do segundo princípio. E claro que esta é uma visão muito simplista do tema, mas a ideia, como era presumivelmente tratada nos seus escritos, parece ter sido fascinante, porque estabelecia paralelismos entre figuras como Jesus Cristo e Buda, Judas e Devadatta, etc., como que mostrando que todas essas religiões eram, na verdade, expressões e fragmentos de uma mensagem contínua comum, que diversas entidades tinham trazido a diversos povos em múltiplos tempos, e que agora o próprio Mani vinha complementar, dizendo-se o "Paracleto" previsto pelo Novo Testamento, uma espécie de mais recente sucessor da mensagem do Cristianismo (o que não caiu muito bem aos crentes dessa religião*).

 

Curiosamente, tudo isto tem também um factor profundamente irónico - se Mani parece ter estudado o porquê das religiões anteriores falharem, e ter postulado dez grandes razões para tal (apenas cinco nos chegaram...), também o seu próprio Maniqueísmo acabou por falhar. As razões vão muito além do tema de hoje, mas dada a perda dos seus textos essenciais - um dos quais sabemos ter sido ricamente ilustrado pelo próprio fundador, razão que lhe trouxe especial fama na literatura islâmica que se lhe seguiu uns séculos depois - não é difícil perceber o porquê desta religião ter caído progressivamente no esquecimento, ao ponto de hoje já quase ninguém se lembrar dela e dos seus antigos ensinamentos...

 

 

*- É muito curioso notar que os escritos dos Cristãos contra o Maniqueísmo são, hoje, aparentemente uma das maiores fontes de informação sobre essa religião. Como tal, se quiserem mesmo saber mais sobre este tema, podem ler o Contra Fausto de Santo Agostinho, ou a breve obra de Alexandre de Licópolis sobre esta religião, entre outros livros!

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