Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Mitologia em Português

28 de Março, 2024

O estranho caso das irmãs gémeas Pollock (e onde estão actualmente?)

Falar do caso das irmãs gémeas Pollock implica, antes de tudo o mais, saber admitir que nem sempre temos todas as respostas. Não é possível tê-las. E assim, o que contamos aqui é uma história ouvida por nós, bastante difundida online, mas cuja verdade e derradeiros limites nunca ninguém parece ter querido investigar. Portanto, o leitor é aqui convidado a ler um breve resumo destes eventos e a formular a sua própria opinião...

Irmãs Gémeas Pollock

O casal Pollock vivia em 1957 na cidade inglesa de Hexham e tinha várias filhos. Um dia, quando dois deles iam para a escola acompanhados por um amigo, foram atropelados. Faleceram, trazendo muita e evidente tristeza ao casal. Mas cerca de um ano depois, em Outubro de 1958, Florence Pollock deu à luz duas outras meninas, que para a história ficaram conhecidas geralmente pelo nome colectivo de Irmãs Gémeas Pollock. Estas Jennifer e Gillian eram quase completamente iguais, salvo uns pequenos sinais que, curiosamente, as crianças falecidas também tinham tido. E depois, ao longo dos anos, elas parecem ter tido a capacidade de recordar todo um conjunto de capítulos do passado familiar que, supostamente, só seriam possíveis se elas fossem as reencarnações daqueles dois membros da família que já tinham perdido - por exemplo, conheciam casas nas quais nunca viveram (mas em que os falecidos tinham estado); sabiam de antemão de parques aos quais os pais nunca as tinham levado; e os pais viram-nas, pelo menos uma vez, e "encenarem" a morte dos irmãos então desaparecidos, com todos os pormenores sórdidos apenas conhecidos aos próprios.

 

Inicialmente, ao estudarmos este caso, pensámos que tudo isto fosse a mais pura ficção, como o caso de Danny, mas depois encontrámos diversos artigos em revistas sobre este caso, bem como vários médicos que estudaram em primeira mão o caso destas irmãs gémeas Pollock. É, a título de exemplo, particularmente notável o caso do Dr. Ian Stevenson. Ele esteve em contacto com estas duas meninas - então já senhoras - até 1985, e no livro de título Children Who Remember Previous Lives: A Question of Reincarnation informa o seguinte sobre todo o desfecho da situação:

Gillian and Jennifer Pollock grew up to become normal young women. Long before that, they had completely forgotten, in later childhood, the memories they had had of previous lives. In my later meetings with them they were mildly skeptical about their own case. By this I mean that, not then having any persisting memories of the previous lives, they did not present themselves as offering evidence for reincarnation, but they did not deny the evidence their parents had obtained from observing them when they were young children.

 

Será, portanto e como dizem muitos outros artigos sobre estas irmãs gémeas Pollock, correcto dizer-se que elas são uma prova provada da existência da reencarnação? Um dos grandes problemas em querer afirmar isso mesmo passa pelo facto do pai das gémeas sempre ter acreditado na reencarnação, sendo naturalmente possível que tenha utilizado as suas filhas numa estranha experiência para convencer a sua esposa da completa verdade dessa sua crença. Ele pode, pura e simplesmente, ter criado as suas crianças de forma a que elas se "lembrassem" de uma suposta vida passada. Por isso, e contrariando o muito afirmado online, talvez seja é muito mais seguro afirmar-se que este caso não deve ser usado para tentar provar a existência da reencarnação, até porque Jennifer e Gillian Pollock parecem já ter esquecido a sua "vida passada", tornando impossível testar o que alegadamente sabiam...

 

Uma última questão - onde estás estas irmãs gémeas Pollock actualmente? Não conseguimos encontrá-las online, nem obtivemos qualquer resposta de algum possível familiar na área, mas dado o facto de, como o Dr. Ian Stevenson afirmou e nós já repetimos antes, elas terem esquecido a sua suposta "vida passada", localizá-las na primeira pessoa em nada ajudaria na tarefa de averiguar a verdade por detrás desta história. Em melhor caso elas repetiriam que já não se lembram de nada, enquanto que no pior admitiam, pura e simplesmente, que alguém - possivelmente o pai - as tinha convencido a fingir todos estes eventos.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
25 de Março, 2024

O mito da Chegada do Homem à Lua

Não estava, originalmente, planeado falar-se aqui hoje sobre a Chegada do Homem à Lua. Porém, quando a semana passada aqui falámos sobre a origem da teoria dos Astronautas Antigos, referimos apenas de passagem que a primeira ida do Homem à Lua "supostamente teve lugar em 1969". Um comentador anónimo fez questão de responder "Supostamente? Por esta é que eu não estava à espera", mas o que ele ainda não sabia é que, na verdade, essas palavras faziam parte de uma pequena brincadeira cujo real significado apenas seria revelado mais tarde. Infelizmente, saiu-nos o proverbial tiro pela culatra, e então foi necessário antecipar bastante o tema de hoje. A nós, Europeus, o mito de hoje poderá parecer um tanto ou quanto estranho, mas ele é relativamente famoso na América do Norte, razão pela qual decidimos que tínhamos de o apresentar aos leitores!

O mito da Chegada do Homem à Lua

Quem tem interesse pela história mundial já sabe que nas décadas de 1950 e 1960 os Estados Unidos da América e a Rússia se encontravam numa espécie de "guerra" pela chegada ao espaço. Na sequência de episódios como os do Sputnik (o primeiro satélite artificial), da Laika (a primeira cadela no espaço), e de Yuri Gagarin (o primeiro homem no espaço), o primeiro desses dois países estava a ficar para trás na corrida... até que, em Julho de 1969, ele se antecipou ao seu opositor e foi o primeiro na Chegada do Homem à Lua, como aprendemos na sala de aula. Mas, se toda essa história ficasse apenas por aí, não estaria hoje a ser apresentada num espaço sobre Mitologia, não é?! Segue-se, portanto, uma parte que é muito menos conhecida em Portugal, e que os nossos professores nunca nos contaram!

Segundo o mito da Chegada do Homem à Lua, face aos sucessivos avanços soviéticos para uma tentativa de chegada ao nosso único satélite natural, em pleno desespero os Americanos desenvolveram um estranho plano de emergência. Recordando-se do excelente trabalho feito por Stanley Kubrick no filme 2001: Odisseia no Espaço, originalmente lançado em 1968, o governo americano deu fundos ilimitados a este realizador e pediu-lhe que fizesse um filme, o mais realista possível, de uma suposta chegada à Lua. Depois, as pessoas viram-no na televisão, ficaram todas muito impressionadas, e passaram então a acreditar horizontalmente que os Americanos tinham sido os primeiros a chegar à Lua, naquela que teria sido uma criação verdadeiramente digna de um Óscar!

 

Ao lerem estas linhas, é provável que alguns leitores lusófonos pensem "O quê? Isto está tudo maluco? Como é que alguém acredita nessa história?" Bem, este tal mito da Chegada do Homem à Lua parece ter nascido de uma sequência de coincidências bem reais. Ainda estarão vivas muitas pessoas que viram a emissão original, mas na altura não existiam vídeos caseiros facilmente acessíveis, ninguém em sua casa gravou essa chegada à Lua... e então, quando o conteúdo em questão começou a estar mais ou menos acessível ao público em geral, começaram a surgir algumas questões bastante curiosas. Apenas para apontarmos um pequeno exemplo, no vídeo reproduzido ali em cima a bandeira americana, prestes a ser colocada na Lua, parece baloiçar a favor do vento... mas não há vento no espaço ou na Lua! Ups, como se explica isso?!

 

Face a ocorrências como essas, o mito da Chegada do Homem à Lua nasceu do facto dos visualizadores que tentaram analisar o evento histórico se terem apercebido de todo um conjunto de elementos que, à vista desarmada, podem levantar várias questões (como a ausência do Coelho Lunar...?) O que gera algumas dúvidas, até porque a maior parte dos leitores não tem propriamente muita paciência para ler extensas dissertações sobre como foi possível o tal "vento" do vídeo. E, assim, é muito mais fácil acreditar-se na explicação mais simples e básica - i.e. "foi tudo uma trafulhice e nada mais!" - do que tentar procurar verdadeiras explicações para as diversas "falhas" que foram sendo encontradas em vídeos como aquele... e daí, repita-se, nasceu o tal mito americano que nos levou ao relato de hoje, como muitos outros do mesmo país, de que o exemplo da terra plana talvez seja outro igualmente famoso!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
21 de Março, 2024

"Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha" - origem e significado!

Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha é um daqueles provérbios bastante utilizados na língua portuguesa mas em cuja origem pouco se pensa. Isto porque, se o seu significado até é relativamente fácil de discernir - por exemplo, é mais fácil fazer o possível do que esperar o impossível - as suas palavras também sugerem uma referência ao profeta Maomé, que não é, de todo, uma figura muito conhecida na cultura tradicional portuguesa. E, na verdade, se o nosso país tem dezenas e dezenas de lendas sobre Nossa Senhora, e outras tantas sobre outras figuras bíblicas do Antigo Testamento (como Túbal), de memória nem conseguimos recordar-nos de uma qualquer lenda famosa em Portugal que inclua esta outra figura religiosa... o que pode gerar uma grande questão relativamente à origem de todo o provérbio!

"Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha" - origem e significado!

Primeiro, tentámos localizar alguma possível história religiosa que associasse Maomé a uma montanha, já que o próprio provérbio sugere, de forma muito tácita, um possível milagre, mas nada encontrámos. Depois, apurámos que em alguns países ocidentais, como a Turquia, o provérbio também existe mas sem a referência religiosa - e, tratando-se esse de um país mais ligado ao Islão, seria natural encontrar-se essa ligação por lá, se ela viesse de alguma lenda famosa entre os praticantes dessa religião. Por isso, qual a verdadeira origem da expressão Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha?

 

Após muita procura, encontrámos aquela que parece ser a versão mais antiga deste provérbio preservada por escrito. Ela aparece nos Ensaios de Francis Bacon, publicados em finais do século XVI e inícios do XVII, com as palavras que aqui traduzimos para Português:

Verás muitas vezes um indivíduo destemido fazer o milagre de Maomé. Maomé fez o povo acreditar que iria chamar uma montanha até si e, do topo dela, oferecer as suas preces aos observadores da sua lei. O povo reuniu-se. Maomé chamou a montanha para vir até si, uma e outra vez, e quando a montanha permaneceu imóvel, ele não se mostrou abalado, mas disse "Se a montanha não vem até Maomé, Maomé irá até à montanha". Assim, estes homens, quando prometeram grandes feitos e falharam vergonhosamente, ainda assim (se possuem a perfeição da audácia) simplesmente desvalorizam o assunto, dão uma volta e não fazem mais alarido.

O que é curioso em toda esta história é que o autor sentiu a necessidade de a contar por completo, em vez de apenas aludir a ela, como era bastante habitual fazer-se no seu tempo, em que os autores cultos escreviam para uma audiência culta, quase sempre igualmente informada dos autores prévios dos temas que iam ler. Como tal, essa necessidade de contar toda a história, seguida até pela explicação de um seu significado, dá a entender que a expressão não era (ainda) famosa nesse século em que primeiro nos aparece por escrito. Dado o contexto na obra, bem como o estabelecido por obras semelhantes produzidas nos séculos anteriores, fica-se com a ideia de que esta foi uma história composta por Francis Bacon para dar alguma cor à sua composição filosófica e ilustrar um ponto que queria apresentar aos leitores.

 

Mas porquê a utilização do nome de Maomé, e não de uma qualquer figura religiosa cristã? Certamente porque, como é fácil ver no texto acima, na breve história a personagem principal promete aos seus fiéis um milagre mas acaba por não o conseguir concretizar. Associar toda a ideia a um santo do Cristianismo seria um tanto ou quanto herético, mas fazê-lo a um inimigo da fé cristã nada tinha de errado, até pelo contrário, já que contribuiria para o ridicularizar como um falso profeta!

 

Como a agora-famosa expressão, ou esta história da presumível autoria de Francis Bacon, entraram na nossa cultura popular portuguesa é muito mais difícil de se saber. Visto que também existe em muitos outros países europeus, é provável que tenha sido popularizada através de um sentimento anti-islâmico que nasceu na Idade Média e se foi prolongando por vários séculos - pense-se que, considerando o próprio contexto da frase, numa cultura islâmica ela dificilmente poderia ser utilizada com alguma conotação positiva. Mas, pelo menos, assim se pode explicar a origem e significado da expressão Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à Montanha...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
18 de Março, 2024

A origem da teoria dos Astronautas Antigos

Hoje em dia a teoria dos Astronautas Antigos é relativamente conhecida, em virtude de programas de televisão como Ancient Aliens. Ela foi particularmente popularizada por Erich von Däniken, em obras como Chariots of the Gods? (em Português, "Eram os Deuses Astronautas?"), e na sua forma essencial diz que figuras extraterrestres visitaram o nosso planeta em dada altura do passado e de alguma forma interferiram com a nossa história. Mas de onde vem essa curiosa ideia, qual a sua origem?

Matest M. Agrest e a origem da teoria dos Astronautas Antigos

Segundo foi possível apurar, na sua forma actual esta teoria nasceu nos primeiros anos da década de 1960 na Rússia, por intervenção do matemático Matest Mendelevich Agrest (que pode ser visto, já idoso, na imagem acima). E é uma teoria que nasceu num ponto temporal muito concreto - Yuri Gagarin já tinha ido ao espaço (o que teve lugar em 1961), mas ainda não tínhamos ido à Lua (o que, supostamente, teve lugar em 1969). Por volta dessa altura este senhor publicou pelo menos dois artigos relacionados com o tema, sendo o mais importante um com um título como "Os Cosmonautas Antigos". Nesse artigo, de uma forma maioritariamente científica ele coloca três questões essenciais:

  • Como explicar a presença de tectites antigas na Terra?
  • Como explicar as enormes plataformas de Baalbek, com mais de 1000 toneladas de peso, que claramente foram movidas para o seu local, mas mesmo com a tecnologia de hoje ainda não o conseguiríamos fazer?
  • Como explicar a presença, em alguns textos antigos, de momentos que recordam verdadeiras explosões nucleares?

 

São estas três questões os grandes fundamentos por detrás da origem da teoria dos Astronautas Antigos, e colocá-las nada tem de errado ou de pouco científico. Porém, depois o mesmo M. Agrest coloca aquilo a que chama "a sua hipótese", respondendo a essas três questões da seguinte forma:

  • Essas tectites antigas resultam da aterragem de veículos com propulsão, sendo elas muito frequentes nas áreas em que os visitantes paravam mais frequentemente.
  • As plataformas de Baalbek foram criadas com base em tecnologias a que ainda não temos acesso, e foram-no para servirem de plataforma de lançamento e/ou aterragem para os tais visitantes.
  • Focando-se especificamente na lenda bíblica de Sodoma e Gomorra, o autor argumenta igualmente que os visitantes podiam ter tecnologias nucleares como as nossas, ou até mais avançadas.

 

São meras hipóteses, levantadas pelo facto das nossas então-possíveis viagens espaciais sugerirem que outros seres já as tenham efectuado anteriormente com destino ao nosso mundo. Para as testar, e continuando o seu discurso maioritariamente científico, o autor sugere também um conjunto de trabalhos para uma verificação experimental:

  • Procurar radioactividade na zona do Mar Morto (onde se crê que outrora existiram as cidades de Sodoma e Gomorra).
  • Tentar determinar com precisão a idade dos monumentos dessa região, e em particular os de Baalbek.
  • Estudar melhor o problema das tectites.
  • Conduzir um estudo sistemático das inscrições e monumentos que possam mencionar visitas de extra-terrestres.

 

E porque seria tudo isto importante? Porque, segundo este originador da teoria dos Astronautas Antigos, confirmando-se essa hipótese, poderiam ter sido deixados no nosso planeta documentos ou instrumentos desses antigos visitantes, o que seria muito precioso para as nossas civilizações actuais.

Agora, desconhecemos se aquela proposta de trabalhos foi depois completamente seguida pelo autor, ou por mais alguém, mas este conjunto de ideias parece ter sido, efectivamente, a origem da teoria dos Astronautas Antigos. E foi-o sem malícia, sem quaisquer fantasias de visitas constantes de extraterrestres (o que o autor diz não ser possível, já que uma viagem dessa natureza poderia demorar tempo demais...), numa teoria colocada de um ponto de vista puramente científico. Ela podia estar certa ou errada, sendo que o autor apenas a coloca e levanta um conjunto de trabalhos que a poderiam confirmar ou refutar, como é habitual no processo científico.

 

Infelizmente, na sua forma actual esta mesma teoria dos Astronautas Antigos parece assentar numa constante formulação de novas hipóteses, mas muito pouco na sua possível testagem. Se, por exemplo, alguns teóricos da área dizem que o Pé Grande pode ser uma criatura vinda de outro planeta, como é suposto conseguir testar-se isso? Não é de todo algo realizável, como é óbvio, o que levou a que esta teoria, originalmente com uma base científica, tenha de certa forma caído em desgraça, com alguns dos seus vértices a soarem mais a plena ficção científica do que a algo em que um ser humano comum possa acreditar. Mas isso já são outras histórias, aqui e hoje apenas nos interessava falar da origem da teoria...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
15 de Março, 2024

A história de Atlas na Mitologia Grega

Atlas é uma daquelas figuras da Mitologia Grega cujo papel original nem era muito significativo, mas que ainda assim o tempo não permitiu esquecer. Porquê? Não é fácil sabê-lo, mas talvez tenha a ver com o seu papel significativo no mito dos Trabalhos de Hércules. Mas estamos a adiantar-nos um pouco demais, e esta história merece ser contada quase desde o seu início:

O mito de Atlas na Mitologia Grega

Segundo as principais versões do mito de Atlas, esta figura foi um dos intervenientes numa guerra entre os deuses do Olimpo e os Titãs ou os Gigantes. Pouco se sabe, hoje, sobre qualquer um desses dois confrontos, mas um elemento inegável da sua história é que no final os deuses ganharam e os seus atacantes foram punidos com os mais diversos castigos. O poderoso Tífon, por exemplo, foi colocado debaixo do Etna, onde dizem as histórias que ainda hoje cospe o seu fogo, enquanto que a personagem a quem dedicamos as linhas de hoje foi incubido da difícil tarefa de suportar os céus sobre as suas costas, sugerindo que ela possa ter cometido, durante a guerra contra os deuses, algum crime bastante grande.

Depois, o tempo foi passando. Não é fácil saber durante quantos anos, décadas ou séculos Atlas fez esse seu trabalho sem ser perturbado, mas um dado dia Hércules aproximou-se dele e perguntou-lhe se sabia onde era o Jardim das Hespérides. Ele respondeu que sim, mas que esse local era muito longe, e portanto seria melhor ele ir buscar as maçãs procuradas pelo famoso herói, em vez de deixar que este o fizesse. O mais famoso filho de Zeus aceitou, mas visto que alguém tinha de segurar nos céus até ao retorno do titã, ele ofereceu-se para tal - é nesse seu papel que ele pode ser visto na imagem ali em cima, o herói com a sua característica pele de leão às costas, a segurar o céu enquanto, do lado esquerdo, o titã se aproxima novamente dele, já com uma maçã na mão.

Mas, nessa altura, Atlas apercebeu-se de uma coisa muito importante... porquê continuar a carregar os céus? Porque não deixar essa tarefa eterna para Hércules? Quis ir-se embora, quis esquecer o seu eterno dever, mas o filho de Zeus enganou-o de alguma forma, e conseguiu que este voltasse a ocupar o lugar que lhe pertencia por castigo.

 

Depois, passaram mais uns quantos anos. É novamente difícil precisar quantos foram, mas diz-nos um outro mito, mais tardio, que quando Perseu passou por esta mesma zona usou a cabeça decepada da Medusa para transformar este Atlas em pedra, tornando-o de um titã, ou um gigante, num mero monte de pedra, um conjunto de montanhas que ainda hoje podem ser vistas no norte de África.

E uma terceira lenda, tipicamente cristã (mas que poderá ter tido a sua origem em obras como a de Evémero), diz que Atlas não era sequer um gigante ou um titã, mas sim o nome do primeiro dos homems que descobriu a Astronomia (ou Astrologia, segundo outros), ficando conhecido por "segurar os céus", ou mesmo "conhecer os segredos das estrelas", em virtude dessas suas descobertas.

 

São talvez estas as três maiores histórias associadas a Atlas, a figura da Mitologia Grega. Ele cruza-se com outros heróis apenas duas ou três vezes, mas parece ser, efectivamente, a sua ligação a Hércules, bem como o estranho papel que lhe coube aquando da derrota do seu grupo na guerra contra os deuses, que o fizeram chegar até aos nossos dias de hoje...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
11 de Março, 2024

Faleceu Akira Toriyama - em sua honra, uma história que (quase) ninguém conhece

Faleceu, há cerca de onze dias atrás, Akira Toriyama. Em Portugal, no Brasil, e em diversos outros países da Europa e América Latina, ele era conhecido especialmente como o autor por detrás das séries manga e anime de Dragon Ball. As suas criações marcaram a juventude de muita gente, talvez até especialmente nesses países, e um dos nossos colegas conheceu-o, uma vez, quando viveu em Tono, na perfeitura nipónica de Iwate. Assim, queríamos relembrá-lo por cá uma (potencial?) última vez, contando uma história oriental que mesmo nessas terras longínquas quase ninguém conhece.

Faleceu Akira Toriyama, autor de Dragon Ball

Como já cá falámos anteriormente, a obra literária chinesa Jornada ao Oeste inspirou bastante as aventuras de Dragon Ball. O porco Oolong, por exemplo, não é senão uma adaptação de Zhu Bajie. Um dado coelho da primeira temporada da série é uma adaptação da lenda do Coelho na Lua. Mas, de entre todas as outras possíveis figuras que aqui poderíamos mencionar hoje, a mais conhecida de todas elas é sem qualquer dúvida Sun Wukong, o mesmo herói chinês a que chamam Son Goku no Japão. É ela a mais famosa figura da Jornada ao Oeste, tal como é o grande herói de Dragon Ball, e se perguntarem a alguém nascido na China, ou nos países vizinhos, se conhece esta personagem, a resposta tende a ser sempre positiva - conhecem-no, no mínimo dos mínimos, dos tempos de juventude, em que viram as suas aventuras na televisão ou leram versões simplificadas da sua história, mesmo que nem todos eles tenham lido, na primeira pessoa, o grande clássico de onde ele vem. Akira Toriyama era claramente um fã japonês do texto original!

 

A versão chinesa do nosso famoso Son Goku é infinitamente conhecida na China e no Japão, entre outros países circundantes, mas quando um dos nossos colegas estava por esses países em investigação deparou-se com uma história muito menos famosa, uma que quase nem parece surgir nas obras de Akira Toriyama, excepto de uma forma muito velada. E, a termos de escolher um tema para o dia de hoje, discutimos e decidimos que apenas e somente poderia ser essa, uma história que mesmo nesses dois países, como nos seus vizinhos, hoje quase ninguém conhece.

 

Mesmo que desconheçam as aventuras originais de Sun Wukong, é provável que saibam que Son Goku é muitíssimo forte fisicamente. Também o era o seu predecessor chinês, capaz de vencer os seus muitos opositores pela força. O faz muitas vezes na famosa obra chinesa, e um autor chinês de meados do século XVII, Dong Yue, parece ter considerado essa facilidade pouco satisfatória ou recompensadora para os leitores. Assim, escreveu uma espécie de aventura adicional para a obra original, conhecida por 西遊補 ou Xiyoubu, em que faz o famoso herói defrontar o seu derradeiro opositor - uma figura metafórica para os desejos humanos. A ideia pode parecer estranha, ou pelo menos pode parecê-lo para um leitor ocidental, até que se tenha em conta o contexto budista da obra, e estes tais "desejos" como o verdadeiro inimigo de qualquer crente budista - recorde-se, nesse seguimento, até o confronto de Buda com Mara, uma figura semelhante a esta e que tentou o fundador do Budismo.

 

Quem vence essa incomum batalha? Sun Wukong, ou esse tal ? A resposta é bastante óbvia, quanto mais não seja por esta aventura ser uma espécie de "midquel", que ocorre entre dois capítulos da história original, mas uma questão semelhante à sugerida por Dong Yue não parece, que nos lembremos, ter ocorrido em nenhuma das páginas atribuídas a Akira Toriyama. Esta figura opositora do herói chinês até aparece, de uma forma secundariamente tantalizante, em um dos filmes de Dragon Ball Super, provando que este autor japonês conhecia pelo menos alguns dos seus traços, mas... agora, tendo ele falecido, nunca iremos saber se ele tinha outros planos futuros para essa figura, que à maior parte dos visualizadores ocidentais terá parecido apenas um estranho peixe num aquário.

 

Obrigado, Akira Toriyama, pelas tuas criações. Na parte que nos diz especial respeito, as tuas criações levaram parte da mitologia oriental a todo o mundo e fizeram sorrir incontáveis leitores a visualizadores. Não sabemos se serás imortal, mas pelo menos nós, como muitas outras pessoas que foram seguindo as aventuras de Son Goku e dos seus companheiros, nunca esqueceremos o teu trabalho. E, confesse-se, num breve momento de admissão pessoal, que chorámos quando soubemos da tua morte... e é certo que não teremos sido os únicos!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
07 de Março, 2024

O Poema de Amor mais antigo do mundo

Hoje decidimos aqui falar de aquele que parece ser o poema de amor mais antigo do mundo. Nunca é fácil descobrir precisamente a idade destas coisas - recorde-se, por exemplo, a nossa busca pela autora mais antiga do mundo, ou pelo primeiro sinal de trânsito - mas por se tratar de uma composição suméria e mencionar o monarca Su-Sim ou Shu-Sin, podemos supor que terá sido escrito há cerca de 3900 ou 4000 anos. Não é, portanto, tão antigo como as histórias de Gilgamesh ou Lugalbanda, mas é muito notável por se tratar de uma das primeiras composições do seu tipo que ainda nos chegaram de uma forma mais ou menos completa.

O Poema de Amor mais antigo do mundo?

Feita esta breve introdução a este suposto poema de amor mais antigo do mundo, apresentamos aqui uma tentativa de sua tradução para o português dos nossos dias, em que o sujeito poético parece ser uma esposa ou amante do rei Su-Sim:

Noivo, querido do meu coração,
Boa é a tua beleza, doce mel,
Leão, querido do meu coração,
Boa é a tua beleza, doce mel.
Tu cativaste-me, deixa-me tremer diante de ti,
Noivo, eu seria levada por ti para o quarto,
Tu cativaste-me, deixa-me tremer diante de ti,
Leão, eu seria levada por ti para o quarto.
Noivo, deixa-me acariciar-te,
O meu carinho precioso é mais saboroso que o mel,
No quarto, cheio de mel,
Desfrutemos da tua bela beleza,
Leão, deixa-me acariciar-te,
O meu carinho precioso é mais saboroso que o mel.
Noivo, tu tens o teu prazer de mim,
Diz à minha mãe, ela te dará iguarias,
Diz ao meu pai, ele te dará presentes.
O teu espírito, eu sei como o alegrar,
Noivo, dorme em nossa casa até ao amanhecer,
O teu coração, eu sei como o alegrar,
Leão, dorme em nossa casa até ao amanhecer.
Tu, porque me amas,
Dá-me a prece de teus carinhos,
Meu senhor deus, meu senhor protetor,
Meu Su-Sim que alegra o coração de Enlil,
O teu lugar é bom como o mel, coloca a tua mão nele,
Traz a tua mão sobre ele como uma roupa,
Cobre a tua mão sobre ele como uma roupa.

 

Não é, na verdade, possível saber se este é verdadeiramente o poema de amor mais antigo do mundo, mas podemos é afirmar, com maiores certezas, que se trata mesmo da mais antiga composição deste tipo que conseguimos encontrar. Ela já usa um conjunto de ideias que até se vão mantendo nos nossos dias - o amante como um pujante leão, o pedido da mulher para ele passar toda a noite com ele, etc. - e quem o escreveu, possivelmente uma pessoa do sexo feminino, até evoca brevemente o deus Enlil, o mais importante do panteão sumério, talvez na sua função como protector do monarca. Em momentos como estes, somos então levados a pensar que o grande espírito da humanidade nem mudou assim tanto ao longo dos séculos...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
04 de Março, 2024

A lenda de Wetaskiwin

A lenda que aqui contamos hoje vem de uma expressão dos nativos canadianos relativa a Wetaskiwin Spatinow. Já iremos ao seu significado, mas por agora basta dizer que a pequena cidade canadiana tem uma lenda para explicar esta origem do seu nome.

A lenda de Wetaskiwin

Em outros tempos, possivelmente na segunda metade do século XIX, viviam na área que se viria a tornar Wetaskiwin duas tribos nativas, os Cree e os Blackfoot. Os respectivos territórios eram separados por um pequeno rio, e os seus limites tendiam a ser respeitados pelas duas nações índias, excepto quando sentiam necessidade de comida e o enorme grupo de bisontes locais cruzava o rio para o lado oposto. E isto acontecia diversas vezes, até porque os animais queriam preservar as suas próprias vidas, até que um dia uma das tribos - já não sabemos precisar qual das duas foi a responsável inicial - lá se zangou com a ocorrência e declarou guerra à outra.

 

Os dois exércitos dirigiram-se então para uma colina local, a futura Wetaskiwin, mas seguindo por lados opostos nunca se viram. Por isso, na sua busca de encontrar a localização dos opositores, dois bravos guerreiros - um de cada tribo, a Criança Búfalo e o Pequeno Urso - subiram até ao topo da colina e espreitaram para o lado contrário... e quando isso aconteceu, ambos deram imediatamente de caras um com o outro! Pela honra das respectivas pátrias, decidiram então combater só com as mãos, sem outras armas, e o conflito prolongou-se por horas e dias. Depois, admitindo a necessidade de descansar, ambos se separaram por um momento. Um deles tirou da sua vestimenta um pequeno cachimbo, fumou-o, e... entendendo que também o seu opositor necessitava de relaxar, passou-lhe o mesmo instrumento. Quando se aperceberam do que tinham feito, já era tarde demais!

 

O que aconteceu aos dois guerreiros? Talvez não seja muito fácil de perceber na cultura portuguesa, mas eles tinham fumado, por completo acidente, o chamado "cachimbo da paz". As regras de ambas as tribos, como em muitas outras na América do Norte (e até na xenia dos Gregos), diziam que ao fazerem este acto comum, tudo tinha de ser perdoado entre eles. E assim o foi feito, a guerra depressa terminou, e a colina em que o episódio tomou lugar passou a ser conhecida como Wetaskiwin Spatinow, "a colina em que a paz foi feita" pelos Cree e Blackfoot. Claro que depois o nome foi sendo simplificado, até se chegar ao actual.

 

Tema terminado? Ainda não, por aqui faltar um pequeno elemento curioso - a mesma cidade é hoje mais conhecida por alguns anúncios locais que apregoam que, com uma pequena musiquinha, "Cars cost less in Wetaskiwin", i.e. os carros custam menos na cidade. Podem ouvir abaixo:

Será verdade, ou apenas um outro mito local? Não sabemos, mas os poucos habitantes de Wetaskiwin a quem perguntámos sobre isso afirmaram que sim, que os carros são, de facto, menos caros na cidade. Por isso, se algum leitor ou leitora estiverem no Canadá, mais precisamente na província de Alberta, e quiserem comprar carro, já sabem onde ir...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!