As lendas de Simão Mago
Tentando apresentá-lo de uma forma demasiado breve, poderíamos dizer que Simão Mago foi uma figura tão importante da história da Igreja que já ninguém se parece lembrar dele. Pode parecer contraditório, mas quem for ler os Actos dos Apóstolos poderá lá encontrar breves referências a esta figura como um homem que, após se ter convertido à religião cristã, tentou subornar - sem sucesso - São Pedro para que este lhe explicasse como utilizar o poder do Espírito Santo, acabando por ser amaldiçoado pelo apóstolo - daí a origem da expressão "simonismo" ou "simonia", o comércio ou venda de bens da carácter espiritual. E tudo ficaria por aí, mais nada a Bíblia diz sobre esta figura, mas o seu grande motivo de interesse passa pelo facto de nas fontes extra-bíblicas existirem duas grandes lendas que lhe estão a associadas.
A primeira delas, discutivelmente a mais famosa (até dela aqui falámos quando explicámos as representações horizontais dos santos), afirma que em determinada altura este Simão Mago voou nos céus, procurando por esse acto provar o seu carácter divino. Tê-lo-ia conseguido, não fosse a presença de São Pedro - este apóstolo rezou a Deus e, pedindo-Lhe essa ajuda para afastar as pessoas do que ele via como uma falsa religião, por intervenção divina o humano voador foi precipitado dos céus, partindo as pernas ou simplesmente falecendo na queda. O curioso episódio já não aparece na Bíblia, lembre-se isso, mas ao longo dos séculos foi-se tornando tão famoso que a figura a que dedicamos as linhas de hoje é frequentemente representada em pleno voo, acto que o Cristianismo acredita só ter sido possível com ajuda demoníaca. Daí os demónios voadores na imagem, em pleno combate com os anjos de Deus!
Mas outra lenda associada a Simão Mago merece ser contada por cá em virtude da sua importância na história do Cristianismo. Segundo esta história, que já não parece ter vindo do primeiro século da nossa era, nas suas desventuras este homem fazia-se acompanhar por uma mulher de nome Helena, que não era senão a reencarnação da famosa Helena de Tróia. É provável que essa relação entre as duas figuras até tenha inspirado parte da lenda do Doutor Fausto, mas o mais notório nessa história é o facto de ser utilizada por diversos apologistas cristãos para configurar este Simão como o primeiro dos fundadores do Gnosticismo - e eles até dão um passo adicional, dando a este homem todas as falhas imagináveis e fazendo da sua companheira uma antiga prostituta.
Não sabemos, nem é possível saber-se hoje, onde começam e terminam as grandes verdades nesta história de Simão Mago e de Helena, mas diversos autores da época atribuem ao primeiro um conjunto de obras literárias que depois caíram no esquecimento. Felizmente até as citam, aqui e ali, permitindo-nos compreender que a religião que ele fundou era uma espécie de sincretismo do Cristianismo e da Filosofia dos Gregos. A mesma ideia também ocorria em muitas outras seitas gnósticas posteriores a esta, sendo por isso possível, mas não certo, que as suas doutrinas tenham de alguma forma inspirado a criação de todo um conjunto de ideias a que hoje chamamos gnósticas. O que não sabemos é se ele foi o primeiro dos gnósticos ou, também ele, se inspirou em algum outro autor ou pensador entretanto esquecido.
Em suma, se este Simão Mago tem um papel muito pequeno na própria Bíblia, ainda assim ele não foi esquecido na evolução do Cristianismo, com alguns autores posteriores a lhe acrescentarem, não sabemos se com grande verdade, diversos episódios e até obras literárias (!) que condicionaram como esta figura bíblica depois foi sendo vista ao longo dos séculos...