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Mitologia em Português

05 de Julho, 2024

"A Cintriada", poema sobre a beleza de Sintra

A Cintriada é uma daquelas composições poéticas que está quase esquecida hoje em dia. Pelo seu nome já se percebe que o tema de todo o poema é Sintra (= Cintra), e no prefácio - que, na edição a que lhe tivemos acesso, ocupa aproximadamente um terço da obra - o próprio autor, um tal Padre Manoel Rodrigues de Faria, confessa ser esse o seu tema. Numa altura em que o Palácio da Pena estava a ser (re?)construído, para ter aquela forma que lhe reconhecemos hoje, este autor sentiu então a necessidade de cantar a beleza de Sintra. E claro que o tema é inesperado, muito interessante até dados os encantos da vila, e daria potencialmente aquele proverbial "pano para mangas", mas o grande problema na leitura da obra é descoberto logo nas suas primeiras páginas.

Capa do poema "A Cintriada"

Primeiro, A Cintriada começa com um prefácio que parece enorme para o tamanho da obra - mais de 30 páginas, num total de cerca de uma centena - em que o autor mais parece querer enrolar o leitor do que lhe dar qualquer espécie de informação muitíssimo pertinente para a leitura da obra. Ficará para a eternidade uma questão estranha - será que a "Typographia de G. M. Martins", que imprimiu a obra, tinha um limite mínimo de 100 páginas?

 

Depois, quando (finalmente) se chega aos primeiros versos da obra, eles são banais, quase como as rimas que as crianças muitas vezes fazem na escola. A título de exemplo, reproduza-se aqui uma estrofe:

As flores aqui postas pela ordem
Com que classificou Lineu as Plantas,
As flores que dos mesmos matos sordem,
Os Tojos, as Giestas, e outras tantas,
As Urtigas, que a quem as toca mordem,
As Plantas em fim todas aqui quantas
Dão flores, as dão como à porfia,
Como quem quer levar a primazia.

Em terceiro lugar, se em dados momentos o autor até refere espaços e eventos particularmente relevantes da história de Sintra, mesmo a forma como os trata tem muito pouco encanto. A um tema célebre, como a conquista da vila aos Mouros, é dada quase a mesma relevância que a presença de rosas e outras flores e plantas nessa zona, seguindo-se todos esses temas de uma forma profundamente banal.

 

E, em quarto lugar (e último), o poema está pejado de notas mais ou menos longas, para o autor tentar explicar o porquê da sua Cintriada mencionar determinados elementos. E se algumas dessas notas até têm algum interesse para o leitor, outras dizem coisas como "Synthronon, grego, quer dizer o banco ou degrau de um teatro ou de um trono", "esta rica e pitoresca estrada [para a Pena] começou-se no ano de 1839 com tanto empenho e gosto que no seguinte ano de 1840 estava concluída", ou repetem os nomes de determinadas flores em tudo quanto é língua, como se tudo isso fosse muitíssimo importante numa construção poética.

 

Em suma, esta não é de todo uma obra fácil de encontrar, mas mesmo que a encontrem ela não tem nada de muito significativo, excepto talvez pela sua existência como mero objecto de colecção. A sua parte mais interessante, no contexto deste espaço, talvez seja a referência a uma pequena lenda que está completamente esquecida nos nossos dias, e que vale a pena reproduzir-se ao terminar as linhas de hoje:

Certo Turco, achando-se cego e sabendo pelos seus livros a virtude das ervas de Portugal, dissera a um seu escravo Português: "Vai a Portugal, leva estes sapatos novos, não os calces senão na Serra de Sintra, passeia os sítios tal e tal da Serra com eles, e depois une-os bem um ao outro, e bem atados torna-nos a trazer, porque há naquela serra uma erva de tanta virtude que basta que tu a pises com estes sapatos, e eu esfregue os meus olhos com eles, para me ser restituída a vista. Dou-te superabundantemente para a despesa, e adverto que se fores fiel em tudo quanto te ordeno, não só te farei rico, mas te restituirei à tua liberdade. Cumprindo o escravo exactamente quanto o seu senhor lhe ordenara, e sendo restituída a vista a seu senhor, cumprira o que lhe prometera, e despedindo-se dele lhe dissera: "Os Portugueses não sabem dar valor à riqueza que possuem só nas virtudes das plantas e ervas desse reino, especialmente na Serra de Sintra"...

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