Dom Sebastião e a Pedra Bonita de Pernambuco
Quando em Portugal falamos de Dom Sebastião e do Sebastianismo, fazemo-lo hoje quase apenas como uma brincadeira de outros tempos. É uma coisa completamente inofensiva, aquela subtil ideia de que o antigo rei está na sua Ilha Encoberta ou Afortunada à espera da data do seu retorno. E se também já vimos exemplos semelhantes em terras do Brasil, presumíamos que também aí toda esta famosa lenda de Portugal era inofensiva, algo em que algumas pessoas acreditavam mas não chateavam ninguém com isso. Foi, portanto, com grande surpresa que encontrámos a história de que iremos falar hoje, de terras do Pernambuco, no Brasil, e que teve lugar entre os anos de 1836 e 1838.
Segundo relatos da época, conta-se então que um tal João Antônio, brasileiro, com recurso a um panfleto de origem e conteúdos desconhecidos, formulou a ideia de que nestas duas pedras pernambucanas estava escondida uma entrada para o reino secreto de Dom Sebastião. O padre local, de nome Francisco Correia, lá o convenceu a desistir da estranha crença, mas este primeiro crente foi-se embora e deixou o seu "reino" a um cunhado, um tal João Ferreira, que depois levantou uma sugestão perigosa - que o encantamento que impedia o rei de voltar só podia ser quebrado com o sacrifício de sangue humano. E então, os crentes de toda esta estranha e nova religião sacrificaram cerca de 80 pessoas durante alguns dias... e isto chegou ao absurdo de até sacrificarem o próprio João Ferreira porque um seu outro cunhado, Pedro Antônio (irmão do criador da seita), veio a dizer que o rei lhe apareceu em sonhos e revelou que o feitiço seria finalmente quebrado com o sangue dessa figura!
Talvez tudo isto tivesse continuado por muito mais tempo, até que a 18 de Maio de 1838 um major local, com as suas tropas, interveio e acabou com toda esta loucura... e dois meses depois, o padre Francisco Correia lá voltou a este local, onde enterrou os sacrificados e desenhou a bela gravura vista acima, onde não só pode ser vista a Pedra Bonita (ou Pedra do Reino, como ficou conhecida na sequência destes eventos), mas também alguns dos episódios mais significativos de toda a história. Veja-se, por exemplo, do lado direito das pedras centrais, uma pessoa prestes a atirar-se de uma rocha...
Toda esta história chegou-nos pelas mãos de um Antonio Attico de Souza Leite, que a conta na obra Fanatismo religioso : memoria sobre o reino encantado na comarca de Villa Bella. Nem ele, nem o seu pai foram crentes desta estranha religião, mas na escrita da obra foram tomados em conta os testemunhos de algumas pessoas que tinham conhecido estas crenças em primeira mão. Infelizmente, ninguém parece ter sabido de onde nasceu a ideia, com os diversos relatos que encontrámos a dizerem apenas que João Antônio formulou estas suas crenças com recurso a um panfleto que tinha em sua posse, mas cujo conteúdo ninguém se parece ter interessado em apurar. O que poderia ter sido interessante, dadas algumas semelhanças com o caso nacional do Cisma da Granja do Tedo, também ele aparentemente derivado de alguns livros misteriosos que a matriarca tinha recebido de Lisboa por volta da mesma altura...
Hoje, esta Pedra do Reino, ou Pedra Bonita, continua no local em que sempre esteve, na Serra do Catolé, em São José do Belmonte, Pernambuco, Brasil. Apurámos que existem lá algumas estátuas com motivos religiosos, mas (aparentemente) já nada que a ligue às crenças desta estranha, e infelizmente violenta, forma do Sebastianismo. Se existiram casos semelhantes em terras de Portugal, à presente data ainda não os encontrámos.