Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Mitologia em Português

25 de Novembro, 2024

A lenda do touro de Teruel

Já aqui falámos sobre a cidade espanhola de Teruel quando abordámos um mito medieval de dois amantes que era supostamente famoso em Portugal. Porém, existe uma outra famosa história ainda oculta no mesmo local geográfico, aquela a que dedicamos estas linhas de hoje.

Lenda do Touro de Teruel

Como pode ser visto na imagem acima, a bandeira e o brasão da cidade de Teruel apresentam um touro com uma estrela por cima. Conta então a lenda local que algures em tempos da reconquista cristã um dado rei separou o seu exército em duas metades. Uma delas prosseguiu as suas conquistas habituais, enquanto que o outro ficou apenas com a tarefa de guardar uma planície próxima desta cidade. Depois, todos os membros deste segundo grupo de combatentes tiveram um mesmo sonho durante a noite, em que lhes foi dito que deveriam seguir um touro que ia surgir na mesma planície. Assim aconteceu - surgiu nos céus uma estrela viajante, um dado animal bovino apareceu na planície e foi seguindo-a por ela fora, e por sua vez aquela meia parte do exércio real seguiu o seu caminho atrás do animal. Esta estranha procissão tomou lugar por algum tempo, até que o animal se foi como que infiltrando na fortaleza local... o que permitiu aos soldados do rei, pelo mais completo acidente, conquistar a cidade sem qualquer dificuldade, o que muito agradou ao seu senhor, e que certamente terá levado à imortalização de todo o episódio no brasão local!

 

Como em muitas outras histórias deste mesmo tipo, é difícil distinguir a realidade da ficção nesta lenda do touro de Teruel. Que a cidade foi conquistada de alguma forma é completamente óbvio, mas a influência real tida por um bovino nesses eventos é algo mais difícil de compreender. Ouvimos algumas teorias aqui e ali, com a mais exorbitante a clamar que a conquista desta cidade espanhola se deveu a uma intervenção directa por parte de uma nave de extraterrestres, cuja forma dissimulada de uma estrela terá induzido em erro os locais. Parece-nos difícil de acreditar, mas há opiniões para tudo. Não podemos revelar o que aconteceu ou não aconteceu, mas de um ponto de vista dos mitos e lendas de outros tempos, precisamente o que nos interessa por aqui, as histórias locais atribuem verdadeiramente a conquista da cidade às acções empreendidas por este touro e a sua estrela.

É, ainda assim, curioso constatar que este tipo de histórias já existia na Antiguidade Clássica e continua a existir nos nossos dias - por exemplo, diz-se que a povoação nacional de Vale de Porco foi fundada quando os seus habitantes, então em busca de um novo local onde viver, seguiram uma criatura porcina até um belo local...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
18 de Novembro, 2024

Os leões de Castro de Avelãs, uma lenda esquecida

Hoje, para falarmos sobre estes leões de Castro de Avelãs, temos de contar uma pequena história mais pessoal. Quando aqui escrevemos sobre lendas que têm um fundamento geográfico, tentamos sempre ir visitar o local em questão, para averiguar se ainda faz sentido apresentar essa história. Por exemplo, falámos aqui sobre a lisboeta Torre da Bela Vista porque ela ainda existe, ou sobre o Castelo de Cascais porque ainda nos chegou uma parte significativa do mesmo, mas pelo caminho ficaram temas como o de uma pequena fonte que outrora existiu próxima da Sé de Coimbra, ou do castelo de Alenquer, por já pouco se poder dizer sobre eles. Agora, nesse seguimento, para contar a história de hoje, recolhida em outros tempos por Leite de Vasconcelos, tínhamos de verificar se ainda fazia sentido contá-la, se os tais leões ainda existem... e após diversas buscas, encontrámos num site chamado "Who Trips" a fotografia reproduzida abaixo, representando "duas figuras em pedra que parecem leões". São, de facto, dois leões, hoje já muito danificados, e em outros tempos tinham uma lenda associada.

Lenda dos Leões de Castro de Avelãs

Segundo um pároco local contou a Leite de Vasconcelos, em tempos há muito idos existiu nesta região um castelo. O fidalgo local, por razões já esquecidas, em dada altura deu a sua própria mãe de comer a dois leões. Mas depois, horrorizado com os seus actos, confessou-se e foi condenado a ser encerrado num túmulo com uma cobra, que depressa o matou. Diz-se que esse túmulo ainda existe no local, mas estes dois leões eram aqui, mais do que uma simples decoração (como é habitual em muitos outros locais pelo país fora), uma recordação das tenebrosas acções de um antigo possuidor das terras da região.

 

Se no local até existe o túmulo de Dom Nuno Martins de Chacim, falecido em 1284, nada indica que a história relatada possa ter um qualquer fundo de verdade, até porque em pleno século XIII dificilmente seria possível a um nobre do norte de Portugal ter leões. É, portanto, a mais pura lenda, acredite-se sem as menores dúvidas, esta dos leões de Castro de Avelãs, "nascida para a explicação de monumentos cuja significação se perdeu" (como já foi dito por quem a recolheu). Mas nem por isso deixa de ser digna de nota, até porque se insere num complexo religioso em que pode ser vista uma das mais curiosas igrejas de Portugal. Nela, uma igreja relativamente moderna está encabeçada por um curioso exemplo de arquitectura mudéjar, criando um espaço verdadeiramente único. Assim, se um dia passarem por este local, não se esqueçam dos leões e da curiosa história, agora (quase) esquecida, que já lhes esteve associada.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
11 de Novembro, 2024

A incomum lenda de Le Loyon, a figura mitológica que se suicidou

A lenda de Le Loyon, também conhecida como a do Fantasma de Maules, em função de um bosque suíço em que aparecia, é quase de "ontem à tarde". Trata-se de uma história, supostamente bem real, que teve lugar entre, mais ou menos, os anos de 1990 e 2013. É essa data final que aqui tem até um interesse muito especial, porque é muito raro saber-se quando é que uma lenda morre, mas neste caso específico até foi possível sabê-lo, em virtude de um conjunto de circunstâncias muito singulares - mas já lá iremos, não se apressem as coisas!

A Lenda de Le Loyon

Conta-se então que Le Loyon era uma estranha figura que podia ser vista pontualmente na floresta de Maules, no cantão de Friburgo, Suíça. Tinha quase dois metros de altura, e usava constantemente uma capa da camuflagem e uma espécie de máscara de gás na cara. Nunca ninguém falou com esta figura, mas pelo menos alguns locais conseguiram vê-la de perto, e eventualmente uma dessas pessoas conseguiu tirar uma fotografia deste... "ser", seja ele humano ou algo mais, virado de costas para a câmara. Depois, em Setembro de 2013, essa fotografia - reproduzida ali em cima - foi publicada num jornal local, o Le Matin. Meses depois foi encontrado, próximo de um oratório nesta floresta, as respectivas máscaras e capa, juntamente com uma carta de despedida, que tanto quanto foi possível apurar nunca apareceu traduzida até este momento:

Certidão de óbito e testamento do Fantasma de Maules

Querido pseudo Patrick do [Jornal Le] Matin, não só és um idiota (Larousse: pessoa estúpida, tola), mas também és, acima de tudo, um assassino.
Assassinaste um ser inofensivo, que encontrava nas suas caminhadas uma verdadeira terapia de felicidade, um renovamento cerebral que lhe permitia enfrentar as responsabilidades e as vicissitudes do seu quotidiano - e ele tinha bastantes!
O Fantasma não usava máscara apenas para celebrar a felicidade, mas parece que tu não conheces [Leopold von] Sacher-Masoch [*], caso contrário perceberias que é preciso de tudo para fazer um mundo.

Além disso, és um assassino bem pouco liberal.
A ouvir-te, voltamos à Idade Média, ao tempo das bruxas. Porque não te opões a esses filmes cruéis, a destruições e a capuzes, rostos ocultos, daqueles que, ao que parece, matam para nos dar lições, mas que, segundo tu, cometem uma infração!
Permitem-se as tropas a reunir-se em frente ao pequeno Oratório, para pedir um mundo melhor? Eu aterrorizei-as estando nas sombras? Nem sempre é pelas atrocidades e crimes que as pessoas relaxam, seja na televisão ou nos meios de comunicação!

Quem é que ajusta o botão da Tolerância e Liberdade atrás deste episódio? Estas belas noções beneficiam mais os denunciadores, prevenidos, drogados, violadores e hooligans!
A Suíça é pequena, tudo o que não está em conformidade com o ninho deve ser erradicado.
Espero, durante estes anos, ter sempre tido paz, até hoje. Tive sentimentos de dedicação, por isso anuncio a prova contrária, naturalmente.

O Fantasma desaparece, o risco de uma caça à besta não será demasiado grande. Voltará para assombrar os vigilantes espíritas da nossa espécie, porque, no final, um fantasma nunca morre.

À amável passeante ou ao caçador de cogumelos que descobrir os meus trapos:
"Por favor, entregue ao Senhor Presidente da Câmara ou Vice-Presidente, ou até a um jornalista, capaz de discursar sobre Liberdade e Tolerância.
(alguém sensato, claro! O jornalista do Matin entenderá... talvez!)"

Este testamento tem o seu quê de triste, por demonstrar que Le Loyon era provavelmente apenas uma pessoa hoje desconhecida, mas com uma certa cultura, que, por uma qualquer razão igualmente desconhecida, deambulava pelas florestas locais com este seu estranho disfarce. Face à exposição mediática, teve então de desaparecer, para não tornar a ser encontrado por mais ninguém. Como que morreu, numa espécie de verdadeiro suicídio que deu título à sua carta... e então, nada mais sabemos sobre esta figura meio-lendária, meio-real, com excepção do que alguns breves relatos e uma sua carta nos deixou por escrito.

 

Ao mesmo tempo, há algo de profundamente fascinante na carta de Le Loyon, ou deste "Fantasma de Maules", como preferirem. É, tanto quanto nos conseguimos recordar, um caso raríssimo de um "suícidio" entre figuras supostamente lendárias. Se criaturas como o Amabie tiveram um início, um meio e um fim, e outras foram criadas por motivos de ficção (como é o caso de Teresa Fidalgo, o fantasma de Sintra), não conseguimos, verdadeiramente, recordar nenhum outro caso em que uma figura desta natureza se tenha despedido antes de desaparecer...

 

*- Este Leopold von Sacher-Masoch viveu no século XIX e escreveu diversos livros de ficção, mas é hoje provavelmente mais conhecido por ter emprestado, aparentemente sem qualquer permissão, o seu nome ao "Masoquismo". Mas isso já é uma história para outro dia!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
04 de Novembro, 2024

A lenda da origem do hino Triságio

Mesmo para quem é crente nestas coisas, quando vamos à missa raramente pensamos na origem de todo um conjunto de palavras que são ditas. O caso do Credo Nicénico é o exemplo mais óbvio, mas existem muitos outros, de que o hino conhecido por Triságio - Τρισάγιον, ou seja, "três vezes santo", mas já voltaremos ao significado - é um excelente exemplo, um que até sentimos que merecia ser recontado por cá, dado o facto de parecer ser muito pouco conhecido nas culturas lusófonas. Mas qual é então a sua história?

A lenda do hino Triságio

A 24 de Setembro de um ano agora desconhecido, mas que provavelmente terá sido entre 434 e 446 d.C., a cidade de Constantinopla sofreu um enorme terramoto. Assustadas, as pessoas locais, o patricarca Proclo e até o próprio imperador Teodósio II começaram a rezar a deus. Foi nesse instante que, pelo mais completo milagre, uma criança foi elevada aos céus. Regressou pouco depois, informando os presentes que tinha subido aos céus e, numa voz poderosa (e que claramente não era só a sua), instou-os a rezarem a Deus com as seguintes palavras:

Ἅγιος ὁ Θεός, Ἅγιος ἰσχυρός, Ἅγιος ἀθάνατος, ἐλέησον ἡμᾶς.

"Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tende piedade de nós."

 

Desconhecemos o nome da criança, ou o que lhe aconteceu depois de todo este episódio miraculoso (lemos, aqui e ali, algumas referências a que ele terá contado às outras pessoas o que viu no Reino dos Céus, mas isso pode ser apenas uma adição tardia à lenda). Dada a importância dessas palavras numa hora de grande aflição, este hino ficou então na mente popular, sendo conhecido ora pelo nome de Triságio ("três vezes santo", como pode ser facilmente percebido pelas suas palavras), ora pelo de "Agios O Theos" (que não é mais que o seu primeiro verso), e ainda hoje é bem conhecido entre os Ortodoxos. Dele existem até muitas versões cantadas, como esta, que aqui foi escolhida pelo mais completo acaso:

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!