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Mitologia em Português

31 de Dezembro, 2024

A lenda de Santa Muirgen

Santa Muirgen é uma daquelas figuras religiosas que dificilmente verão numa igreja no nosso país. Talvez até encontrem alguma referência a ela numa igreja irlandesa, mas mesmo nessas circunstâncias ela já não é uma figura muito comum. Não pode deixar de nos recordar o cão São Guinefort, hoje tão esquecido, mas ainda são muitos os que atribuem a esta figura uma verdadeira santidade. Por isso, hoje contamos a sua história!

A lenda de Santa Muirgen

Se na figura acima esta Muirgen até pode parecer uma sereia ou sirena, ela nem sempre foi assim. Ela nasceu uma mulher como as outras e os seus pais deram-lhe o nome irlandês de Liban. Um dia, uma enorme fonte brotou debaixo da povoação em que vivia com os progenitores. O desastre matou todos os habitantes do local, com excepção desta jovem e do seu cão (cujo nome não conseguimos descobrir). Ambos passaram a viver numa caverna nas profundezas da terra, transformando-se a primeira numa sereia e o segundo numa lontra, e com essa estranha metamorfose passaram também a ter um tempo de vida muito maior, cuja tradição faz variar até quase um milénio.

Depois, passaram-se anos, décadas, séculos, até que os novos habitantes locais ouviram um belíssimo canto a vir da zona do mar. Com alguma dificuldade lá conseguiram convencer a cantora a aproximar-se de terra. Ela foi educada nos preceitos da religião cristã e foi posteriormente baptizada com um novo nome de Muirgen ("nascida do mar"), pelo qual ainda continua a ser conhecida nos dias de hoje. A história preserva ainda um elemento curioso - se como Li Ban ela tinha uma enorme esperança de vida, com o baptismo cristão esta Muirgen teve de abdicar desse grande dom, lembrando um pouco a versão original da história da Pequena Sereia, e suscitando a possibilidade de que ela tenha sido considerada um silfo ou uma ondina.

 

Para terminar, diz-se que Santa Muirgen lá faleceu e foi enterrada num mosteiro, mas já não conseguimos encontrá-la. Se algumas versões dizem que foi um companheiro de Santo Comgall que a convenceu a vir a terra, isso pode colocar toda a história em finais do século VI da nossa era. Já passou demasiado tempo, mas visto que os locais de Lough Neagh e Lough Derg são referidos nas versões que consultámos, um bom caminho para a encontrar passaria por uma exploração de possíveis antigos mosteiros nessa zona. Fica o convite, para quem um dia se encontrar por terras da Irlanda sem muito que fazer...

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27 de Dezembro, 2024

A origem do tronco de natal

São muitos os bolos que só podem ser encontrados em lojas e pastelarias nesta época do ano, o que levanta questões sobre a origem do Tronco de Natal, o bolo que mostramos na imagem mais abaixo. Mesmo num contexto ocidental como o nosso, quem refletir um pouco sobre o tema pode perceber a estranheza de se criar um bolo em forma de tronco. Hoje em dia, (quase) nada nele parece associável a esta quadra do ano, certo? Então, diante dessa presença curiosa do bolo em muitas mesas de Portugal e até de outros países europeus, fomos questionados sobre a sua origem...

A origem do Tronco de Natal

Em tempos passados, existia na Europa uma tradição de levar um grande tronco para dentro de casa nesta época do ano. Essa prática pode ter sido baseada em rituais religiosos pagãos, que hoje estão quase completamente esquecidos, ou talvez tenha tido o simples propósito de se evitar sair de casa durante o tempo mais frio do ano. O facto é que essa tradição, de alguma forma, existiu na Europa desde a Idade Média e chegou até nós através de vestígios culturais, como o Tió de Nadal catalão ou o nosso próprio "Madeiro de Natal".

Com o tempo, especialmente após a Revolução Industrial, essa tradição caiu em desuso, e o bolo foi criado como uma forma de reviver o antigo "tronco". Num livro do final do século XIX encontrámos uma referência a esse doce sob o nome de "yuletide log", e a obra afirma que sua produção e venda não estavam restritas ao período de Natal. Isso sugere que o próprio tronco estava originalmente ligado ao Yule, um festival germânico celebrado no final de Dezembro e início de Janeiro, em homenagem aos deuses nórdicos. Embora não tenha sido possível descobrir todos os detalhes sobre o festival, é claro que essas celebrações estavam intimamente relacionadas aos rituais pagãos nórdicos!

Então, ao falarmos sobre a origem do tronco de Natal como bolo, podemos traçar uma breve história de seu surgimento. Parece que o antigo festival pagão do norte da Europa envolvia um grande tronco. Quando o tronco verdadeiro caiu em desuso, passou-se a confeccionar um bolo que simbolizava esse elemento. A ideia, que surgiu na Inglaterra - onde encontrámos a primeira referência ao próprio bolo - logo se espalhou para a França e, em seguida, para o resto da Europa (algo similar ao que aconteceu com o Bolo-Rei). E assim, hoje em dia o Tronco de Natal ainda pode ser encontrado com facilidade em diversas lojas, mas quase exclusivamente durante o período de Natal, como cada vez menos pessoas a se interrogarem sobre a sua invulgar origem em tradições de outros tempos...!

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23 de Dezembro, 2024

A lenda de Santo Eustáquio de Roma (e São Humberto de Liège)

A lenda de hoje prende-se não só com Santo Eustáquio de Roma, mas também com um animal que surge no centro da sua história. Isto porque, como pode ser visto na imagem abaixo, bem como na iconografia habitual deste santo, ele é habitualmente representado na companhia de um veado, levando um dos nossos leitores na Suíça a pensar, nos seus tempos de meninice, que a figura venerada não era o ser humano, mas sim o próprio animal. Infelizmente, estava errado - este não é outro estranho santo, como o cão São Guinefort, mas apenas uma figura humana como tantas outras.

A lenda de Santo Eustáquio de Roma

Diz-se então que este homem romano, nascido com o nome de Plácido, viveu no segundo século da nossa era, altura em que foi um dos generais do imperador Trajano. Um dia, enquanto caçava num qualquer bosque, deparou-se com um majestoso veado, e foi capaz de ver uma cruz de luz divina entre os seus chifres. Dessa cruz, este homem ouviu uma voz completamente misteriosa, que o instou a mudar de vida, sob pena de ir parar ao Inferno. Então, Plácido converteu-se ao Cristianismo, adoptou o novo nome de Estáquio, e passou por muitas outras aventuras, semelhantes às de um romance, com encontros e desencontros da sua mulher e filhos, até que acabou por se tornar mártir já no tempo do imperador Adriano, por se recusar a sacrificar aos deuses ditos pagãos.

 

Poderia parecer-nos uma história ficcional como tantas outras, salvo a referência aos dois imperadores, mas ainda assim este relato, com algumas pequenas alterações, foi depois transportado para tempos da Idade Média e associado também a São Humberto de Liège. As histórias de ambos são quase iguais, incluíndo o curioso pormenor do veado que é encontrado na floresta... mas, apesar da paixão de ambos os homens pela caça, esta associação ao curioso animal levou a que ambos fossem considerados como padroeiros dessa mesma arte. É até um pouco irónico, se quisermos considerar que a história aqui em questão parece indicar que o grande pecado de Santo Eustáquio de Roma (ou de São Humberto de Liège) era o de caçar animais, criaturas de Deus, e portanto podem agora ambos ser evocados por quem quiser continuar a propagar esse suposto "pecado". Como? Porquê? É um tanto ou quanto estranho... mas as crenças católicas têm destas coisas, destes estranhos problemas que vão surgindo de uma leitura excessiva e/ou informada das histórias, ocasionalmente ficcionais ou readaptadas ao longo dos séculos (como no caso de Santa Iria). Esta é, porém, uma daquelas situações em que já poucos parecem acreditar que os eventos que nos apresentam foram reais, até porque não há provas significativas da perseguição aos Cristãos no tempo de Trajano e Adriano...

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16 de Dezembro, 2024

A lenda do Carvalho Santo

Para este mês de Dezembro de 2024 temos ainda reservadas três histórias religiosas que já muito poucos conhecerão nos nossos dias. Assim, falar de uma lenda do Carvalho Santo é até um pouco problemático, porque não é fácil distinguir os contornos reais dos que são puramente fictícios nesta breve história. Ela já foi muito conhecida em outros tempos, ao ponto de ter merecido artigos nos mais diversos jornais, mas hoje já muito pouco resta, excepto uma breve memória entre os cidadãos de Araújo, em Leça do Balio, a poucos quilómetros do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.

Um local próximo do desta lenda do Carvalho Santo

Diz-se então que num dado dia de Abril de 1895 as terras próximas à actual Igreja de São Pedro do Araújo sofreram enormes cheias. As águas arrastaram de tudo um pouco, incluindo um enorme e belo carvalho que aí existia. O curioso, no entanto, foi que esta árvore não tombou, nem pareceu sofrer qualquer espécie de dano significativo, durante toda a intempérie - em vez disso, foi apenas transportada pelas águas para outro local, como se de um animal em movimento se tratasse, até parar sem qualquer intervenção externa. E, quando isso aconteceu, brotou também uma pequena fonte no mesmo local em que a árvore parou, que os cidadãos locais depressa se aperceberam que tinha - ou parecia ter - a capacidade de curar todo um conjunto de maleitas. Rapidamente surgiram todo um conjunto de oportunidades de negócio na região, com as tais águas - as verdadeiras, ou mesmo as falsificadas que depois lá apareceram - a serem vendidas a valores muitíssimo inflacionados. Não descobrimos o que aconteceu posteriormente a esse miraculoso líquido que brotava do local, mas o que se sabe é que passado cerca de um ano o carvalho morreu e se diz que o escultor Celestino Queirós foi contratado para utilizar a madeira da outrora-famosa árvore para fazer uma estátua da Nossa Senhora dos Remédios. Porquê essa figura? Pura e simplesmente porque então se pensava só poder ter sido ela a grande responsável por todos estes milagres, numa espécie de visão redutora da teologia cristã, em que apenas essa versão da Virgem Maria era responsável pelas muitas curas miraculosas do povo.

 

O que aconteceu a essas miraculosas águas? Onde está agora a estátua que deve ter sido criada nessa época? Sobre as primeiras, a paróquia - que gentilmente nos respondeu, e a quem muito agradecemos - foi-nos dito que era "crenças por sugestão das pessoas do que por devoção. Não existem factos comprovados", sugerindo que elas, na verdade, nada tinham de especial.

Sobre a segunda, presumimos que a estátua ainda exista e se tratasse da mesma que pode ser vista na imagem ali de cima, mas a paróquia informou-nos que, e cite-se, "não existem registos de que a imagem que se encontra na nossa igreja tenha sido feita com madeira do carvalho santo." Portanto, das três, uma - ou se perderam os registos da estátua original; ou ela nunca foi feita, porque já jornais da época sugeriam que a colecta de dinheiros para se criar uma nova igreja, e respectiva estátua, não era muito fidedigna. Talvez por isso nada reste do carvalho que se considerava miraculoso, com excepção do seu nome, como aquele panfleto das festas locais permite perceber, em que a referência à própria árvore é demasiado secundária face ao nome da santa mãe de Cristo. E mais não podemos dizer, hoje em dia, sobre toda esta história...

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09 de Dezembro, 2024

Cinco perguntas a... #3- um Pai Natal de Centro Comercial!

Se estamos na altura do Natal, achámos que seria apropriado tentar entrevistar o Pai Natal, aquela figura com origem no São Nicolau da Antiguidade. Nesse sentido, seria muito fácil criar uma versão fictícia de um possível diálogo entre nós, como já tantas outras pessoas fizeram antes, mas em alternativa a isso queríamos era fazer algo muito mais real. Queríamos falar com alguém que nos pudesse contar como é a experiência de um Pai Natal dos nossos dias, de uma daquelas figuras parcialmente anónimas que por esta altura podemos ver aqui e ali. Elas são de carne e osso, e então decidimos que queríamos entrevistar uma delas. O que se seguiu foi um processo quase maçónico, repleto de múltiplos secretismos que não podemos divulgar aqui, mas lá conseguimos encontrar um representante da classe disposto a responder-nos a cinco perguntas, sob completa anonimidade (a imagem abaixo é meramente ilustrativa). Sentámo-nos num café e as seguintes perguntas e respostas tiveram lugar:

Entrevista a um Pai Natal de Centro Comercial

1- Como é que uma pessoa se torna um Pai Natal de Centro Comercial?

Ser Pai Natal de um Centro Comercial não é algo que se decida de um dia para o outro, sabia? Normalmente, começa com um recrutamento feito pelo próprio centro comercial ou por empresas especializadas em eventos natalícios. Eles procuram pessoas com uma certa personalidade - amistosas, pacientes e que saibam lidar bem com crianças e adultos.
Depois disso, há um treino. Pode parecer simples, mas ser Pai Natal exige dedicação! Ensina-se a postura, como falar de uma forma amistosa, e até como lidar com perguntas mais difíceis, como "Por que é que há tantos Pais Natais no shopping?" ou "Pai Natal, o que aconteceu com o meu presente no ano passado?" É preciso muita criatividade!
Outro ponto essencial é a caracterização: uma boa barba, um fato impecável e aquele "oh oh oh" que tem de vir do coração. Alguns de nós até investem em barbas reais para dar mais autenticidade! Normalmente, é uma mistura de amor ao Natal e uma vontade de espalhar alegria que leva alguém a abraçar este papel mágico.

 

2- Trata-se, portanto, de um papel sazonal. O que fazem no resto do ano?

Exactamente, é um papel sazonal, mas isso não significa que ficamos a descansar na Lapónia durante o ano! No resto do tempo, muitos de nós têm outras profissões ou ocupações. Alguns são actores, animadores ou educadores que utilizam as suas habilidades para trabalhar em eventos, festas e até espetáculos. Outros têm trabalhos completamente diferentes — desde escritórios, até profissões de âmbito muito mais técnico, veterinários, etc.!

 

3- Mas então, enquanto Pai Natal, certamente que recebe muitos pedidos de crianças e jovens. Qual foi o mais bonito e o mais triste até hoje?

É verdade, recebo todo o tipo de pedidos, e cada um deles carrega um pedacinho da alma de quem o faz. Alguns fazem rir, outros tocam profundamente o coração deste velho barbudo. Vou partilhar dois momentos que nunca esquecerei.

O pedido mais bonito veio de uma menina, talvez com uns sete ou oito anos. Ela sentou-se no meu colo, olhou-me nos olhos e disse:
"Pai Natal, este ano não quero brinquedos. Só quero que o meu irmão volte a andar para que possamos brincar juntos no parque."
O irmão tinha sofrido um acidente, e ela, em vez de pensar em si mesma, só queria vê-lo feliz outra vez. A pureza daquele desejo encheu-me o coração e, confesso, tive de engolir as lágrimas para não estragar a magia do momento.

 

Já o pedido mais triste foi de um rapazinho de uns 10 anos. Ele disse baixinho:
"Pai Natal, podes trazer o meu pai de volta para o Natal? A minha mãe diz que ele está muito longe, mas eu acho que tu consegues."
Percebi rapidamente que o pai tinha falecido, mas o menino ainda não entendia bem o que isso significava. Foi um daqueles momentos em que o meu coração pesou como uma bigorna. Tudo o que pude fazer foi dar-lhe um grande abraço, dizer que o amor do pai dele nunca o deixaria e que ele era muito corajoso por fazer um pedido tão importante.

Estes momentos mostram-nos que o papel do Pai Natal vai muito além de distribuir sorrisos e presentes. É estar lá para ouvir, confortar e espalhar um pouco de esperança, mesmo nas situações mais difíceis.

 

4- Essas respostas mostram um pouco de um Natal que não é a dos presentes físicos e do consumismo hoje tão habitual, mas do nascimento de Jesus Cristo. Em termos mais religiosos, como é que essa face do Natal tem impacto no papel da figura que representa?

Essa é uma pergunta profunda e muito importante! O Natal, no seu sentido mais puro, celebra o amor, a esperança e a renovação que vêm com o nascimento de Jesus Cristo. Como Pai Natal, apesar de muitas vezes estar associado aos presentes e ao consumismo, tento sempre refletir esses valores mais espirituais e universais no meu papel.

Sabe, muitas crianças e até adultos vêm falar comigo não apenas de brinquedos, mas de coisas que têm a ver com a união da família, com a paz, e até com as suas preocupações mais pessoais. Esses momentos trazem-nos de volta à essência do Natal — a ideia de dar sem esperar nada em troca, de olhar para o outro com compaixão e de acreditar em algo maior, seja Deus, seja o amor ao próximo.

A figura do Pai Natal, apesar de moderna, carrega raízes que vêm de São Nicolau, um santo conhecido pela sua generosidade e pelo cuidado com os mais necessitados. Penso muito nisso quando estou no meu "trono", com crianças e famílias à minha volta. Procuro ser não apenas uma figura de alegria, mas também de conforto e inspiração, transmitindo os valores que o Natal nos ensina: bondade, perdão, solidariedade.

Muitas vezes, quando me perguntam por que razão celebramos o Natal, aproveito para lembrar, de forma simples e acessível, que é o aniversário de Jesus, aquele que nos trouxe o maior presente de todos: o amor incondicional. Não é algo que digo com sermões ou discursos longos, mas com gestos, palavras de carinho e atenção. No fundo, o Pai Natal pode ser uma ponte entre o que é material e o que é espiritual, ajudando as pessoas a lembrarem-se do que realmente importa. Oh oh oh! Que bela reflexão!

 

5- "Bela reflexão", é verdade! Mas então... para terminar, poderia contar-nos três mitos ou lendas associados ao Natal que tenha ouvido no decurso do seu papel?

Claro que sim! Ao longo dos anos como Pai Natal, ouvi tantas histórias que poderia escrever um livro! Mas vou escolher três lendas que acho particularmente bonitas e que refletem o espírito do Natal de formas diferentes.

 

Esta lenda vem da Europa de Leste, especialmente da Ucrânia. Diz-se que uma família muito pobre limpou a casa inteira antes do Natal, mas, infelizmente, não tinha como decorar a árvore. Durante a noite, enquanto dormiam, as aranhas que viviam na casa desceram e cobriram a árvore com as suas teias. Na manhã de Natal, quando o sol nasceu, os raios transformaram as teias em fios dourados e prateados, como se fossem ornamentos mágicos. É por isso que, em algumas culturas, as pessoas colocam ornamentos de aranha ou teias brilhantes nas árvores, como símbolo de sorte e de bênçãos inesperadas. [Esta mesma lenda já aqui foi contada antes.]

 

Uma história menos conhecida mas muito tocante vem de um aldeão que tinha perdido tudo num incêndio pouco antes do Natal. Sem família e sem nada para comemorar, ele sentou-se ao lado da sua lareira fria e rezou. Durante a noite, diz-se que um viajante misterioso chegou e deixou uma pequena pilha de lenha à porta. Quando o aldeão acordou e acendeu a lareira, encontrou, entre as chamas, uma pequena caixa de madeira. Dentro estava uma mensagem: "O calor do teu coração iluminará o mundo." Inspirado por isso, ele passou o resto da vida ajudando os necessitados, tornando-se uma lenda local de bondade natalícia.

 

Este é um mito que mistura a tradição cristã com a imaginação popular. Conta-se que, na noite do nascimento de Jesus, o burro que acompanhava Maria ficou tão comovido com o evento que começou a cantarolar suavemente para embalar o Menino. É por isso que, em algumas culturas, se diz que os burros têm uma ligação especial com o Natal. Além disso, há uma crença de que a cruz nas costas de muitos burros é uma bênção divina por terem levado Maria e o Menino em segurança. [Já aqui contamos outra lenda sobre este mesmo burro.]

 

Estas lendas mostram como o Natal está envolto em magia, simbolismo e fé. E, enquanto Pai Natal, adoro ouvir as versões locais ou pessoais que as pessoas trazem. Afinal, as histórias são o que tornam o Natal ainda mais especial! Oh oh oh!

 

Muito obrigado, "Pai Natal", pelo tempo disponibilizado para estas cinco perguntas! Sentimos que foi muito interessante, esta possível entrevista com um Pai Natal de Centro Comercial, e esperamos que os leitores também tenham gostado dela. Ainda não iremos "desaparecer" até ao fim do ano, deixe-se claro, mas ainda assim queríamos aproveitar esta oportunidade singular para desejar já um Bom Natal a todos aqueles que nos vão lendo ao longo do tempo! :)

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06 de Dezembro, 2024

Qual é a origem do Bolo-Rei?

Chegámos àquela altura do ano em que é habitual falar-se de temas mais natalícios, e este ano decidimos então abordar a origem do bolo-rei. Já cá falámos sobre a sua famosa fava, bem como da igualmente natalícia Lampreia de Ovos. Contudo, é curioso que, em todos estes anos, ainda não tenhamos explorado este tema essencial - uma lacuna que hoje corrigimos com prazer!

Origem do Bolo-Rei: história e curiosidades

Não há grandes dúvidas de que o bolo-rei nacional tem a sua origem no gâteau des rois, ou "Bolo dos Reis", francês, até porque este doce já incluía uma prenda de porcelana e uma fava. Até aqui, ninguém parece levantar grandes questões, e o bolo parece ter chegado a Portugal após as Invasões Francesas (no século XIX), aparentemente por via da lisboeta Confeitaria Nacional. Mas o problema está em tudo o que rodeia este bolo tão especial - afinal, qual é a verdadeira origem do nome?

  • Será que ele vem de ser um bolo habitual para celebrar o Dia de Reis, a 6 de janeiro, como ainda se faz em Portugal?
  • Poderá o nome derivar da sua forma circular, que lembra uma coroa real?
  • Será que o uso abundante de frutas simbolizava a riqueza dos monarcas?
  • Ou estará relacionado com um antigo ritual em que a pessoa que recebia a fava era considerado o "rei" ou "imperador"?
  • Etc...

 

Curiosamente, as tentativas de alterar o nome deste bolo após a queda das monarquias, tanto em França como em Portugal (por cá chegou a ser conhecido como "bolo presidente", "bolo republicano" ou "bolo Arriaga" - em referência a Manuel de Arriaga, presidente da altura - entre outros...), sugerem que ele estava realmente associado a um rei terreno, e não a uma figura bíblica (como os Reis Magos ou Cristo Rei). No entanto, não há uma explicação definitiva e consensual para a origem do nome. Existem, isso sim, várias lendas associadas ao bolo-rei, incluindo uma que o liga à Saturnália dos Romanos. Mas, se esta ligação fosse contínua, deste os tempos da Antiguidade até aos nossos dias, como explicar o desaparecimento cultural do bolo durante séculos e o seu aspeto tão moderno?

 

Embora as questões sobre a origem do bolo-rei permaneçam sem uma resposta clara, há um facto interessante a considerar: em França, existe não só o Gâteau des Rois, semelhante ao nosso bolo actual, mas também a Galette des Rois (ou "Tarte dos Reis"), que é menos elaborada visualmente. A distinção parece ter nascido num tempo em que, supostamente, um conflito entre pasteleiros e padeiros franceses deu origem a dois bolos distintos. Isso sugere que a Galette des Rois era o bolo original, enquanto o Gâteau des Rois, mais decorado e talvez criado para atrair uma nova audiência, surgiu depois. Se fosse o contrário, seria estranho que os novos criadores oferecessem ao público algo menos impressionante que os seus predecessores. Talvez essa confusão tenha contribuído para a perda do significado original do bolo, que parece ter sido um doce francês de grande importância cultural para o Dia de Reis... mas isso é apenas uma teoria nossa!

 

Em suma, qual é a origem do bolo-rei, tal como o conhecemos hoje em Portugal? O que é absolutamente certo é que ele veio de França para o nosso país no século XIX. Contudo, a derradeira origem do seu congénere francês permanece um mistério, sendo apenas seguro que estava relacionada com o Dia de Reis cristão.

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02 de Dezembro, 2024

Porque usamos os números árabes? O "Liber Abaci"!

Perguntar porque usamos os números árabes em Portugal, e nas civilizações ocidentais, é algo em que as pessoas pouco pensam hoje em dia. Sim, até (ainda) aprendemos os números romanos na escola, e eles ainda nos levantam algumas questões - o 4 deve ser escrito IV ou IIII, como devemos o escrever mil, etc. - mas a pura existência de dois sistemas numéricos levanta a ideia de que terá existido um período em que uns deixaram de ser utilizados e outros passaram a sê-lo. É evidente que isto não aconteceu de um dia para o outro, nunca houve um momento específico em que alguém dissesse "hoje escrevemos III mas amanhã vamos passar a escrever 3", mas então... porque passámos a utilizar esses novos algarismos em oposição aos que o Império Romano utilizou durante séculos?

 

A resposta passa por um homem chamado Leonardo de Pisa, mas que ficou mais conhecido historicamente pelo nome de Fibonacci. O seu pai era um mercador, tinha de viajar bastante por motivos profissionais, e então em dada altura da sua vida o jovem deu por si na antiga cidade de Bugia, na Algéria, onde aprendeu os números árabes. Ele parece ter notado que esses outros números tinham diversos benefícios face aos números dos romanos, e então por volta dos seus 30 anos de idade, no ano de 1202, escreveu um livro sobre eles que nos ficou conhecido como o Liber Abaci, ou seja, o "Livro dos Cálculos".

Porque usamos os números árabes? O "Liber Abaci"!

Acima podem ser vistos dois momentos deste Liber Abaci. No primeiro, acima da linha cinzenta, pode ser vista a primeira utilização significativa daquilo a que chamou as "figuras dos árabes" numa obra da Europa Medieval, na sequência "9 8 7 6 5 4 3 2 1", a que depois o autor acrescenta o zero, "[0] a que árabes chamam zephir."

Um pouco mais abaixo, depois da linha cinzenta, pode ser vista uma tabela comparativa de alguns números romanos com os árabes, com intenção de mostrar, por exemplo, que era mais fácil escrever 4321 do que MMMCCCXXI, ou 3020 do que MMMXX. E sim, claro que isto é muito interessante, mas ambas as sequências vêm do primeiro capítulo da obra, em que Fibonacci pretendeu demonstrar o interesse destes caracteres... e, portanto, na verdade de que mais fala este seu Liber Abaci?

 

É um daqueles livros que mudaram mesmo o mundo, mas que já quase ninguém lê nos nossos dias, à semelhança do Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo (de Galileu), ou da obra Da Revolução das Esferas Celestes (de Copérnico). Visto que é de difícil acesso - não é propriamente possível ir a uma livraria dos nossos dias e comprar uma cópia desta curiosa obra - podemos então esclarecer o seu conteúdo. O Liber Abaci começa por esta apresentação dos números árabes, antes de se focar em explicar como realizar as quatro operações - multiplicação, soma, subtracção e divisão - com eles. Prossegue demonstrando os benefícios que tudo isto tinha para as transacções comerciais (relembre-se que Fibonacci estudou estes temas precisamente por razões comerciais), antes de se focar em alguns problemas matemáticos, terminando ao demonstrar como tudo isto podia ser utilizado na Geometria. Para nós, hoje, algumas destas sequências são mais interessantes do que outras, mas a puro título de curiosidade merece ser parafraseado aqui um exemplo de problema matemático constante na obra:

Suponha-se que um casal de coelhos dá à luz um outro a cada novo mês, e começa a fazê-lo apenas um mês após o seu nascimento - quantos coelhos terá o seu dono após o período de um ano? No início existe apenas um casal, no final do primeiro mês existem dois, do segundo três, do terceiro cinco, do quarto oito... até que, ao final do período de doze meses, ou um ano, existem 377 casais de coelhos!

 

Interessante, não é? Claro que estas mesmas contas também já antes poderiam ser realizadas com  recurso aos números romanos, mas ao mostrar (muitos) exemplos como estes, o que Fibonacci pretendia fazer no seu Liber Abaci era demonstrar que elas eram muito mais fáceis de realizar com os números árabes. Como é natural, 19 - 1 = 18 ocupava menos espaço, e era muito menos complexo, do que estar a pensar em coisas como XIX - I = XVIII, até porque implicava alterar somente um dígito!

 

Então, e em suma, porque usamos os números árabes? Devemo-lo essencialmente a Fibonacci, em inícios do século XIII, por ter demonstrado no seu Liber Abaci que a utilização deste outro sistema, por oposição ao dos números romanos, era muito mais simples e resolvia diversos problemas do sistema anterior, tendo até múltiplos benefícios para os negócios, para os governos, para os cidadãos privados nos seus problemas diários, etc. E, se assim o era, porquê continuar a utilizar os sistemas mais antigos? Não havia qualquer boa razão para tal, e por essa razão os números árabes foram progressivamente substituindo os seus antecessores na cultura ocidental...

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