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Mitologia em Português

20 de Junho, 2022

A criação na Mitologia Coreana

Falar sobre a criação na Mitologia Coreana, no seu momento inaugural, é provavelmente um dos desafios mais complexos que já passaram por este espaço. Isto porque, segundo todas as fontes que consultámos e todos os coreanos com que falámos, nos foi dito que nenhuma fonte literária primária antiga fala de qualquer espécie de criação do universo e do nosso mundo (se hoje até existem relatos do episódio, são muito mais recentes e foram criados para colmatar essa falha original). É certo que terá existido uma, potencialmente composta por uma mescla de crenças hindus, budistas e taoistas, mas o grande problema é que nenhum texto que nos chegou preserva essa criação tal como se pode depreender que ela tomou lugar. Em alternativa, o que acontece é que a cronologia mitológica coreana, tal como nos chegou, começa com um conjunto de episódios em que está claro que já existiram várias criações substantivas, mas sobre as quais absolutamente nada nos é dito. Como tal, é com base nesses episódios que são escritas as linhas de hoje.

A criação na Mitologia Coreana

Conta-se que um dia Hwanung, o filho do Rei dos Céus, olhou para baixo e viu a belíssima península que um dia viria a ser a Coreia. Cativado por essa enorme beleza, pediu a seu pai autorização para descer do reino em que viviam, mas este estava relutante em deixar que isso tomasse lugar. Acabou por ser convencido, e então Hwanung desceu dos céus, juntamente com os seus barões da chuva, das nuvens e do vento, e estabeleceu-se na zona, posteriormente ensinando aos seres humanos todas as artes, começando com a da Agricultura.

Um dia, uma ursa e um tigre aproximaram-se deste deus, pedindo-lhe que fossem transformados em seres humanos. Insistiram muito no pedido, até porque Hwanung estava relutante em concedê-lo, até que esse deus lhes fez uma oferta irrecusável - se conseguissem viver no interior de uma caverna durante 100 dias, sem nunca verem a luz do sol e comendo apenas alho e artemísia (i.e. uma espécie de planta), ele transformá-los-ia em seres humanos. As fontes não são completamente claras no que aconteceu imediatamente a seguir, mas é dito que a ursa se transformou em mulher após apenas "três vezes sete dias", enquanto que o tigre depressa se chateou com a tarefa e saiu da caverna, mantendo para sempre a sua forma de animal.

O tempo foi passando, e a mulher - agora chamada Ungnyeo, i.e. mulher-ursa - que um dia tinha sido uma ursa começou a sentir-se cada vez mais sozinha e triste. Pediu então a Hwanung que lhe desse um companheiro, e então este deus, movido por uma grande compaixão, transformou-se em homem, casou com ela e gerou-lhe um filho, Dangun, que veio posteriormente a criar o primeiro de todos os reinos da Coreia.

Ungnyeo, a primeira mulher da mitologia coreana

A falarmos de uma criação na Mitologia Coreana, este é o período mitológico mais antigo a que ainda temos acesso, com a descida dos céus de Hwanung e a fundação de aquela que pode ser considerada a primeira civilização que ocupou a península da Coreia. É natural que levante bastantes questões - por exemplo, quem criou a terra e os animais? Como sabiam o tigre e a ursa da existência de seres humanos? - mas, muito infelizmente e como já frisado acima, as fontes literárias que nos chegaram já nada contam sobre isso.

Ainda assim, há um pormenor curioso em toda esta história - se existem, nos mitos da Coreia, diversas outras histórias em que ursos se transformam em seres humanos, ou vice-versa, nos exemplos em que surgem tigres eles parecem ser sempre considerados como simples animais, que apesar do seu natural poder físico não sofrem transformações. Será pura coincidência, ou uma alusão a este primeiro mito? Não o conseguimos descobrir até à presente data.

 

Mas toda esta história da criação na Mitologia Coreana ainda não fica por aqui. Conforme já aludido acima, existem todo um conjunto de elementos nos mitos da Coreia antiga que nos remetem para crenças hindus, budistas e taoistas. Nesse sentido, é possível que o pai de Hwanung tenha sido, originalmente, aquele deus a que na Índia chamam Indra, também ele "rei dos céus" e a que já cá fizemos uma alusão anteriormente. Nos mitos hindus esse deus, originalmente muito pujante, foi perdendo importância ao longo dos séculos, face a figuras como Vishnu, Shiva ou Ganesha, mas esta interrelação poderá indicar que em tempos mais antigos os mitos coreanos tiveram alguma espécie de criação, uma com contornos mitológicos semelhantes aos dos seus vizinhos. Não sabemos como era, mas as fontes que ainda temos permitem depreender que foi sendo abandonada devido a um conteúdo que poderíamos descrever sucintamente como incrível ou inacreditável. E mais que isso já não nos é possível conhecer neste momento...

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