A defesa de Cecília Faragó e a refutação da magia
Em meados do século XVIII uma mulher que vivia na Córsega, de seu nome Cecília Faragó, foi acusada de praticar magia e de ter morto um padre por essas suas supostas artes mágicas. Este poderia ser um caso como tantos outros do passado, não fosse o facto de Giuseppe Raffaelli ter decidido escrever sobre toda a estranha situação, numa obra que depois até foi traduzida para Português.
É através dessa obra que sabemos mais sobre toda a situação, e no seu contexto dizer que Cecília Faragó foi acusada de feitiçaria é muito redutor. Talvez seja mais correcto dizer-se que ela se encontrava, após a morte do seu filho, num disputa de heranças com alguns párocos, e estes decidiram acusá-la de praticar magia como mero subterfúgio para resolverem toda a situação e anteciparem a sua recompensa de mais algum vil metal. Por isso, os acusadores decidiram argumentar que enquanto Cecília Faragó estava a rezar no altar, um padre que tocava órgão e cantava ficou sem voz. Clara magia, não é?!
Parece ter sido para mostrar o absurdo de toda esta situação que Giuseppe Raffaelli escreveu o seu texto, dividido em três grandes capítulos. O primeiro, e provavelmente o mais famoso e interessante, refuta que a magia nefasta exista verdadeiramente. O segundo mostra que o padre, o mesmo que Cecília Faragó supostamente matou, morreu por simples negligência médica. Já o terceiro foca-se em mostrar que a acusada não tinha quaisquer poderes mágicos.
Por isso, somos levados a perguntar - será que Cecília Faragó era mesmo uma feiticeira? Há um argumento no terceiro capítulo que é completamente demolidor de toda a acusação - se ela tinha mesmo poderes mágicos, porque os utilizou contra um padre com o qual não tinha qualquer disputa, em detrimento de o fazer com os dois párocos que tanto a molestavam? Ou, se preferirem um argumento mais religioso, se a magia realmente existia porque teria Deus permitido a sua utilização no mesmíssimo local que era tantas vezes ocupado pelo metafórico Corpo de Cristo? Face a argumentos como esses depressa se torna claro que a acusação desta mulher não se devia a qualquer prática mágica, mas sim a um mero interesse económico dos acusadores.
Uma outra obra da mesma época tem uma frase perfeita sobre todo este tema - "a Arte Mágica é a Arte da Comedoria", i.e. de enganar os outros para proveito próprio, mas mesmo assim continua a existir ainda hoje gente menos informada que acredita na feitiçaria, no tarot, nas cartomantes e em outras coisas que tais. Seguindo as palavras de Cícero, não podemos deixar de nos interrogar como é possível que dois "adeptos" dessas artes não se riam, quando se cruzam num qualquer caminho deste mundo...