A dupla lenda das Amazonas
Falar-se aqui da lenda das Amazonas dá-nos uma oportunidade invulgar de abordarmos duas histórias bastante distintas numa só publicação. Claro que elas andam de mãos dadas, de uma forma que já poucos parecem conhecer hoje em dia, mas a segunda delas só pode ser compreendida no seguimento da primeira, o que nos levou à evidente necessidade de as contar em associação. Para tal, comece-se então pelo início de toda esta história.
Nos mitos e lendas da Antiguidade Clássica existia uma estranha civilização que era conhecida pelo nome de Amazonas. Era composta exclusivamente por mulheres guerreiras, todas elas tão prolíferas nas artes da guerra como os seus congéneres masculinos. Depois, uma vez por ano, cruzavam o rio local (algures na Ásia Menor), aproximavam-se de um aldeia em que só existiam homens, e ora os violavam a todos, ora decidiam deixar nesse local todos os rebentos do sexo masculino que tinham sido dados à luz nos passados 12 meses.
Esta poderia uma história como tantas outras da mesma altura, de espécies estranhas que viviam em locais longínquos e raramente eram vistas pelos seres humanos (como os Blémias, os Centauros ou os Ciclopes), mas o notável é que estas Amazonas tinham, ocasionalmente, um papel em alguns dos mitos da Grécia Antiga - Teseu casou com uma, Hércules defrontou outra, Aquiles matou uma terceira na Guerra de Tróia, etc. Como tal, gerou-se uma ideia segundo a qual esse povo era verdadeiro, existia mesmo, potencialmente em terras da Ásia, mas ninguém sabia muito bem onde era esse local. Portanto, toda esta história foi ficando na mente de alguns, presa durante séculos entre ficção e realidade...
E assim poderia ter permanecido até aos nossos dias, não fosse algo que aconteceu com Frei Gaspar de Carvajal por volta do dia 24 de Junho de 1541. Nessa altura ele, juntamente com um pequeno grupo de soldados, explorava um rio que encontraram em terras do Brasil. Enquanto o faziam, foram atacados pelas flechas de um grupo de nativos locais. Entre vários homens, estes viajantes conseguiram ver algo que lhes pareceu muitíssimo digno de nota - aí se encontravam também ferozes mulheres guerreiras, que pareciam controlar os habitantes do sexo oposto como seus soldados... e então, estes viajantes concluíram tratarem-se certamente das Amazonas, aquelas figuras guerreiras de que apenas tinham ouvido falar nos mitos e lendas da Antiguidade... e por essa coincidência de carácteres pensaram também que aquele rio por onde viajavam era o presente nessas conhecidas histórias, levando, aparentemente, ao nome que ele ainda hoje tem - o Rio Amazonas (!), por pensarem que aí vivam, nesses meados do século XVI, as mesmas mulheres guerreiras que em outros tempos tinham defrontado figuras como Teseu e Aquiles!
O que eles encontraram não eram, como é óbvio, as Amazonas de que falavam os autores gregos e romanos da Antiguidade. Estes exploradores apenas viram o que queriam ver, nessa pura coincidência da fortaleza de espíritos, mas talvez tenha sido esse carácter forte das mulheres locais da época (por contraste com as ocidentais, então mais submissas), que terá levado àquela conotação negativa de rapariga no Brasil, como contámos anteriormente. É debatível. Já o nome do rio, esse, parece sê-lo menos, fruto de um mito pagão da Antiguidade que não deixou de ir sendo relembrado ao longo dos séculos...