Sobre a Inscrição Fenícia da Paraíba
A chamada Inscrição Fenícia da Paraíba, a que dedicamos as linhas de hoje, tem um lugar breve mas curioso na história e cultura do Brasil. Se ela fosse completamente verdade - e já lá iremos... - provaria, sem margem para grandes dúvidas, que foram os Fenícios os primeiros Ocidentais a chegarem às terras da América do Sul. O que seria muito interessante, como é natural, mas a verdadeira questão é... seria verdade, ou tratava-se tudo de uma falsa e completa invenção? Recorde-se a sua história, antes de tudo o mais.
Em 1872, um tal Joaquim Alves da Costa - se era verdadeiramente esse o seu nome... - comunicou por carta a uma academia científica local o facto de ter encontrado na sua quinta, na zona de Paraíba, uma inscrição estranha entalhada numa rocha. Supostamente, depois pediu a um filho, que até tinha jeito para este tipo de coisas, para copiar os caracteres que lá estavam, o que gerou uma folha de papel com um conteúdo como este, enviado à tal academia:
Posteriormente, um tal Ladislau Netto viria a descobrir e proclamar que isto era Fenício, gerando a sugestão de terem sido eles os primeiros a chegar ao Brasil, e até traduziu o conteúdo desta chamada inscrição fenícia do Paraíba com as seguintes palavras:
“Foi erguida esta pedra pelos Cananeus Sidónios, que da cidade real a comércio saíram”
“sem mim pela (?) remota terra montanhosa e árida, escolhida dos deuses”
“[e?] deusas no ano nono e décimo (décimo nono?) de Hiran nosso rei poderoso”
“e sairam de Aziongaber no Mar Vermelho e embarcaram gente em navios dez”
“e estiveram no mar, juntos, anos dois ao redor da terra da África, e foram separados”
“do comandante e se desligaram de seus companheiros e chegaram aqui duas vezes (doze?)”
“homens e três mulheres, nesta costa ignota que eu servo de Astarte poderosa (Mutuastarte infeliz?)”
“tomei em penhor. Os deuses e deusas tenham de mim compaixão”.
Wow. Impressionante, não é?! Parece que os tais Fenícios foram os primeiros a chegarem a terras do Brasil (!) - e esta Inscrição Fenícia da Paraíba supostamente prova-o!
Mas... depois, os outros estudiosos foram-se apercebendo de alguns problemas mais ou menos importantes em tudo isto. Falar de todos eles escapa ao tema (introdutório) de hoje, mas ninguém conseguiu encontrar aquele tal Joaquim Alves da Costa, até porque ele não tinha incluído qualquer morada na carta que enviou. E pior - não só ele nunca foi encontrado, como aquela pedra onde era suposto estar esta inscrição também nunca foi vista por mais ninguém, algo mais que suficiente para tudo isto cheirar a esturro a qualquer pessoa que seja mais ou menos independente de possíveis interesses locais na questão. E torna-se ainda pior - ao longo do tempo as pessoas também se foram apercebendo que algo de estranho se passava com Ladislau Netto, como se tivesse sido ele, muito convenientemente, a escrever aquela primeira carta, apenas para depois se auto-representar como o decifrador das respectivas letras e ganhar a sua fama.
Terá sido verdade? Será que foi Ladislau Netto que falsificou a Inscrição Fenícia da Paraíba, reproduzida ali em cima, para seu próprio benefício? Ouvimos e lemos respostas afirmativas e negativas. É discutível. O que não o é, no entanto, é que desde aquele ano de 1872 até à presente data ninguém mais viu esta suposta pedra na primeira pessoa, que muito poderia provar sobre uma possível antiga presença fenícia no Brasil, nem o seu suposto dono, fazendo crer que ambos nunca existiram. Pelo menos no caso da nossa Estátua da Ilha do Corvo, que também poderia comprovar algo de semelhante nas ilhas atlânticas, são várias as provas de que ela poderá ter existido, existem pessoas reais que a viram, mas a pedra aqui em questão parece nunca ter existido fora daquela carta misteriosa escrita por um suposto Joaquim Alves da Costa...