A lenda de Hanuman e o sol
Se o deus Ganesha é provavelmente uma das figuras hindus mais famosas em território nacional, na Índia ele parece rivalizar em popularidade com um outro deus. Assim, achámos que hoje podíamos falar um pouco dessa outra figura muito conhecida, através da lenda de Hanuman e o sol.
Hanuman, o deus-macaco, é muito famoso do Ramayana, um poema épico de que já cá falámos anteriormente. A sua ligação a Rama, um dos avatares de Vishnu, é, de facto, tão famosa na cultura hindu que este deus é frequentemente representado a mostrar que no seu peito bate não apenas um simples coração, mas o mais completo amor por Rama e Sita, como é bem evidenciado no mesmo épico. Mas se são os seus muitos feitos nessa guerra contra Ravana que parecem ter contribuído para a sua grande popularidade, também existe uma figura que os antecede, uma lenda que explica a origem dos seus famosos poderes, e que aqui decidimos recordar hoje.
Conta-se que quando Hanuman era ainda muito jovem a sua mãe* foi tomar banho num rio e deixou o menino-macaco na margem. Este, num misto de fome e gulodice, divertiu-se a comer frutos das árvores próximas, até que viu acima da sua cabeça um fruto como nunca tinha visto, algo que lhe parecia uma papaia gigante. Perguntou à sua mãe o que "aquilo" era, e ela, entendendo mal a questão, acenou-lhe com a cabeça e disse que ele podia apanhar mais frutas. E então, o menino decidiu dar um salto gigântico em direcção... ao sol (!), pretendendo comê-lo.
Face à estranheza da situação, ou imprudência da mesma, o deus Indra atirou o seu raio, atingiu Hanuman no queixo, e fez com que ele fosse precipitado para a terra. Depois, o seu pai adoptivo - Vayu, deus do vento - interviu entre os deuses, pedindo-lhes primeiro, e como que forçando-os depois (sob pena de deixar de soprar no mundo), que poupassem a vida do menino. Assim, ele foi trazido de volta à vida e cada uma das entidades divinas deu-lhe parte dos seus poderes - por exemplo, Agni, deus do fogo, deu-lhe invulnerabilidade a esse elemento; Varuna, [aqui] deus das águas, fê-lo invulnerável também a elas; Vayu deu-lhe a velocidade do vento; e assim por diante.
Quando ao menino acordou, como de um sonho, sentiu-se diferente, e pouco depois apercebeu-se dos seus novos poderes. Fez muitas traquinices com eles, até que os deuses decidiram impor-lhe um castigo, levando-o a esquecer-se dos seus poderes até que alguém o relembrasse deles... o que só veio a acontecer muitos anos mais tarde, numa história que ficará para outro dia!
Para um ocidental, o mais notável nesta lenda de Hanuman e o sol é provavelmente o facto de ela ajudar a explicar o nome do deus. Se a origem do nome que adoptou nessa altura não é exactamente clara, ele é frequentemente interpretado como significando algo como "aquele que tem o queixo magoado" - ou ferido, naturalmente pelo ataque de Indra de que fala toda esta história.
Mas não só. Se o mesmo deus tem um papel importante no Ramayana, sendo uma das suas personagens principais, as suas aventuras prolongam-se muito além dessa história. Ele também aparece no Mahabharata, num papel muito menor, bem como em outras lendas que são independentes desses dois grandes polos da literatura hindu - e diz-se até que o deus, tornado imortal pelos poderes que lhe foram dados, ainda está neste mundo e habita algures em terras da Índia. Por isso, se algum dia lá forem, cuidado com os macacos, porque nunca se sabe se algum deles não será este deus disfarçado...
*- Se a mãe dele era uma macaca nesta altura, era-o apenas porque foi condenada a tal numa existência anterior, para que pudesse expiar as suas paixões do corpo. Assim se explica o aspecto muito singular do deus - ele não se "tornou" macaco, como aconteceu no caso da lenda da cabeça elefantina de Ganesha, nasceu assim e sempre o foi!