A lenda de Kaguya e o Monte Fuji
A lenda de Kaguya vem-nos de terras do Japão. É conhecida sob vários nomes diferentes, mas damos-lhe este em particular pelo facto de, entre várias versões que encontrámos, a princesa com este nome e o início da sua história serem os seus grandes elementos constantes. Nesse sentido, contamos duas versões, cuja ligação ao famoso Monte Fuji depressa se tornará evidente:
Na primeira versão, um cortador de bambu estava a trabalhar quando encontrou uma mulher belíssima, a quem chamou Kaguya (i.e. "brilhante"), e que adoptou como se fosse sua filha. À medida que ela foi crescendo, tornou-se cada vez mais bela e acabou por atrair incontáveis pretendentes. Casou, e foi feliz até ao dia em que os seus pais falecerem. Depois, revelou a estranha verdade ao seu marido - ela não era um ser terreno, mas a divindade do Monte Fuji, que tinha sido enviada para trazer alguma felicidade ao casal de falecidos (para outro exemplo deste estranho tema, ver a Lenda de Momotaro), e que agora, cumprida a sua tarefa, tinha de ir embora. Antes de o fazer, deu-lhe uma pequena caixa memorial e disse-lhe que podia ser sempre encontrada no topo dessa montanha. Ele abriu a caixa, mas não a encontrou; foi ao topo do monte, mas também não a encontrou; então, em enorme desespero, atirou-se do local e juntou-se ao espírito da sua amada após a sua morte, onde continuam hoje como divindades do local.
A segunda versão começa de uma forma semelhante, mas à medida que Kaguya se vai tornando mais bela vai atraindo infindáveis pretendentes, que afasta propondo-lhes tarefas quase impossíveis de realizar. Isto, até que atrai a paixão do Imperador do Japão, com quem também se recusa a casar, mas trocam cartas. Depois, progressivamente, quando esta jovem se apercebe da lua cheia, vai chorando. Depressa se percebe o porquê - ela afirma que não é deste mundo, e que o momento do seu retorno a casa estava a chegar. E então, chegado o momento, escreve uma derradeira carta e dá um elixir da imortalidade ao homem que tanto a parecia amar, antes de viajar de volta para a Lua. E depois, o Imperador escreve-lhe uma nova carta, viaja para o cume do Monte Fuji - aqui considerado o local mais próximo da Lua - e queima a missiva (esperando que a sua nova mensagem chegue à amada), destruindo também o elixir da imortalidade (i.e. por não querer viver para sempre sem a poder ver).
As semelhanças entre as duas versões é clara, mas o que não conseguimos descobrir foi se existe alguma relação real entre elas, ou se se tratam de meras coincidências. Uma versão aparece num texto do século X, outra num do século XII, sendo provável que o segundo autor estivesse familiarizado com a versão do primeiro, mas será que se tratavam de versões regionais, que alguns conheciam com uma trama e outros com outra? É certamente provável e possível, mas não absolutamente certo.
Deixando de lado esse problema, estas são duas faces de uma lenda que tenta explicar, de uma ou outra forma, a importância do Monte Fuji. Será pelo facto de imortalidade, que os Japoneses podem escrever como 不死 (fushi), ter uma relação de semelhança sonora com 富士 (fuji)? Será uma forma de explicar alguma característica particular da famosa montanha nipónica? Será, até, que tem algum fundo de verdade, num qualquer elemento entretanto esquecido? Ou será que toda a trama tem alguma relação com as lendas chinesas, em que um licor da imortalidade lunar é famoso? Não sabemos, mas esta lenda de Kaguya não deixa de ter uma certa beleza e de dar que pensar...