A lenda de Santa Helena e a cruz de Jesus Cristo
Há alguns dias fomos contactados por um leitor brasileiro que queria saber um pouco mais sobre a lenda que acabou, a longo prazo, por dar o nome ao Brasil. Só então nos apercebemos de que nunca tínhamos dedicado algumas linhas a esse tema específico, a lenda de Santa Helena e como foi encontrada a cruz de Jesus Cristo. É uma pequena falha que urge corrigir.
Nesta imagem pode ser visto um momento de um fresco da basílica Santa Croce in Gerusalemme, em Roma. Tem representada Santa Helena e uma lenda que vem do século IV da nossa era, que na sua forma mais embrionária provém de uma obra de Eusébio de Cesareia.
É-nos então contado que após a conversão de Constantino o Grande a sua mãe, a Imperatriz Helena (mais tarde conhecida como "Santa Helena"), viajou para Jerusalém em busca das grandes relíquias do Cristianismo. Procurando o túmulo de Jesus Cristo, foi levada a um templo de Vénus que agora ocupava esse local. Quando o mandou destruir, numa espécie de metáfora para a sua negação pessoal do Paganismo, encontrou por baixo dos escombros o verdadeiro túmulo de Jesus Cristo - e assim termina esse primeiro relato lendário.
Porém, os autores posteriores adicionam alguns elementos a essa história - para eles, Helena encontrou não só o túmulo de Cristo, mas no seu interior viu ainda os pregos da crucificação, o título (i.e. a pequena tábua com as letras "JNRJ"), e três cruzes distintas. Foi esta última descoberta que lhe gerou um grande problema - seguindo o relato bíblico, Santa Helena sabia que Jesus Cristo tinha sido crucificado juntamente com dois ladrões, mas como podia ele reconhecer a que procurava?
Pense-se nisso. Supostamente, uma era a do "bom ladrão", a que a literatura apócrifa viria a chamar Dimas. A outra era a do "mau ladrão", que ficaria conhecido como Gestas. A terceira era a de Jesus. Mas, visto que as três cruzes eram totalmente iguais, como distinguir aquela em que o messias foi crucificado das dos seus dois companheiros? Após muito pensar no assunto, Santa Helena supôs que aquela que procurava teria propriedades miraculosas. Como tal, pediu que lhe fosse trazida uma mulher doente ou um homem já falecido (este elemento depende da versão), que depois foram miraculosamente curados com o toque de uma das cruzes.
É esse o momento que pode ser visto na imagem acima, que ficou conhecido como a "Invenção de Santa Cruz" - o instante em que Santa Helena colocou um homem falecido sobre a cruz de Cristo e ele foi trazido de volta à vida. No seguimento deste episódio, essa cruz ficou conhecida como vera crux, ou, em Português dos nossos dias, "Vera Cruz" ou "a Cruz Verdadeira", a primeira das quais viria um dia a dar nome ao Brasil, como já referimos anteriormente.
Uma última questão - será tudo isto verdade, ou uma mera lenda? Neste caso específico é muito provável que a segunda resposta seja a correcta. O primeiro autor que nos conta isto é Eusébio de Cesareia, que teria todo o interesse em elogiar as descobertas de Santa Helena, mas que nunca parece mencionar o encontro da verdadeira cruz. Esses elementos provêm exclusivamente de autores que lhe são posteriores, e que até dão contornos ligeiramente diferentes a toda a história. Por isso, até é possível que a mãe de Constantino tenha encontrado um túmulo em Jerusalém, e que tenha considerado que esse era o de Jesus Cristo, mas todo o resto da história é quase certamente uma invenção piedosa de crentes cristãos.
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