A lenda de Sugaru, Raijin e Fujin
Hoje, íamos aqui contar a lenda japonesa de Sugaru, mas ela está tão intimamente ligada com os deuses Raijin e Fujin que não nos pareceu correcto separá-los. Portanto, decidimos falar de todas essas três figuras de uma só vez, até porque são relativamente pouco conhecidas na cultura ocidental.
Na imagem acima podem ser vistos dois deuses do Japão. Fujin (風神), do lado esquerdo, é o deus dos ventos, que pode ser reconhecido na imagem pelo facto de levar sempre consigo uma espécie de saco, em que estão contidos todos os ventos do mundo. Já do lado direito pode ser visto Raijin (雷神), deus das trovoadas, fácil de reconhecer em virtude dos símbolos redondos que o cercam - são, na verdade, uma espécie de tambores, com que se diz que esta figura divina causa o barulho característico ouvido durante as tempestades. Neste seguimento, convém dizer que os dois deuses, considerados irmãos, andam frequentemente juntos, porque - como em qualquer país do mundo - durante as grandes tempestades é habitual ouvirem-se também trovoadas. Mas, curiosamente, isso não acontece na lenda de hoje!
Conta-se então que na segunda metade do século V o imperador Yuriaku estava prestes a sair do seu palácio quando começou uma enorme tempestade. Não sabemos se teve medo, ou se o seu espírito foi habitado mais pela curiosidade, mas este monarca pediu então a um dos elementos da sua corte, um nobre chamado Sugaru, que capturasse Raijin. Durante dias, este mero homem seguiu o deus sem cessar, até que finalmente conseguiu falar com ele, pedindo-lhe então que viesse com ele ao imperador. Previsivelmente, o deus riu-se e disse que não ia a lado nenhum... até que Sugaru rezou a Kannon, "deusa" da compaixão*, com a ajuda da qual foi capaz de capturar o deus e levá-lo até ao imperador. Posteriormente libertou-o, mas não sem que antes tenha sido forçado a trazer bom tempo a todo o Japão.
É, nesta lenda de Sugaru, provável que Fujin também acompanhasse Raijin, como parece ser habitual, mas as versões que consultámos não o afirmam explicitamente; assim, o companheiro associado aos ventos é aqui completamente secundário, tomando o palco principal a figura humana e o seu opositor divino, numa história particularmente emblemática das lendas do Japão, que até concedeu ao herói um título que podemos traduzir como "Aquele que Capturou o Deus". E, apesar de curta, é uma lenda curiosa, até porque não são muitas as lendas ocidentais em que um deus foi capturado por um ser humano - para uma excepção, ver, por exemplo, o mito grego de Sísifo, que em dado momento capturou a própria morte!
*- Explicar a figura de Kannon não é simples face a quem nada perceba do tema, mas podemos resumi-la como uma espécie de santa budista padroeira da compaixão.