A lenda de Suvannamaccha (e o Ramakien)
Quando aqui falámos sobre a lenda de Rama e o Ramayana, não mencionámos, talvez por puro esquecimento, que a história desse herói teve um impacto significativo em diversas culturas do sudeste asiático. Por exemplo, na Tailândia ela inspirou a criação de um épico local, o Ramakien, em cujo cerne da trama é mantido mas são adicionados alguns episódios extra. Aquele que aqui contamos hoje, a que pode ser chamado a famosa lenda de Suvannamaccha, é um deles, digno de nota pela forma como pega em Hanuman (que já cá introduzimos antes) e lhe dá um carácter um pouco diferente de aquele que tinha no original indiano.
No Ramayana da Índia, em determinada altura Hanuman e o seu exército de macacos constroem uma ponte de pedras para conseguir invadir a ilha de Lanka. A ideia é concretizada sem dificuldades de maior, mas na versão tailandesa do Ramakien há uma alteração significativa - a construção dessa mesma ponte tem lugar durante o dia, mas ela é como que "desconstruída" durante a noite. E ninguém parecia saber porquê, até que o herói-macaco investigou a situação e descobriu que os peixes locais estavam a fazer isso a mando de Suvannamaccha, uma das filhas do vilão da história, que era uma espécie de sereia, como a imagem acima permite perceber. Depois, o herói lá conseguiu convencê-la a abandonar esse propósito... e é aqui que a história se torna mais estranha, visto que eles se apaixonam e acabam mesmo por ter um filho, Matchanu. Mais tarde, pai e filho até se conhecem no campo de batalha, lutando por lados opostos, mas essa já é uma história para outro dia...
O que esta lenda de Suvannamaccha tem de notável é que, para quem ainda não conhecer essa figura, o Hanuman indiano é uma espécie de asceta, nada ligado às paixões do corpo. Se nesta versão da Tailândia ele se apaixona, faz amor e gera um filho, tais aventuras seriam completamente impossíveis no original indiano, obra na qual o seu peito é apenas habitado por um amor infinito por Rama e Sita.
Deixando de lado a estranha mudança de comportamentos do herói, talvez o ponto mais interessante deste Ramakien seja, de facto, a forma como pega na trama da aventura original e lhe faz diversas modificações, ora adicionando novos episódios como este de Suvannamaccha, ora dando um certo lampejo adicional a determinados momentos da trama. Nada de extremamente significativo é alterado - estranho seria se, por exemplo, a figura equivalente a Ravana vencesse a guerra - mas demonstra como uma história pode ser metamorfoseada para apresentar novas formas e personagens locais, ao ponto desta mulher-sereia ainda hoje ser bastante famosa em terras da Tailândia.