A lenda do Cavalum
Falando sobre esta incomum lenda do Cavalum, por todo o território de Portugal existem locais com nomes pouco vulgares e certamente intrigantes. Já cá falámos de alguns, mas talvez poucos sejam tão curiosos como as "Furnas do Cavalum", na Madeira, até porque nos instam a perguntar de onde virá um tão singular nome. Um nome, note-se, que nem sequer aparece nos dicionários portugueses. Portanto, como é a sua história?
Conta-se que a 9 de Outubro de 1803 a ilha da Madeira sofreu uma das maiores cheias da sua história. Isso é completamente factual, mas segundo esta lenda a tragédia deveu-se a um monstro como nunca visto até então. O seu nome era Cavalum, e ele era essencialmente um enorme cavalo negro, a que o povo depois foi adicionando outras características - asas de morcego, um corno no meio da cabeça ou até a temível capacidade de cospir fogo. Então, numa confiança inabalável, a monstruosa criatura até destruiu uma igreja local (que na altura tinha o nome de "Capela de Cristo"), atirando a imagem de Jesus para os mares próximos, como que desafiando Deus a que o parasse.
Mais tarde, Deus lá decidiu intervir e fê-lo capturando o monstro, que encerrou no interior de umas cavernas próximas, onde este deixou de poder causar mais problemas - mas ainda hoje não deixa de o tentar fazer, e então os seus relinchos furiosos podem ser ouvidos no local nas manhãs de tempestade. Quanto à imagem de Jesus, essa, foi recuperada e levada para aquela que é agora conhecida como a Capela do Senhor Bom Jesus dos Milagres.
O local em que, segundo a lenda, este monstro foi encerrado é, naturalmente, o das furnas que tomaram o seu nome de Cavalum. Mas este desfecho, apesar de pouco vulgar, não é um caso único - recorde-se, por exemplo, o mito grego de Tífon, em que Zeus prendeu esse seu opositor debaixo de um famoso vulcão. Será que esse mito grego, ou um outro semelhante a ele, inspirou toda esta lenda nacional? Não podemos ter a certeza, mas mitos e lendas como estas, que existem igualmente por todo o mundo, servem para explicar um elemento místico e misterioso muito presente nesses locais, que certamente não podiam deixar de causar um grande espanto aos visitantes de outros tempos.
P.S.- Posteriormente, foi-nos perguntado qual a fonte literária para esta lenda madeirense. Se originalmente ela era apenas oral, a mais antiga versão escrita que encontrámos é a de Alfredo de Freitas Branco e foi recolhida na Madeira, entre muitas outras da mesma ilha, possivelmente entre os anos de 1924 e 1955. Desconhecemos, contudo e no seguimento desta lenda, que nome tinham as furnas antes do ano de 1803, ou se já existia, anteriormente às cheias, uma outra lenda associada a esta criatura lendária.
P.P.S.- Alguns parecem chamar a esta criatura "o Cavalo do Pensamento". Não encontrámos nenhuma relação real entre os dois, podendo a associação dever-se apenas ao facto de ambos serem cavalos; exisem, no entanto, histórias ficcionais em que o herói é instado a escolher entre "o Cavalo do Vento e o Cavalo do Pensamento", e o nome em questão poderá vir daí.