A maldição dos tremoços, uma lenda portuguesa
Existe uma lenda portuguesa sobejamente conhecida sob o nome da maldição dos tremoços. O nome até pode intimidar um pouco, mas ela absolutamente nada tem de errado (ou mágico...), sendo essencialmente uma de muitas histórias lendárias nacionais unindo o sagrado e o profano, como naquele curioso caso, aqui falado há já alguns anos, da Nossa Senhora e do Linguado. Assim, esta parece ser uma história com muitas versões diferentes, mas contamos aqui o seu essencial.
Em outros tempos, quando a Virgem Maria e o homem que viria a ficar conhecido sob o nome de São José fugiram para o Egipto - um famoso episódio bíblico - passaram por um campo de cultivo como nunca tinham visto antes. Ele produzia um som estranho, prolongado, como se alguém andasse a persegui-los... e depois, após prestarem mais alguma atenção adicional, lá viram que o local por onde estavam a passar era apenas um tremoceiro seco. Isto talvez tivesse pouca importância, mas o barulho produzido por ele, à passagem da Sagrada Família, acordava o Menino Jesus. E então, zangada, esta Nossa Senhora pôs uma maldição a todos os tremoços, condenando quem os viesse a comer a nunca se sentir cheio, por muitos que fossem comidos.
Esta é, como já acima se escreveu, uma lenda relativamente simples, a da maldição dos tremoços, mas é curioso o facto como se insere não só no panorama bíblico, mas também nas lendas religiosas nacionais. No Novo Testamento, é o próprio Cristo a figura amaldiçoadora de uma figueira, por esta não produzir figos numa altura que não lhe era próprio fazê-lo. É uma acção bastante estranha, tendo em conta as leis da própria Natureza que o filho de Deus aqui puniu - as quais, relembre-se, foram elas próprias criadas por Deus-Pai - mas nesta lenda tem lugar algo de muito semelhante, numa sequência em que é a mãe de Jesus que pune tremoceiros, tremoços - e, talvez até muito mais, todos aqueles seres humanos que os comem - com as suas acções.
Visto assim, como apresentada aqui, esta lenda da maldição dos tremoços pode parecer um pouco estranha, mas há que relembrar, sem qualquer dúvida, que esta se trata de uma lenda popular, de génese oral, criada pelo povo e para o povo. Querer ver nela algo além disso não faz muito sentido, porque, como em outras lendas semelhantes - que, como já frisado antes, muitas vezes unem sagrado e profano - ela é apenas uma tentativa de explicar o (quase-)inexplicável com recurso a elementos bíblicos. Mas, ainda assim, não deixa de ser uma lenda com o seu quê de charme...