A oração de Santa Bárbara que afasta as trovoadas
A oração de Santa Bárbara que afasta as trovoadas, também conhecida de uma forma mais geral como oração para acalmar as trovoadas (entre muitos outros nomes possíveis), já foi muito famosa em outros tempos, mas hoje é um perfeito exemplo de algo que nos incomoda e entristece bastante, o facto de cada vez menos pessoas terem interesse na cultura dos seus antepassados. Passamos a explicar. Como bem se sabe, cada um dos santos cristãos é padroeiro de "algo". O que já menos pessoas saberão é que existem um conjunto de orações que permitem - quase como se de pequenos rituais mágicos se tratassem - invocar a ajuda de um determinado santo ou santa. Em muitos casos essas orações têm pequenas variações de local para local, mas são quase sempre em verso (o que facilitava a sua memorização) e mencionam um propósito mágico. Por exemplo, Santa Bárbara [de Nicomédia] é a padroeira das trovoadas e tempestades, pelo que a sua ajuda podia ser pedida com a seguinte oração de Santa Bárbara, bem conhecida no norte de Portugal:
Santa Bárbara bendita
Se vestiu e se calçou,
Ao caminho se botou
A Jesus Cristo encontrou;
E Jesus lhe perguntou:
- "Tu, Bárbara, onde vais?"
- "Vou espalhar as trovoadas
Que no céu andam armadas,
Lá na serra do Marão,
Onde não haja palha nem grão,
Nem meninos a chorar,
Nem galos a cantar."
Um outro exemplo associado à mesma figura, uma oração de Santa Bárbara com alguns contornos semelhantes, mas de outro local distinto, pode ser igualmente lida abaixo:
Santa Bárbara se alevantou
Seu pézinho direito calçou
Nossa Senhora encontrou
Esta lhe perguntou
- "Onde vais Santa Bárbara?"
- "Vou espalhar a trovoada
Que no céu anda armada."
- "Espalha-a lá para bem longe
Onde não haja perca nem vinho
Nem flor de rosmaninho."
Este terceiro exemplo foi-nos contado oralmente, por uma idosa de 84 anos cuja mãe a tinha lido "num livro com capa de papel, que [conforme também nos disse] depois ela perdeu":
Santa Bárbara Bendita
Que no Céu está escrita
"Onde Vais Santa Bárbara?"
"Vou espalhar esta trovada
Que por cima da gente anda armada"
"Espalha-a bem para bem longe,
Onde não haja pão nem vinho,
Nem flor de rosmaninho,
Nem os galos cantam,
Nem os anjos se levantam."
Para sempre, Amém, Jesus.
Um quarto e último exemplo, para se mostrar que esta santa não era um caso único. A associação de São Bento [de Núrsia] ás cobras e serpentes está bem presente nestes versos de uma oração, cujo objectivo principal é muito claro:
São Bento, água benta!
Jesus Cristo no altar!
As cobras deste caminho
Afastem que eu vou passar!
Há cerca de trinta anos ainda existiam pessoas que conheciam bem estas orações de cor. Hoje, quando ainda se lembram deles, é de uma forma muito fragmentária. Mais ano, menos ano, serão todos eles esquecidos, e assim se perderá mais uma pequena parte da cultura portuguesa...