A origem da expressão "conto do vigário"
Questionar-nos sobre a origem da expressão "conto do vigário" é uma ideia que nasceu de uma visita recente de um colega a uma esquadra da PSP. Um cartaz presente na mesma, que reproduzimos abaixo, informava que "Muitos idosos são vítimas de burlas" e instava-os a que "Não caia[m] no conto do vigário". O cartaz continua o seu tema referindo algumas características habituais dos burlões que enganam idosos, como funcionam os seus esquemas, bem como alguns cuidados a ter, mas... curiosamente, nunca explicam precisamente em que consiste essa tal história, o que nos levou a investigar o tema.
Existem, de facto, algumas lendas que tentam explicar de onde vem esta expressão do conto do vigário (já lá iremos!), tanto em Portugal como no Brasil, mas é curioso constatar que todas elas parecem ter dois elementos comuns, nomeadamente a presença de uma qualquer espécie de esquema e pelo menos um vigário, seja ele um verdadeiro padre ou apenas alguém que tem esse apelido. Mas, dado todo o contexto, nestas coisas a explicação mais simples tende frequentemente a ser a mais correcta - em outros tempos era bastante frequente os vigários, i.e. os padres adjuntos a um prior, aproximarem-se bastante das viúvas, quase sempre idosas, para as convencerem a deixar todas as suas heranças para a Igreja, como ainda pode ser testemunhado em textos como a Monita Secreta atribuída aos Jesuítas!
Se essa ideia já não é tão comum nos nossos dias, como é natural, o conto do vigário continua ainda a designar esquemas maléficos direccionados aos mais idosos com a intenção de obter as suas posses, o que bem explica o seu nome. Porém, já as lendas existentes não o fazem de uma forma tão conexa, como estas duas que a título de exemplo copiamos de um site brasileiro:
Uma das versões mais consolidadas do conto do vigário fala de uma história que aconteceu no século XVIII na cidade de Ouro Preto [no Brasil] entre duas paróquias: a de Pilar e a da Conceição que queriam a mesma imagem de Nossa Senhora. Um dos vigários propôs que amarrassem a santa no burro ali presente e o colocasse entre as duas igrejas. A igreja que o burro tomasse direção ficaria com a santa. Acontece que, o burro era do vigário da igreja de Pilar e o burro se direcionou para lá deixando o vigário vigarista com a imagem.
Outro fato interessante aconteceu no século XIX em Portugal quando alguns malandros chegavam à cidades remotas e se apresentavam como emissários do vigário. Diziam que tinham uma grande quantia de dinheiro numa mala que estava bem pesada e que precisaria guardá-la para continuar viajando. Diziam que como garantia era necessário que lhes dessem alguma quantia em dinheiro para viajarem tranquilos e assim conseguiam tirar dinheiro dos portugueses facilmente.
O que estas lendas têm de particularmente curioso é que nunca explicam que "conto" específico deu o nome à expressão - isto, porque não era uma trapaça completamente fixa e com personagens pré-determinadas, como poderíamos ser levados a pensar com base na informação da citação acima, mas sim um conjunto de palavras e ideias que, sem qualquer violência física, levava a que os idosos prescindissem de bom grado das suas posses, como já explicámos acima e como até era frequente acontecer com as viúvas abastadas pelo menos até ao século XVIII. O facto dessa "tradição" se ter perdido posteriormente, talvez pela expulsão das ordens religiosas, poderá até ser uma das razões que levou à invenção de lendas mais ou menos recentes como as que reproduzimos acima...