A origem da expressão "Dia de São Nunca"
Que o Dia de São Nunca [à tarde] significa pura e simplesmente "nunca" não tem muito que se lhe diga e é sobejamente conhecido em Portugal. Porém, a origem de toda a expressão - com ou sem o seu "à tarde", que parece ter sido uma adição posterior e puramente nacional - é bem menos famosa, razão pela qual achámos que podíamos falar desse tema.
Até há cerca de um século existiam em Portugal - como certamente em outros países - um conjunto de eventos que se regiam pelos dias dos santos. Havia bailaricos, havia um conjunto de tradições específicas para cada santo, sendo então comum que se referissem esses dias pela figura santa que tinham associados. A prática foi-se perdendo ao longo dos anos, mas ainda prevalece em algumas aldeias do norte de Portugal, e mesmo nas grandes cidades é comum associar-se, por exemplo, o Dia de São Martinho a uma celebração com castanhas e água-pé. E nesse contexto dizer-se "Dia de São Martinho" ou 11 de Novembro era precisamente o mesmo, tal como dizer "Dia de Nossa Senhora de Fátima" equivaleria a dizer-se 13 de Maio, e assim por diante.
Até aqui tudo bem, mas estas situações poderão gerar um problema para o leitor comum - qual é o Dia de Santo Agostinho? Ou o dia de Santo Atanásio? Ou de São Nemo? Ou mesmo esse tal estranho Dia de São Nunca, qual ou quando é? Pelas mesmas razões, será que alguém sabe qual é o dia associado a Santa Hermínia, a São Tasquízio, ao Venerável Asdrúbal ou a tantas outras figuras religiosas menos conhecidas? Naturalmente que não (!), e terá sido este problema que gerou um conjunto de figuras, falsamente santas, sem uma existência real ou um dia específico associado - veja-se, por exemplo, o São Nunca, São Nemo e o São Pisco, ou mesmo o São Glinglin francês (entre muitos outros que nos escapam neste momento)... alguns até dizem que eles, todos eles, poderão estar escondidos por detrás do "Dia de Todos os Santos", mas é uma opinião muito pouco comum*.
Nesse sentido, quando alguém se refere ao "Dia de São Nunca", ou a outro similar, está, com base na cultura dos séculos passados, a urgir-nos a consultar um calendário em busca do dia associado a esse santo. E obviamente que não existe, nunca poderemos encontrá-lo, sendo esse próprio nome do falso santo uma alusão natural a essa impossibilidade.
*- Curiosamente, numa obra literária de inícios do século XX, Folclore da Figueira da Foz, está preservada uma pequena história popular em que é dada a ideia de que este santo está mesmo contemplado entre os que são celebrados no "Dia de Todos os Santos". Sucintamente, um homem tinha uma dívida e prometeu saldá-la no Dia de São Nunca. Posteriormente, o emprestador foi exigi-lo no dia associado à celebração de todos os santos, justificando-se com as palavras "como é de todos, lá está também o seu S. Nunca". O devedor, incrédulo com o argumento, pagou logo a dívida!