A origem do Masoquismo (e do Sadismo)
Falar da origem do Masoquismo e do Sadismo nestas linhas é, muito sinceramente, admitir que nem todos os nossos temas vão sendo planeados de antemão. Alguns deles apenas nos vão aparecendo pelo mais completo acaso, aquando de uma pesquisa sobre um qualquer outro tema. Neste caso em particular, quando aqui falámos sobre a lenda de Le Loyon, a carta de suicídio dessa figura (supostamente) lendária fazia uma breve alusão a Sacher-Masoch. Não é, hoje, um criador literário particularmente conhecido, e muito menos nos países lusófonos, pelo que o seu nome é, agora, mais ligado ao Masoquismo, que dele obteve o nome. Como...? É precisamente esse o tema de hoje!
Confesse-se que não fomos ler todas as obras do Senhor Sacher-Masoch, que pode ser visto na imagem acima, mas a mais importante para o tema de hoje parece ser uma que tem o título de A Vénus das Peles (ou A Vénus em Peles). Nela, surge uma história dentro de uma história, a de um homem, de nome Severin, que se oferece à mulher que parece amar, uma tal Wanda, para ser o seu mais completo escravo, passando até por alguns episódios da mais completa humilhação. A moral da história, conforme até discutida pelas duas personagens principais, aparece bem explícita no final do texto:
“Mas [qual é] a moral?”
“Essa mulher, tal como a natureza a criou e tal como o homem a está a educar actualmente, é sua inimiga. Ela só pode ser sua escrava ou sua déspota, mas nunca sua companheira. Isso só poderá acontecer quando ela tiver os mesmos direitos que ele, e for sua igual em educação e trabalho."
“Por agora só temos a escolha entre sermos o martelo ou a bigorna, e eu fui o tipo de burro que deixou uma mulher fazer dele um escravo, percebes?"
“A moral da história é esta: quem se deixa ser chicoteado, merece ser chicoteado."
“Os golpes, como vês, fizeram-me bem; a névoa rosada da supersensualidade dissipou-se, e ninguém jamais me fará acreditar de novo que esses ‘sagrados macacos de Benares’, ou o galo de Platão, são a imagem de Deus.”
Concorde-se, ou não, com estas ideias - discuti-las passa além dos nossos objectivos de hoje - elas estão ligadas à origem do Masoquismo pelo facto de uma personagem da obra, o tal Severin, aparentemente sentir os maiores prazeres em ser humilhado pela mulher que sentia amar. Depois as coisas até lhe dão para o torto, como a citação acima dá a compreender, mas é um tema a que já voltaremos.
Esta primeira origem está então ligada ao Sadismo (cujo nome provém do Marquês de Sade, autor francês do século XVIII), pelo facto da ideia do prazer sentido em humilhar alguém ser um tema muito recorrente das suas várias obras. Portanto, se a definição anterior se referia ao prazer sentido por alguém ao ser humilhado, já esta segunda alude a uma espécie de oposto, um prazer que é sentido apenas ao humilhar alguém.
O tema poderia ficar por aqui, mas há ainda um aspecto curioso a ter em conta. A citação que fizemos de A Vénus em Peles não foi ao acaso. Apesar de ter já mais de um século de existência, ela capta bem uma ideia que nos foi sendo transmitida por quem ainda hoje se envolve nos caminhos do Masoquismo e do Sadismo. Não nos compete a nós julgar, mas várias dessas pessoas foram-nos dizendo que sentiam uma enorme dificuldade em explorar esse aspecto da sua sexualidade numa relação estável e feliz, precisamente pelas mesmas razões que Sacher-Masoch referiu na sua obra - ambos os conceitos implicam uma relação de poder muito desigual entre os intervenientes, e isso torna difícil que possa existir, fora do metafórico quarto, a igualdade necessária para uma relação amorosa de sucesso. É provável que tenha sido por isso mesmo, por essa perfeição dos autores francês e austríaco em captar a essência destes "problemas", que os psicólogos deram o seu nome aos respectivos conceitos...