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Mitologia em Português

28 de Outubro, 2010

A relação entre "Lúcio, ou o Burro" e "O Burro de Ouro"

Que as obras Lúcio, ou o Burro (atribuída, falsamente, a Luciano) e O Burro de Ouro (ou A Metamorfose de Apuleio, também conhecida ainda como Asno de Ouro) são similares é relativamente fácil de ver, até porque não abundam obras em que a personagem principal é transformada em burro, mas numa leitura comparativa das duas podem ser notadas muitas outras semelhanças. São múltiplos os episódios extremamente parecidos, mas existe também um elemento que me pareceu significativamente diferente - o final.

O Burro de Ouro, ou Asno de Ouro

Enquanto que na obra de Apuleio o burro é transformado de volta à sua forma original com algum auxílio divino, o burro de Pseudo-Luciano (e uso este nome por não se ter a certeza da autoria da obra) parece contar apenas consigo próprio. Depois, enquanto que o primeiro se torna sacerdote de Ísis, o segundo volta para os braços da mulher com quem, sob a forma de um burro, tinha tido relações sexuais, a qual acaba até por rejeitá-lo.

 

Sem querer revelar demasiado da trama de ambas as obras, as múltiplas semelhanças de episódios levam-me a pensar que poderá ter existido uma tradição comum em que ambas as obras se basearam, ou que uma delas se baseie na outra. Já que a história de Apuleio é bastante mais detalhada e desenvolvida, é possível que provenha da outra e a tente adaptar, melhorar, para um novo público. Contudo, se se tiver em conta que ambos os autores (ou, para ser correcto, os possíveis autores) são da mesma época, é muito mais provável que ambas se baseiem numa história popular.

 

Para terminar, caso um leitor queira conhecer a história em questão, importa dizer que pode optar por uma obra ou pela outra. Se a obra de Apuleio é muito mais famosa, isso prende-se com a riqueza e detalhe da mesma; por outro lado, "Lúcio, ou o Burro" apresenta uma trama mais sucinta, mais rápida, mais fácil de ler, que provavelmente agradará a quem procura uma obra mais simples.

 

[Adicionado posteriormente:]

As obras Lúcio, ou o Burro e O Burro de Ouro, têm bastante em comum uma com a outra. Então, decidi estudá-las em sequência, de forma a notar, de uma forma mais precisa, as semelhanças e diferenças entre elas.

 

De uma forma geral, a trama das duas obras é a mesma, e os elementos essenciais da trama parecem manter-se. Estranhamente, até alguns elementos secundários ocorrem nas duas obras. Porém, a obra de Apuleio adiciona diversas histórias secundárias, que em nada têm impacto para a trama principal, e clarifica alguns elementos. Por exemplo, se no primeiro texto o facto de Lúcio estar a visitar uma casa quando é transformado em burro é rapidamente esquecido, já no segundo é, eventualmente, explicado que o desaparecimento foi interpretado como uma evidência de que ele estaria envolvido no assalto. Também é divulgado, na obra de Apuleio, o destino final de algumas das personagens, mas esses elementos, como também já referi, são todos eles secundários.

 

Porém, a trama tem um momento chave que merece ser analisado. Para quem não tenha lido a(s) obra(s), posso dizer que fala de um homem, Lúcio, que por artes mágicas é acidentalmente transformado em burro, forma da qual só poderia voltar quando comesse algumas rosas. Eventualmente, e perto do final da trama, o burro é levado para um espectáculo, onde deveria ter uma relação sexual com uma mulher. Agora, se na obra de Pseudo-Luciano é aí que ele encontra as rosas, já na obra de Apuleio o burro escapa quando todos estão distraídos, e mais tarde adormece, e é aqui que a trama se torna significativamente muito diferente.

 

A obra de Pseudo-Luciano acaba pouco depois deste momento (Lúcio, em forma humana, volta para uma mulher com quem tinha tido sexo na sua forma de burro, e é agora rejeitado), mas na obra de Apuleio o derradeiro livro XI é quase exclusivamente sobre Ísis, que ajuda o herói a voltar à forma humana e faz com que ele se torne sacerdote do seu culto, por dever essa nova vida humana exclusivamente à deusa. É curioso, esse contraste entre o final das duas obras mas, pessoalmente, não posso deixar de sentir que o final da obra de Apuleio está ali um pouco a mais, como se tivesse sido lá colado quase por engano. Soa pouco natural porque, em todo o resto da obra, são raros os momentos em que se aponta para alguma explicação mais divina da transformação, ou dos eventos que vão tomando lugar, e então a aparição de Ísis, e quase tudo o que ocorre nesse último livro, assemelha-se a um terrível deus ex machina ali colocado, única e exclusivamente, para dar um final mais real a toda a história.

 

Para terminar este tema, importa-me esclarecer algo... as duas obras não são a mesma! Ambas falam de um Lúcio que, por artes mágicas, se transforma em burro, e o essencial das aventuras de ambas as personagens é igual, mas a obra de Pseudo-Luciano também tem uma trama mais directa e mais rápida, enquanto que O Burro de Ouro (ou A Metamorfose) de Apuleio perde muito tempo com elementos adicionais e histórias secundárias (por exemplo, o relato dos amores de Cupido e Psique ocupa quase 2 dos 11 livros da obra). Portanto, ler uma delas não é o mesmo que ler a outra, se bem que se alguém tiver de optar somente por uma delas, certamente se tornará mais rico com a obra de Apuleio do que com a de Pseudo-Luciano...

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