A Verdadeira Origem do Multiverso
Hoje em dia parece falar-se muito sobre o conceito de multiverso, mas igualmente pouco sobre a sua origem real. Isso dá, falsamente, a ideia de que todo este conceito é uma invenção moderna, completamente nascida já nos nossos dias. Assim, ele aparece na série animada Family Guy, em filmes como Spider-Man: No Way Home, Doctor Strange in the Multiverse of Madness, em repetidas fanfics, e em muitos locais como uma ideia já bem assente na nossa cultura popular, mas sem que alguma vez pareça ser explicado de onde nasceu. E, assim sendo, decidimos hoje tentar explicar de onde vem toda esta ideia, que parece ser cada vez mais popular nos nossos dias.
Na imagem acima pode ser vista uma cena do primeiro episódio da oitava temporada do Family Guy, em que duas das personagens principais viajam através de diversos universos, cada qual com as suas características particulares. Um dos mais intrigantes (e que optámos por mostrar aqui), é um em que todas as personagens são representadas como se vivessem num filme da Disney, em que até cantam músicas e outras coisas que tais. O episódio em questão é de Setembro de 2009, ainda uns anos afastado dos filmes de agora, mas acaba por levantar uma questão - se pudessemos seguir essa corrente de possíveis multiversos até à sua origem, onde iríamos dar? Qual é, pergunte-se, a primeira de todas as fontes para esta ideia que tanto reutilizamos hoje em dia?
Essa busca por respostas levou-nos, eventualmente, ao Ramayana. Por toda a Índia, e até por alguns dos países vizinhos, existem diversas versões do épico que divergem das versões, que até são as mais famosas, de Valmiki e de Tulsidas. Seria aqui difícil explicar quais são os elementos comuns e os divergentes em cada uma delas, mas o traço que as une é bem captado numa lenda indiana que é acessória à trama do épico. Relate-se aqui essa lenda, que encontrámos por mero acaso, para que se consiga, depois, compreender melhor todo o conceito de multiverso, bem como da sua respectiva origem.
Conta-se que nos últimos dias da sua vida Rama deixou cair um anel ao chão. Foi incapaz de o encontrar, e então pediu ao seu fiel companheiro Hanuman, o deus-macaco, que o fosse procurar. Nessa busca, esta figura, ainda hoje muito popular nas terras da Índia, desceu ao submundo e encontrou um dos seus monarcas. Quando lhe explicou o que andava a fazer por esses estranhos locais, Yama mostrou-se estupefacto, mas decidiu ajudar nessa procura pelo anel. Então, pediu a um dos seus servos que trouxesse um enorme prato onde estavam infindáveis anéis que tinham caído para o submundo. Todos eles eram muito parecidos, quase iguais. Hanuman não sabia o que fazer, não sabia qual deles era o do seu amado Rama, e então perguntou ao rei dos mortos qual era o correcto, aquele que procuravam. Este monarca, igualmente desesperado, disse-lhe: "Rama veio muitas vezes a este mundo. Em cada uma das suas vidas, pouco antes de morrer deixou cair um anel. Todos eles lhe pertencem."
O que esta lenda tem de muito especial é o facto de possibilitar a existência de um mundo em que não existe apenas um Ramayama, uma versão oficial de toda a história do épico, mas em que muitas versões tiveram lugar e em que todas elas podem ser apresentadas como igualmente válidas, por muito estranhas que até nos possam parecer - existem, por exemplo, algumas em que Ravana até é o herói da história, outras em que Sita não é rejeitada por Rama no final, e assim por diante, numa infinidade de possíveis narrativas em que as semelhanças e as divergências são sempre mais que muitas e bastante difíceis de traçar... e não é caso único - numa outra versão do poema épico, quando Sita deseja seguir Rama para a floresta, uma das razões que ela dá em favor da sua decisão é "já foram escritos tantos outros Ramayanas, conheces algum em que Sita não acompanhe Rama?!", e o herói acaba por dar-se por convencido face a esse invulgar argumento.
Mas, deixando de lado essas antigas lendas, podemos agora voltar ao tema da origem do multiverso. Parece ter sido, originalmente, um conceito asiático, derivado do Budismo e do Hinduísmo, em que se acredita numa infinidade de existências que nos precederam e incontáveis outras que se nos seguirão. Por essa perspectiva, cada um de nós viveu 300000 vezes e viverá 300000 mais, numa espécie de bailado eterno em que tudo aquilo que existe passa de existência em existência sem cessar. Poderá, nesse seguimento, existir um universo com um Porco Aranha, outro com uma Mulher Aranha, um terceiro em que Peter Parker é órfão, um quarto em que ele vive com o Batman, e assim por diante...
Em suma, qual é mesmo a origem do conceito de multiverso? Seguindo os fundamentos de todo o conceito até ao nosso passado cultural mundial, é bastante provável que toda esta ideia tenha originado no Budismo ou no Hinduísmo, religiões em que ainda hoje se acredita numa infinidade de existências, que começaram com um de muitos inícios do universo e terminarão, um dia mais tarde, com uma das suas quase-infinitas extinções. De todo esse conceito é um excelente exemplo a lenda indiana que reproduzimos acima, em que o deus Hanuman é confrontado com o mistério das repetidas existências humanas e se mostra tão estupefacto como nós em virtude da existência, passada e futura, de tantos homens a que ele também poderia chamar Rama.