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Mitologia em Português

13 de Abril, 2022

A verdadeira origem do Ovo de Páscoa (e o Coelho de Páscoa)

Se os grandes símbolos desta altura do ano são o Ovo de Páscoa e o respectivo Coelho de Páscoa, porque não contar, de forma breve, a sua história? É ela muito interessante, se tivermos em conta que os coelhos não põem ovos, nem faziam eles parte da celebração judaica da Páscoa, evento que está por detrás da origem da "nossa" celebração cristã. Assim, se o famoso animal não põe ovos, e também não nasce de nenhum (para quem ainda tiver essa dúvida existencial...), é-nos fácil ver que os dois símbolos, hoje muito associados, eram originalmente distintos. Como tal, falemos de cada um a seu tempo.

 

Qual a origem do Coelho de Páscoa?

Sobre a origem do Coelho da Páscoa

Quem já tiver procurado informação sobre a origem do Coelho de Páscoa acabará por encontrar, uma e outra vez, referências a uma antiga deusa pagã, de nome Eostre ou Ostara, cujo símbolo se diz que era este animal. Infelizmente, quem conta essa história raramente informa que quase nada se sabe sobre essa deusa, nem se tem qualquer prova real de que ela estivesse associada a este animal. A ideia só parece surgir na primeira metade do século XIX, quando um dos Irmãos Grimm, na sua outrora-famosa obra sobre Mitologia Alemã, se interrogou sobre o costume aqui em questão, dizendo depois algo como - e estamos a parafrasear - "desconheço a sua origem, é possível que [este animal] tenha sido o animal sagrado de Eostre [i.e. deusa germância da Primavera]". Depois, com o passar dos anos e em virtude da popularidade desta obra, essa incerteza original foi sofrendo uma metamorfose em "verdadeiro" facto, mas sem qualquer prova real de toda a ideia!

 

Mas então, de onde vem mesmo esta figura? Se o animal sempre foi popular na Europa em virtude da sua grande fecundidade e por ser muito visto na Primavera, a mais antiga referência que lhe encontrámos neste contexto pascal vem de uma tradição germânica, atestada inicialmente na literatura de finais do século XVII*, segundo a qual uma figura mítica inventada na região, a que poderíamos chamar a "Lebre de Páscoa", trazia ovos às crianças que se tinham portado bem, numa espécie de Pai Natal primaveril. É curioso notar, nesse seguimento, que ninguém dizia que os ovos lhe pertenciam a ela, mas sim e somente que esta entidade era a responsável por distribuí-los, o que não pode deixar de suscitar a questão seguinte...

 

Qual a origem do Ovo de Páscoa?

Sobre a origem do Ovo de Páscoa

É importante deixar claro que os ovos trazidos pela tal "Lebre de Páscoa" não eram completamente normais. Não eram pura e simplesmente ovos, nem eram de chocolate. Nem podiam ser confundidos com ovos normais, pelo facto de, nessa tradição original, serem pintados e decorados pelas pessoas, antes de os oferecerem e/ou esconderem. Não existia qualquer simbologia conhecida por detrás dessas cores, nem qualquer sugestão - pelo menos no século XVII, em que, como já dito, encontrámos a primeira menção  eles neste contexto - das que devessem ser utilizadas para pintar um Ovo de Páscoa. E porquê, podiam perguntar?

 

Porque, nesse tempos, o importante não era que o Ovo de Páscoa tivesse algum significado real, mas sim que eles fossem distinguíveis dos ovos "normais", naturalmente brancos ou amarelados. Caso contrário, surgia o problema de mandar as crianças ir procurar estas prendas - um costume ainda bastante frequente em países anglófonos - e elas virem para casa com ovos de cobra ou, talvez ainda pior, de um Basilisco...

Mas podemos antecipar o que podem estar a pensar. Podem ter lido aqui e ali que esta tradição é muito antiga e vem do local X, em que os ovos eram pintados da cor Y por causa de Z. Quem o diz tende a esquecer-se, talvez por falta de pesquisa, que uma mera correlação não implica causa. Não é por eles existirem pintados numa qualquer cultura antiga que a tradição, mais recente, de os pintar para a Páscoa vem desses tempos - até pelo contrário, se no século XVII não tinham uma cor específica, o facto de também existirem tradições anteriores que relacionavam "ovos + uma cor por razões simbólicas" são completamente independentes!

 

Em suma, a origem destas duas tradições pascais

Em outros tempos podiam ser vistos nos campos, em tempo da Primavera, muitos coelhos e lebres. Isto levou a um mito popular - assim lhe chamou Georg Franck von Franckenau no século XVII, aquando da que parece ser a primeira referência literária a este costume - que dizia que a Lebre de Páscoa estava a trazer prendas para os mais novos que foram bem comportados. Da Alemanha este costume passou para o Reino Unido e para os Estados Unidos, de onde se disseminou pelo mundo fora, mas já numa forma adaptada, o que é comprovável pelo facto da tradição que celebramos não ser a original, mas sim uma versão muito adaptada já de uma versão secundária, e.g. em Portugal não temos a figura da lebre, o Coelho de Páscoa é um mero símbolo sem qualquer história associada, a tradição de pintar os ovos não existia por cá até há muito poucos anos, e para nós eles são meros doces, quase sempre de chocolate. E assim se explicam estes dois costumes que hoje existem em países lusófonos...

 

Livro 'De Ovis Paschalibus', fonte de muita desta informação

*- Para quem tiver essa curiosidade de a ir pesquisar e ler, a obra em questão é Disputatione Ordinaria Disquirens de Ovis Paschalibus. Está, naturalmente, em Latim do século XVII.

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