A viagem de Vasco da Gama à Índia
Começamos este mês de Setembro falando sobre a primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, num pequeno ciclo de três publicações sobre viagens histórias famosas. Se o cerne desta aventura ainda nos é hoje conhecido dos tempos de escola, bem como dos Lusíadas de Luís de Camões (entre outras fontes), o que menos pessoas parecem saber é que nos chegou um relato, quase na primeira pessoa, de toda a aventura. Não foi esse capitão que a escreveu, infelizmente, mas alguém que também viajava com ele no navio deixou por escrito um documento que está hoje numa biblioteca no Porto, no norte de Portugal, e que é conhecido como o Roteiro da Viagem de Dom Vasco da Gama à Índia, que é o texto em que aqui nos focamos hoje.
Essencialmente, este relato da famosa viagem de Vasco da Gama à Índia conta-nos, passo por passo, o caminho marítimo que estes heróis foram seguindo e as aventuras por que passaram. Não há aqui Adamastor, nem há aqui deuses de outros tempos (como contavam os épicos sobre a viagem...), mas existem paragens ocasionais em diversas terras, umas já conhecidas e outras ainda por descobrir, em que o autor do relato vai contando o que por aí foi acontecendo. E depois, à medida que o relato se aproxima das terras da Índia, vai-se tornando mais detalhado… não por desejo do autor, que certamente ainda não sabia o que então iria acontecer, mas porque começaram a acontecer coisas mais dignas de registo – traições de muçulmanos, surge em cena um monarca oriental que tudo tenta fazer para os destruir, os navegadores portugueses são difamados como meros ladrões, e outras coisas que tais... há até um momento em que é referido, quase de passagem, que alguns habitantes locais, vendo os nossos navegadores, diziam “Portugal!” e cuspiam para o chão, numa clara expressão de desprezo!
Mas mais tarde, quando os Portugueses chegam finalmente àqueles locais que hoje conhecemos como “a Índia Portuguesa”, este panorama parece-se indo alterando um pouco, até que se chega a um momento em que um monarca local – terá sido o rei de Melinde, ou a memória trai-nos? – procurou criar relações comerciais com o nosso país. A ideia pode ser resumida numa espécie de carta que ele dirigiu ao nosso rei Dom Manuel I:
Vasco da Gama, fidalgo de vossa casa, veio a minha terra, com o qual eu folguei. Em minha terra há muita canela, muito cravo, gengibre, pimenta e muitas pedras preciosas, e o que quero da tua é ouro, prata, coral e escarlata.
É talvez esse o grande elemento a reter da viagem de Vasco da Gama à Índia – foi feita em busca da terra de Preste João, por quem o viajante pergunta mais que uma vez em todo este relato, com quem se pretendia estabelecer relações comerciais que nos permitissem ter acesso às riquezas orientais, aquelas especiarias a que hoje já não damos quase nenhum valor. E toda a ideia parece assentar numa base relativamente simples – se existia um monarca cristão em terras do Oriente, e se os Portugueses fossem capazes de o encontrar, certamente que ele estaria mais disposto a estabelecer relações de comércio com os nossos navegadores do que com aqueles cidadãos locais que provavelmente veneravam uma religião muito distinta.
Metade da missão acabou por se cumprir, com essa criação posterior de um império comercial português na Índia que começou com a viagem de Vasco da Gama, mas Preste João nunca foi encontrado, provavelmente por não ter existido excepto nos livros de histórias (como anteriormente já aqui contámos). Mas, curiosamente, se este nosso caso poderá parecer um pouco estranho, ele não era de todo único. Nesse seguimento, o tema continuará daqui a alguns dias, com uma outra história de navegação ibérica em que as lendas também tiveram um papel principal.