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Mitologia em Português

04 de Janeiro, 2011

Argumentos de Celso e Porfírio contra os Cristãos

Creio que nenhuma obra antiga contra o Cristianismo chegou completa aos dias de hoje, pelo que os argumentos de Celso e Porfírio contra os Cristãos nos preservam um conjunto de informações que já não chegaram aos nossos dias. E, mesmo essas, só nos chegaram de uma forma parcial, através de citações ou refutações por parte dos adeptos do Cristianismo.

 

Numa dessas obras, da autoria de Celso e citada profusamente por Orígenes em Contra Celso (trata-se de A Palavra Verdadeira, para quem estiver curioso), surgem as seguintes referências:

 

- Os Cristãos conduziam reuniões secretas (que, de acordo com a lei da altura, eram proíbidas). Presumo que o autor se esteja a referir a algo que, em Português, poderá ser traduzido como as "Ceias do Senhor", uma refeição ritualística semelhante à Última Ceia de Jesus.

 

- Os Cristãos assentam somente na fé, mais do que na razão.

 

- Jesus não nasceu de uma virgem. Em vez disso, Maria foi abandonada pelo marido, José, na sequência de uma infidelidade com um soldado chamado Pantera/Pandera. Esta foi então viver para o Egipto, onde Jesus eventualmente aprendeu as artes mágicas características dessa civilização. Este conhecimento fez com que, mais tarde, se considerasse um deus.

 

- Pense-se na falta de lógica na fuga de Jesus para o Egipto. Se este fosse realmente um deus, porque temeria a morte, porque necessitaria da intervenção dos anjos?

 

- Comparados com os actos admiráveis de Perseu, Minos, etc, Jesus nada de admirável fez quando lhe pediram para provar, no templo, que era mesmo filho de deus.

 

- Assumindo que Jesus realmente fez os milagres que lhe são atribuídos, como se poderia explicar que muitas outras pessoas com conhecimento das artes egípcias fizessem actos similares, desta vez nos mercados e a troco de algum dinheiro? Então e aqueles que usavam artifícios similares à ressureição? Seriam todos eles também filhos de um dado deus?

 

- Quando Jesus foi crucificado, os seus apóstolos fugiram e negaram que o conheciam. Com isso em mente, porque deveriam os Cristãos então morrer com o seu mestre? Porque acreditariam as pessoas nele agora que estava morto, se não acreditaram quando ele estava vivo?

 

- As crenças dos Cristãos e dos Judeus diferem somente na identidade do seu Salvador - os primeiros diziam que este já tinha vindo, enquanto que os segundos referiam que ele ainda estava para vir. Além disso, tal como os Judeus desprezavam a religião dos seus antecessores (os Egípcios), também os Cristãos desprezavam agora a dos Judeus.

 

- Grande parte das componentes filosóficas (se é realmente correcto dar-lhes esse nome) de Jesus parecem já vir de Sócrates e Platão.

 

 

Já em Contra os Cristãos, de Porfírio (outra obra que não sobrevive, mas que é citada por vários autores da altura), aparecem as seguintes referências:

 

- Jesus é acusado de inconstância, já que muitas vezes dizia algo e fazia algo diferente.

 

- Alguns dos milagres mencionados nos Evangelhos são vistos como sendo para ignorantes, já que um dado lago é até confundido com um mar.

 

 

Vai para além do conteúdo deste blog a crítica destas referências (além disso, qualquer pessoa com o mínimo de conhecimentos de Teologia conseguirá certamente fazê-lo), mas a alusão a estes elementos por cá serve, acima de tudo o resto, para demonstrar um interessante confronto de ideologias:

- De um lado temos os opositores do Cristianismo, que se servem da razão para criticar, com argumentos discutíveis e como já faziam há séculos, uma nova visão do mundo e do próprio divino;

- Do outro temos os Cristãos, que mais do que recorrem à lógica parecem assentar os seus argumentos na fé, no invisível, numa crença - por vezes até absurda - de que aquilo que escrevem é que está correcto, e que a sua interpretação é a verdadeira, a única, a aprovada por uma nova entidade divina que tanto veneram.

 

Pessoalmente, acho este confronto de ideias, de diferentes visões, extraordinário. De um lado temos a razão, do outro a fé, e é com bastante pena que constato que hoje temos pouco acesso a esse debate de ideias. Sim, ainda existem fragmentos de múltiplas obras representativas deste confronto, primeiro com os Pagãos e depois com os Gnósticos, mas seria extremamente interessante ter-se um maior acesso aos argumentos esgrimidos por um dos lados do confronto, juntamente com a resposta que lhe é dada pelo outro lado.

 

Vamos a um exemplo bastante simples. Se, numa qualquer conversa de café, se ouvir dizer "a minha ex-namorada nunca teve relações sexuais, mas engravidou", o que se pensará? Provavelmente que existiu uma traição da parte dessa ex-namorada. Contudo, se a frase for alterada para "Santa Maria nunca teve relações sexuais, mas engravidou", parece tornar-se aceitável, lógica, vera. Então, qual é a diferença entre ambas as afirmações? Bem, no segundo caso temos acesso a um dado contexto, no qual um evento impossível se torna até bastante possível. É mesmo aqui que a fé entra em jogo - se os argumentos lógicos, apoiados em provas reais, não nos podem levar a nenhum lado, a crítica é feita com base em algo mais, seja fé, mera opinião pessoal, ou algo mais. Fé e lógica são então incompatíveis, como se pode entender através de alguns dos exemplos de Celso e Porfírio acima referidos. No seu âmago, parece-me que são esses os verdadeiros confrontos entre os Pagãos e os Cristãos, o da lógica contra a fé, a oposição do debate ao cânone...

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