As Questões de Bartolomeu
As Questões de Bartolomeu contam-se entre muitos textos cristãos do início da nossa era que se foram perdendo ao longo do tempo. Isso aconteceu por terem sido designados como apócrifos, "não oficiais", ou seja, como textos que se acreditava que não foram inspirados pela verdadeira fé cristã, mas apenas inventados pelos seres humanos, como sabemos que aconteceu com os novelescos Actos de Paulo e Tecla. É difícil saber até que ponto tudo isso será verdade - quer dizer, o que distingue um Evangelho de Mateus de um Evangelho de André? - mas, pelo menos, era assim que se pensava nos tempos da Antiguidade. E então, entre textos atribuídos aos outros apóstolos de Jesus, contava-se este, que até poderá ser o mesmo, ou apenas um segmento fragmentário, de um Evangelho de Bartolomeu.
O que têm então estas Questões de Bartolomeu de digno de nota? Existem delas diversas versões, mas naquela a que tivemos acesso, uma versão grega da composição original, este apóstolo encontra-se com Jesus e com os restantes após o episódio da ressurreição e decidem colocar ao Filho de Deus diversas questões. Esse formato de questão/resposta é relativamente comum em textos gnósticos, mas o que este caso tem de notável é a própria natureza das perguntas que aqui são colocadas, que parecem ser muito mais "picantes" do que as apresentadas em outros textos da mesma natureza.
Por exemplo, é perguntado a Jesus o que fez durante os três dias que precederam a ressurreição - e surge um segmento textual em que as próprias forças das trevas testemunham a "Descida aos Infernos" na primeira pessoa; depois, tenta-se saber como é que Maria concebeu Jesus - uma revelação que, segundo o Filho, destruiria todo o mundo; os apóstolos pedem para ver os Infernos e aquele grande opositor da humanidade - e até falam com ele (!); e surge uma pequena discussão sobre os pecados que eram vistos como os mais importantes (provavelmente a sequência menos interessante).
Mas, no meio de estes episódios das Questões de Bartolomeu vai-se ficando sempre com a ideia de que o seu autor sabia ou conhecia mais do que aquilo que nos vai comunicando. A inquirição sobre a concepção de Jesus é o perfeito exemplo disso mesmo - quando Maria se prepara para revelar mais do que podia, começam a sair línguas de fogo da sua boca, prestes a destruir todo o mundo. Jesus ordena-lhe imediatamente que pare, que não conte nada mais, mas de onde terá surgido uma ideia como essa? Se a, hoje pouco conhecida, Descida aos Infernos nos é conhecida do Evangelho de Nicodemos, terá existido um texto em que a mãe de Jesus também contava aquilo que aqui se vê impossibilitada de revelar? É provável que sim, mas as provas existentes impedem-nos de o concluir com absolutas certezas.
Ainda assim, estas Questões de Bartolomeu são importantes, por nos preservarem um conjunto de ideias e questões católicas cujas respostas foram sendo esquecidas - ou alteradas - ao longo dos séculos, mas que nesses outros tempos dos inícios do Cristianismo até tinham respostas significativas à altura. Em muitos casos eram respostas que hoje até nos poderiam chocar, mas que então tinham a capacidade de responder a muitas questões bíblicas que continuam a ser perguntadas hoje em dia. E talvez seja essa a grande beleza de textos como estes, essa possibilidade de conseguir responder a questões que em muitos casos o leitor até poderia ainda nem saber que tinha. Por isso, apesar de pequeno nas suas formas actuais, esta não deixou de ser uma obra aqui digna de nota.