As várias obras de Luciano da Samósata
São muitas as obras de Luciano da Samósata que nos chegaram até aos dias de hoje, e no contexto deste espaço não posso deixar de mencionar algumas delas, aquelas que terão interesse para este espaço. Estas são, no seu geral, obras com o seu quê de piada, mas que também exigem, muitas vezes, um bom conhecimento dos mitos e das histórias dos Gregos. Aqui fica, portanto, uma referência a alguma das suas obras, sem nenhuma ordem especial:
- Acusação dupla conta-nos um conjunto de casos (ficcionais) a serem julgados num tribunal enviado por Zeus e do qual a Justiça fazia parte. Eventualmente, o próprio autor da obra, sob forma dissimulada, é duplamente julgado nesse mesmo local, e daí o nome da obra.
- Em Âmbar ou Os Cisnes, o autor decide visitar um rio relacionado com o mito de Faetonte, mas não vê lá nada do que esperava.
- Cartas da Saturnália, onde existe uma troca de cartas entre o deus, ricos e pobres, tendo por base alguns dos rituais e costumes próprios dessa época do ano.
- Concílio dos deuses, uma sátira ao vasto número de divindades que, eventualmente, se foram juntando ao panteão dos deuses.
- A Dança apresenta uma lista de temas mitológicos (que poderiam ser tratados nessa arte, mas cujo interesse também a ultrapassa).
- Caronte, onde o famoso barqueiro decide tirar um dia de férias e visitar o mundo dos vivos, com a companhia de Hermes. Essa visita leva a uma discussão sobre o sentido da vida e da morte humana, onde nem falta um distante olhar da famosa conversa entre Creso e Sólon.
- Cronosolon, sátira a algumas das regras da Saturnalia.
- Da Deusa Síria, uma descrição do culto de uma dada deusa Síria (que o autor parece equiparar à Hera grega), e de alguns locais onde este tinha lugar.
- Os Diálogos dos Deuses, Diálogos dos Deuses Marinhos e Diálogos dos Mortos apresentam, como o próprio nome dá a entender, conversas entre conjuntos de personagens sobre temas de ordem mitológica, seja entre deuses (como nos dois primeiros casos) ou entre mortais (como no terceiro caso). São vários e vastos os temas abordados, mas a título de exemplo posso referir o diálogo entre Zeus e Eros (o rei dos deuses queixa-se que as mortais só se apaixonavam pelas transformações, e não por ele próprio), o famoso Julgamento de Páris, e até uma conversa entre Polifemo e Poseidon que toma lugar durante a viagem da Odisseia. Merecem ser explorados, estes pequenos diálogos, mas também só podem ser totalmente compreendidas por alguém que conheça os episódios a que cada um delas faz referência.
- Dioniso, um pequeno relato das aventuras do deus na Índia.
- Héracles, uma comparação do herói com o Ogmis gaulês. Pareceu-me um exemplo interessante da interpretatio graeca, já que são mostradas algumas semelhanças entre as duas figuras, mas também uma diferença essencial.
- A História Verdadeira é, como o próprio autor admite no prólogo, uma sátira aos livros de viagens de outros autores, pejados de fantasias e de impossibilidades. Então, esta história é uma construção do autor em que se podem observar todo o tipo de mitos e fantasias, desde tempestades que duram mais de 40 dias a seres que caminham na água com os pés de rolha, passando pela ilha onde habitam os sonhos (estas com quatro portas, duas a mais do que as usuais), civilizações que vivem no interior de uma baleia, e outras coisas que tais. É, a meu ver, um dos mais interessantes textos da Antiguidade, mas trata-se de uma opinião meramente pessoal.
- Icaromenipo, onde Menipo decide imitar o exemplo de Ícaro e sobir aos céus para visitar os deuses, inicialmente em busca de uma resposta a uma dada questão.
- Menipo, ou a Descida ao Hades, conta a história de um filósofo que decide ir ao reino dos mortos falar com Tirésias. Relata, depois, a um amigo tudo aquilo que viu por lá, incluíndo a resposta que Tirésias lhe deu sobre a verdadeira filosofia, e um decreto passado em relação aos ricos; se, no geral, a história poderá não parecer muito interessante, existem aqui elementos particulares que são de algum interesse, nomeadamente a forma como Menipo consegue descer ao reino de Hades, e as descrições do que vê por lá.
- O Galo, em referência a um galo falante (spoilers: é uma reencarnação de Pitágoras), que acaba por ensinar a um pobre homem que o real valor da felicidade não vem do dinheiro. Claro que o conteúdo não é propriamente mitológico, mas existem vários elementos neste trabalho que remetem para os mitos e que me parecem ser tão importantes quanto interessantes.
- O texto de O mentiroso contém uma famosa história de vassouras enfeitiçadas para limparem uma casa, mas também várias outras histórias de fantasmas, espíritos e eventos sobrenaturais. Contudo, o próprio título dá a entender que essas histórias são falsas.
- Prometeu retrata-nos o momento em que o famoso titã ia ser preso, "crucificado", na famosa rocha. Nesse momento, e na presença de Hermes e de Hefesto, o titã defende as suas acções, justificando cada um dos seus três crimes (o engano a Zeus relativamente aos sacrifícios, a criação do Homem, e o roubo do fogo) e profetizando que, um dia, seria libertado por "um arqueiro tebano".
- Saturnalia, uma descrição do famoso festival.
- Em Timão, ou o Misantropo, somos confrontados com um pobre homem, vítima do destino, e que se vê privado daqueles que considerava seus amigos. Faz um apelo à justiça divina (nesse ponto, a conversa de Zeus com Pluto e outras figuras tem especial interesse), e quando se vê novamente afortunado, decide mudar a forma como vivia a sua vida, dando o merecido a todos aqueles que o maltrataram nas alturas de vera necessidade.
- Uma conversa com Hesíodo confronta o famoso autor com algumas promessas por ele feitas e que não foram cumpridas.
- Na Viagem ao Mundo Inferior podemos ver um pouco do caminho percorrido pelos mortos, desde que são recebidos por Caronte, onde se identificam, até ao seu julgamento por Radamento.
- Em Zeus Confutado, o rei dos deuses é confrontado com o papel de Destino, e é-lhe mostrado que os deuses não têm qualquer valor ou papel real, e que os crimes da humanidade nem sequer são puníveis.
- Zeus Trágico é a história de um debate entre dois filósofos, um estóico e um epicurista, no qual os deuses têm um especial interesse. O leitor só tem acesso à parte final do debate, em que o favorito dos deuses é depressa derrotado, mas os própios pensamentos e debates dos deuses, quando confrontados com os diversos argumentos, têm mais interesse que o debate dos dois mortais.
De todos estes títulos, eu gosto - e, como de costume, convém dizer que é uma opção meramente pessoal - especialmente da História Verdadeira e do texto do galo, mas como qualquer leitor poderá constatar nas linhas anteriores estes textos são, quase todos eles, interessantes para o estudo dos mitos gregos.