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Mitologia em Português

01 de Novembro, 2020

Breve história da origem do Pão por Deus

Contemos uma breve história da origem do Pão por Deus... Ainda há dias nos perguntaram de onde vem a tradição do Dia das Bruxas, mas o que já poucos parecem perguntar é sobre a história da tradição bem portuguesa para essa mesma época do ano. E, honestamente, até há poucos dias talvez não soubéssemos o que lhes responder, até que um colega se deparou com um livro de meados do século XX, Festivals of Western Europe. A obra em questão tem algum interesse, na medida em que detalha alguns feriados europeus e as respectivas histórias. Entre os vários feriados nacionais presentes nesse texto de Dorothy Gladys Spicer conta-se o Dia de Finados, a 2 de Novembro, em que é feita uma breve alusão aos eventos do dia anterior:

On November 1 bands of children go about singing for "bread for God," and are rewarded with food and drink. Sometimes the singers receive bolas de festa, special Day of the Dead sugar cakes, flavored with cinnamon and herbs.

 Broas do Pão por Deus

Apesar de sucintas, estas linhas dão-nos três informações importantes - há pouco mais de 50 anos as crianças cantavam "algo" (que, infelizmente, o texto não nos preserva), recebiam comida e bebida em troca, e até existia um bolo "doce, de canela e ervas", potencialmente característico da época. Que esses bolos se tratam das broas que hoje podem ser adquiridas em qualquer supermercado é difícil de duvidar, dados os seus ingredientes, mas o que dizer sobre a origem do Pão por Deus, bem como a cantiga associada a esse dia?

 

Em relação ao primeiro ponto, o da origem do Pão por Deus, ouvimos muitas opiniões, a mais contundente das quais diz que terá nascido com o terramoto de 1 de Novembro de 1755, em que supostamente as pessoas que sobreviveram ao cataclismo teriam andado pela cidade a mendigar "[dêem-nos] pão, por Deus". Mas essa é uma falsa origem, já que existem referências a um evento com este nome anterior à data, em que pão cozido era oferecido aos pobres. Por isso, se pensarmos na data a que está associado, é muito mais provável que a tradição tenha vindo de sucessivas adaptações de antigos cultos aos santos e aos defuntos, em que a oferta de pão (e bolos) aos mortos, que já existia na Antiguidade e até antes do Cristianismo (e de que até São Martinho de Dume se veio a queixar), foi sendo substituída pelas mesmas ofertas aos vivos - algo que, na verdade e de forma comprovada, até está por detrás de outras celebrações da mesmo época do ano, como o Halloween.

 

Agora, em relação à cantiga característica da época, encontrámos várias versões, possivelmente de diferentes locais de Portugal, mas que parecem ter todas algo em comum - a uma sequência estática de versos rimados, em que era pedido o tal "Pão por Deus", era dada uma resposta positiva ou negativa, consoante se gostasse, ou não, da oferta. Um documento da DGPC sobre património imaterial até dá exemplos tanto positivos - "Esta casa cheira a broa/Aqui mora gente boa!" - e negativos - "Esta casa cheira a alho/Aqui mora um espantalho!", "Esta casa cheira a unto/Aqui mora algum defunto!".

E isto é fascinante, verdadeiramente fascinante, porque denota que existe uma linha condutora semelhante entre o festival nacional do Pão por Deus e ideias (internacionais) presentes no Halloween, sendo possível ver o segundo como uma espécie de simplificação do primeiro. À medida que as pessoas foram saindo dos campos para as grandes cidades, foram esquecendo as ideias dos seus antecessores e os versos originais foram-se perdendo (há excepções, claro...), e uma simplificação dos rituais levaram ao que temos hoje, duas celebrações com um cerne muito semelhante, que competem pelos mesmos recursos, quando nem são assim tão diferentes, só pecando pela substituição de um património nacional, que está a ser progressivamente mais e mais esquecido, por um que é claramente estrangeiro.

 

Por isso, deixamos um pequeno desafio - caso alguém que leia estas linhas ainda conheça os versos da sua região relativos a este feriado, por favor deixe um comentário abaixo com os mesmos, tendo o cuidado de referir em que concelho os aprenderam. Talvez assim possamos ver as semelhanças, e diferenças, que existem nesta tradição em diversos pontos do país...

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