Como o Latim se tornou o Português? Um brevíssimo resumo!
Falar sobre a forma como o Latim se tornou o Português não seria tarefa fácil, não fosse uma pura coincidência com que nos deparámos há alguns dias. Enquanto líamos a obra Notícias Necessárias e Curiosas da Cousas do Brasil, escrita pelo Padre Simão de Vasconcelos e publicada em 1668, encontrámos um breve trecho que reproduzimos mais abaixo, e que apresenta como essa transformação de uma antiga língua numa nova se foi processando ao longo dos séculos. Claro que toda a ideia é aqui muito simplificada, mas foi colocada pelo seu autor de uma forma tão simples e breve que sentimos que a devíamos apresentar aqui:
Os modos com que esta língua [i.e. o Latim] se foi variando, até chegar ao estado em que hoje a falamos, foram os seguintes.
Primeiro, por corrupção da terminação das palavras, porque em lugar de sermo, que antes dizíamos, dizemos hoje sermão; em lugar de servus, servo; de prudens, prudente.
Segundo, por corrupção de diminuição de letras, ou sílabas, porque de mare, dizemos mar; de nodum, nó; de sagitta, seta.
Terceiro, por acrescentamento de letras ou sílabas, porque de umbra, dizemos sombra; de mica, migalha; de acus, agulha.
Quarto, por troca de umas letras em outras, como de ecclesia, igreja; de desiderium, desejo; de cupiditas, cobiça.
Quinto, por trespaço de letras, como de fenestra, fresta; de capistrum, cabresto; de feria, feira.
Outra casta de corrupção é por metáfora, muito natural aos Portugueses, como chamando assomado ao acelerado (ou irado), tomando a metáfora dos que fazem a conta em soma, e não por miúdo; porque o assomado não lança conta ao que faz por miúdo. Da mesma maneira chamamos abelhudo ao que anda apressado, tomando a metáfora da abelha; e lampeiro ao que faz a coisa antes do tempo, tomando a metáfora dos figos lampos; taludo ao que já é crescido, pela metáfora das alfaces.
Claro que esta versão de como o Latim se tornou o Português é mesmo muito simplificada, mas pelo menos permite-nos ter uma visão muito geral do que se foi passando ao longo dos séculos. A obra de Simão de Vasconcelos, em si mesma, pouco mais oferece sobre o tema em questão do que isto, mas como o seu título indica (relembre-se, ele é Notícias Necessárias e Curiosas da Cousas do Brasil), ela até contém, aqui e ali, alguns episódios de carácter lendário e mitologico associados às Terras de Vera Cruz. Por exemplo, a aparição de um monstro marinho no local quando os Portugueses aí primeiro celebraram a Eucaristia, um suposto dilúvio universal (que também tinha tido lugar no Brasil), e a forma como São Tomé se dizia ter evangelizado os povos desse novo continente... nada de muito curioso ou digno de nota, excepto pelo facto da obra captar bem o espírito desses tempos, no século XVII.