"Contra as nações", de Arnóbio de Sica
De entre as obras teológicas dos primeiros séculos da nossa era, esta é talvez uma das mais interessantes que eu já tive a oportunidade de ler. Apesar de ter a mesma ideia-base por detrás de De Civitate Dei, que seria somente escrita mais de um século depois, a forma de expressão e o próprio conteúdo desta obra nada ficam a dever à de Santo Agostinho, bem pelo contrário. Em detrimento de perder tempo infindável em novas deambulações teológicas, Arnóbio faz aqui desfilar todo um interessante conjunto de argumentos contra a religião romana, e fá-lo de uma forma avassaladoramente simples, capaz de refutar, e até mesmo de ridicularizar, muitas das crenças da época.
Se, nesse sentido, alguns argumentos seriam depois repetidos por Santo Agostinho (recordo-me, por exemplo, das referências ao facto de Roma já andar a sofrer calamidades antes da chegada da religião cristã), há também aqui múltiplos argumentos totalmente válidos, e que por vezes se apresentam de uma forma tão simples que um leitor até se chegará a interrogar porque nunca teria pensado nisso. Por exemplo, porque eram os deuses sempre representados da mesma forma (Jupiter com barba, Apolo sem ela, etc.)? Porque gostavam eles do sacrifício de animais, e da queima de incenso? Porque deviam ser venerados, em específico, nos templos que lhes eram consagrados? E porque existiam então entidades divinas específicas para dadas funções?
Todas estas, e muitas outras, são questões cuja resposta Arnóbio de Sica tenta descobrir e levar até às últimas consequências, deixando muito pouco por explorar, e tentando esclarecer os leitores em tudo o que possa. Convém, ainda assim, mencionar que o autor não se vê como possuidor de um conhecimento sobrehumano, como sucede com outros autores cristãos; muitas vezes, apoia-se em argumentos de outros autores (entre eles Cícero e Varrão), e chega até a confessar a sua própria ignorância, não só em relação a aspectos do próprio Paganismo mas até da religião que defendia, o Cristianismo, e essa é uma (aparente) sinceridade que, infelizmente, outros autores da época parecem nunca mostrar.
Um outro aspecto interessante desta obra é o facto de mostrar, em alguns pontos, uma visão religiosa que não pertence totalmente a nenhum dos polos em confronto, mas que tem uma relação palpável com ambos. Recordo-me, por exemplo, do autor admitir até uma existência possível dos deuses do Paganismo, mas colocando-os abaixo do Deus que venerava, já que os considerava menos perfeitos que este.
Em suma, esta é uma obra bastante interessante para todos aqueles que queiram explorar a fundo a religião de Roma e da Grécia Antiga, e explora até vários mitos, alguns deles totalmente desconhecidos para nós. Infelizmente, é também a única deste autor, e muito pouco se sabe sobre ele...