"Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa", de Francisco de Holanda
Falar sobre esta obra, Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, de Francisco de Holanda, implica necessariamente abandonar os processos habituais de todo este espaço para aqui contar uma história que me é bastante pessoal. In illo tempore uma amiga pediu-me que lhe encontrasse uma cópia da obra a que se referem as linhas de hoje. "Que terá isso de complicado?", pensei eu, e depressa consegui encontrar uma edição, penso que de inícios do século XX, que continha todo o texto adaptado de duas das obras deste autor. Porém, quando a entreguei à minha amiga, ela explicou-me que o grande problema não era o de encontrar uma edição textual desta obra, mas sim uma em que constassem os desenhos originais, feitos pelo autor, que em quase todos os casos apresentam as suas sugestões para melhorias que poderiam vir a ser feitas na cidade de Lisboa, e onde são apresentadas pérolas como esta, para a renovação de uma ponte sobre o Tejo na zona de Abrantes:
Na altura não foi possível localizar a obra em questão, numa edição que tivesse os respectivos desenhos, mas prometi-lhe que, custasse o que custasse, lhe arranjaria um dia uma cópia da mesma...
De que fala, portanto, esta Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, da autoria de Francisco de Holanda? O seu título não é muito claro, em virtude da forma como a língua portuguesa foi evoluíndo ao longo de mais de quatro séculos, mas ele refere-se a uma sugestão de construções que, segundo o próprio autor, muito beneficiariam a cidade de Lisboa - fortificações, pontes, locais religiosos, etc., que o autor diz ter testemunhado no exemplo de outras grandes cidades europeias e que pareciam faltar na capital de Portugal. O rei Dom Sebastião acabará por nunca as realizar, por razões que nos são bem conhecidas, mas o interesse da obra é essa sugestão de novas construções para a cidade, que não só o autor deixou por escrito, como também desenhou, em jeito de uma proposta mais concreta. Talvez não sejam desenhos tão belos como os que o autor nos deixou no seu De Aetatibus Mundi Imagines, mas pelo menos referem-se a temas mais reais e que muito teriam embelezado a nossa capital de Portugal.
Também, é importante frisar que, aqui e ali, o autor desta Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa faz brevíssimas alusões a mitos e lendas da sua época, desde a fundação de Lisboa por Ulisses até ao famoso caso de São Vicente, passando por uma estranha violação da hóstia no ano de 1552. Esta não é, muito claro está, uma obra de grandes conteúdos mitológicos, mas por essas ténues referências podemos construir uma ideia geral das histórias que se contavam sobre - e em - Lisboa nessa segunda metade do século XVI.
Mas... porquê falar desta obra agora? Para terminar a história presente no início da publicação de hoje, há uns meses contactei a Biblioteca de Ajuda, onde está hoje o único manuscrito desta Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, e fui informado que foi recentemente produzido um fac-símile da obra original, que também inclui todos os desenhos. Infelizmente, parece que (agora) até já está em ruptura de stock, mas pelo menos consegui adquirir, para uma biblioteca privada, uma cópia da obra antes de ela se voltar a tornar inacessível ao cidadão comum.
Por isso, para ti... que nunca irás ler estas linhas, consegui o que te prometi. Um dia prometi-te que encontraria uma cópia desta obra e acabei por fazê-lo. Demorei alguns anos, já não poderás vê-la aí onde estás, isso macera-me o coração e a alma, mas cumpri a minha promessa (!), e que me perdoem todos aqueles que queiram levar a mal o tema (pessoal) deste dia de hoje. Feita então esta ressalva pessoal, volto, com os meus colegas, aos temas habituais no início da semana que vem!