Dares Frígio, Díctis de Creta e as outras Guerras de Tróia
Creio que qualquer pessoa que venha a ler estas linhas já terá pelo menos ouvido falar da Guerra de Tróia, normalmente nos relatos de Homero ou de Virgílio. Existem também outros relatos parciais, como os de Ovídio, mas aqui eu gostaria era de falar de dois relatos menos conhecidos, o de Dares Frígio e o de Díctis de Creta.
A versão de Dares Frígio, alegadamente mais antiga que a de Homero mas composta por um único livro, começa por cobrir eventos muito anteriores à própria guerra, e relaciona eventos que nos podem parecer desconexos (como a expedição dos Argonautas) com esta. Apresenta simples descrições de quase todas as personagens (por exemplo, em relação a Cassandra é dito que tinha estatura moderada, boca redonda, cabelo castanho-avermelhado, olhos que piscavam, e que sabia o futuro), mas um dos aspectos que me pareceu mais interessante é o facto do autor descartar por completo as divindades, e tentar mascarar alguns dos elementos lendários, como o tão conhecido Cavalo de Tróia. Por exemplo, o "Julgamento de Páris" toma lugar num sonho do herói, que é posteriormente interpretado, e o cavalo é somente um símbolo associado à porta por onde a cidade é invadida.
Na versão de Díctis de Creta, que diz ter assistido a todos os eventos narrados (ao longo da história entende-se que isso não pode ser verdade), existem também alguns elementos interessantes. Nem todos os episódios coincidem com os de Homero - por exemplo, Palamedes aparece neste texto (está totalmente ausente no de Homero), os heróis gregos disputam o Paládio (na Ilíada, lutam pela armadura de Aquiles), Filoctetes tem um papel mais activo, etc. - mas uma das características mais interessantes advém do livro VI, o último, em que é contado o regresso dos heróis gregos. Mais do que repetir a Odisseia ou a Eneida, o autor faz um verdadeiro epilógo da guerra, contando o destino final de Ulisses, a morte que lhe vem do mar (que, como muitos leitores provavelmente notam, nunca ocorre na versão de Homero), as desventuras de Agamémnon e de Orestes, entre vários outros episódios.
Agora, uma questão que se põe, evidentemente, é... será alguma destas versões superior à de Homero? Em termos estilísticos parece-me claro que não, mas serão elas mais fieis a uma possível e histórica guerra de Tróia? Não sabemos, jamais poderemos vir a sabê-lo, mas pelo menos permitem-nos comparar tradições concorrentes de um mesmo mito, muitas das quais fariam parte do Ciclo Épico e que estão, para nós, perdidas, como é o caso dos eventos que ocorrem nos anos da guerra que Homero não narrou.