De onde nasceu a ideia da Trindade?
A questão da forma como nasceu a ideia da Trindade é de uma complexidade imensa, que não pretendemos abordar de forma aprofundada. As linhas que se seguem são, portanto, uma versão muito básica e simplificada dos acontecimentos.
As crenças do Cristianismo tiveram a sua base no Judaísmo, em que é mencionado "Deus" como a única figura divina dessa religião. No entanto, com o advento do Cristianismo, e em particular com a ideia de Jesus enquanto filho de Deus, começaram a pôr-se todo um conjunto de questões de grande complexidade, como, a título de exemplo, as seguintes:
Em que momento se tornou Jesus divino? Nasceu assim, ou apenas se tornou divino mais tarde?
Quando a "pomba" desceu sobre Jesus no baptismo, o que teve lugar?
O livre-arbítrio existe, podendo Jesus decidir não ser crucificado?
Deus também foi crucificado? Sentiu dor?
(...)
Dificilmente se poderia aceitar ideias como as de um Jesus criança a usar milagres na oficina de José, ou de um Deus crucificado e a sofrer na cruz. Por isso, questões como estas levaram ao problema de tentar definir quem era Deus, quem era Jesus, e quais os limites de ambas as figuras. Infelizmente, os textos bíblicos também não ajudam na resolução de questão, já que tanto Jesus como os seus predecessores nada de conclusivo disseram sobre o tema. Assim, surgiu a necessidade de recorrer a outras fontes. Mas quais são elas?
Poderá até chocar alguns leitores menos informados, mas muitas das bases da teologia cristã provêm do Neoplatonismo, mais precisamente do Timeu platónico, um texto de grande complexidade mas que contribuiu, por exemplo, para a ideia de uma terceira figura na Trindade, o Espírito Santo, anteriormente conhecido como o Logos, aquela "Palavra" (recorde-se que uma das traduções mais simples do "λογοσ" grego é palavra, discurso) a que se refere o primeiro versículo do evangelho atribuído a João.
Assim, se os primeiros adeptos do Cristianismo já acreditavam na existência de Deus (recorde-se, naturalmente, que eram Judeus), e pensavam em Jesus como filho dessa figura, foi através de conflitos religiosos e da influência de diversas heresias que a teologia cristã foi sendo refinada. Se, por exemplo, Deus não sofreu na cruz, isto tornaria difícil que fosse também Jesus, mas se Deus não era Jesus isso poderia levar à ideia de que os cristãos veneravam dois (ou mais) deuses, o que não é simples de explicar. Outros pensavam que Jesus era a primeira de todas as criaturas, enquanto outros pensavam que este era co-eterno com o Pai. Existiam ainda aqueles que posicionavam o Espírito Santo abaixo dessas duas figuras divinas. Em suma, a história das heresias nos primeiros séculos da igreja está intimamente ligada à própria definição, que ainda hoje temos, do divino.
Portanto, se Deus tinha de existir, tal como era inegável a existência de Jesus, essa ideia foi sendo refinada com base nas ideias dos opositores da igreja católica, com o Espírito Santo a ser pensado como uma espécie de interveniente com a função geral de comunicar algumas mensagens divinas aos seres terrenos. É - deixe-se bem claro - uma ideia muito simplificada do que teve lugar, mas serve para explicar, de uma forma pelo menos basilar, como o Deus do Judaísmo se tornou na Trindade da nova religião.