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Mitologia em Português

07 de Janeiro, 2021

"Dolopathos", de João de Alta Silva

Este Dolopathos, de João de Alta Silva, é uma obra do século XII relativamente simples na sua trama, mas que merece ser referida aqui em função de uma possível influência significativa na cultura europeia medieval.

Dolopathos, de João de Alta Silva

Essencialmente, Dolopathos, obra também conhecida como História dos Sete Sábios - existem muitas outras com esse nome, daí se ter escolhido aquele outro título alternativo para ela - conta-nos a história de um rei com este mesmo nome, cuja vida se atribui ficcionalmente ao tempo de Tibério, i.e. século I da nossa era. O rei tem um filho e envia-o para Roma, para ser criado pelo sábio Virgílio, até que, após várias aventuras, este jovem, de nome Lucínio, é chamado de volta a casa... o que nada teria de estranho, não fosse o facto de Virgílio o ter feito jurar que não voltaria a falar com ninguém até que ambos se reencontrassem.

Isto leva a que surjam diversos estratagemas para tentar fazer Lucínio falar, o mais notável dos quais passa por tentar usar os encantos da carne contra ele. Mas ele vai-se mantendo irredutível na sua decisão, até que, loucamente apaixonada por ele, a nova esposa de seu pai decide espalhar um rumor vingativo, o de que este jovem tentou violá-la. A ideia não é nova, mas com muito pesar Dolopathos decide que tem de punir o próprio filho como puniria outro culpado do mesmo crime, i.e. com a morte, e é aí que surgem os proverbiais "Sete Sábios" do título original.

 

Por sete vezes, quando Dolopathos se prepara para matar Lucínio numa fogueira, surge um desses sete sábios (que aqui nem têm identidades reais, são apenas "sete sábios"), conta uma história aos presentes, e depois pede que, em troca, o jovem seja poupado por mais um dia. Isto vai enfurecendo grandemente a madrasta, que só quer a punição do jovem cujo único "crime" real foi o da castidade. O importante é que entre essas sete histórias individuais se contam algumas que obtiveram fama por si próprias, e que vão desde a história associada a São Guinefort até à do Cavaleiro do Cisne (naquela que parece ser a sua primeira versão escrita).

Terminada essa sequência, sem dúvida a mais significativa da obra, Virgílio volta e dá a Lucínio a autorização para ele voltar a falar. Tudo o que se passou é explicado pelo jovem, que pouco depois se torna rei. Surge então uma exposição das principais ideias do Cristianismo - recorde-se que esta é uma obra cristã, com as sete histórias provavelmente incluídas aqui para aguçar o apetite para os ensinamentos religiosos - e o sábio jovem, agora já novo monarca do reino do pai, converte-se ao Cristianismo.

 

Finalizado este resumo da trama, o que mais podemos dizer deste Dolopathos, a História dos Sete Sábios? Visto que o seu elemento central são as suas sete histórias contadas pelos sábios, elas podem ser lidas sem qualquer conhecimento da narrativa principal. Destinam-se, pelo seu contexto, a convencer Dolopathos à prudência de poupar o seu filho até outro dia, mas mesmo sem esse contexto são sete histórias individuais que dão algum prazer de leitura, e que pelo menos em alguns casos vieram de terras do Oriente no tempo das Cruzadas. Onde começa e acaba essa influência oriental nem sempre é fácil de precisar, mas parte da sua popularização no Ocidente deve-se a obras como esta, em que são contadas várias pequenas histórias, numa esquema literário que, séculos mais tarde, verá o seu mais famoso exponente no Decameron de Boccaccio.

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