Duas lendas da Sertã
A Sertã é uma vila no norte de Portugal, mais precisamente no distrito de Castelo Branco. É face ao seu incomum brasão que hoje queríamos falar dela aqui, mas depois encontrámos, por mero acaso, uma outra lenda da mesma região que é digna de nota, e então decidimos concentrá-las às duas numa só publicação.
Se não é tão complexo como o de Coimbra ou tão estranho como os de Beringel e de Monção, este brasão contém no topo uma sertã, que é uma espécie de frigideira de outros tempos, e também uma pequena frase em Latim, Sartago sternit sartagine hostes, que quer dizer algo como "A Sertã controla os [seus] inimigos com uma sertã". Tudo isto se deve a uma lenda, de origem um tanto ou quanto incerta, que nos diz que quando, ainda no tempo dos Romanos, alguns inimigos tentaram conquistar esta povoação, uma mulher local - alguns dizem que o seu nome era Celinda - pegou na sua sertã e com ela derramou azeite quente sobre os opositores, atrasando a sua tentativa de conquista do local, até ao momento em que os homens a puderam defender como fariam habitualmente.
É, portanto, uma lenda simples, mas que também levanta uma questão - como é que a Sertã se chamava antes de todo este episódio de contornos lendários? Se até já era Sertã, Sartago na língua dos Romanos, o que dizer de toda esta estranha coincidência? Não sabemos, nem há forma conclusiva de o saber. Passemos, por isso, a uma segunda lenda da mesma povoação.
Presente no Santuário de Nossa Senhora dos Remédios da Sertã, este painel de azulejos descreve, de uma forma bastante sucinta, uma lenda local, que podemos resumir nas próprias palavras aí presentes, até porque não são muito fáceis de ler na imagem:
Nesta capela existe, desde tempos imemoráveis, a queixada de uma serpente, que surpreendendo um fidalgo, grande senhor destas terras, se salvou por milagre da Santa Virgem, que lhe deu coragem para se defender de tão horrível monstro.
Assim, essencialmente este fidalgo foi atacado por uma serpente assustadora, pediu a ajuda de Santa Maria (lembrando-nos lendas como as da Nossa Senhora da Nazaré), e a santa inspirou-o a derrotar o monstro; se versões recentes da lenda até dizem que ele o fez com uma espingarda, talvez os tais "tempos imemoráveis" não o sejam tanto como parecem... mas, fora essa discrepância, diz-se então que parte do corpo do monstro foi colocada na igreja local (mas não conseguimos obter confirmação se ainda existe nos dias de hoje).
Um local, duas lendas, como tantas outras que podem ser encontradas em povoações do nosso país - uma, que descreve como todo o local parece ter recebido o seu nome; e uma outra, de conteúdo religioso, que explica a razão de ser do santuário local. Ambas breves, mas plenas de significado para aqueles que residem nesses locais, e que demasiadas vezes são desconhecidas dos demais, razão pela qual decidimos recontá-las por cá...