E a Mitologia Portuguesa, ou os mitos de Portugal?
São cá frequentemente feitas pesquisas pela Mitologia Portuguesa, mitos portugueses, ou mitos de Portugal. Não é fácil responder a essas pesquisas, porque como parte dessa mesma cultura portuguesa nos é difícil reconhecer os nossos próprios mitos, excepto se se tratarem de histórias antigas ou que quase já se perderam (e.g. o caso da Arranca-Pregos, ou o dos Olharapos, Olharapas e Olhapins). Para nós raramente são mitos, mas uma parte integrante daquilo que somos.
Um pequeno exemplo. Há já alguns dias, em pleno 25 de Abril, um idoso contou-nos que Salazar teve uma filha por uma cozinheira que lhe prestava serviço. Não há - e naturalmente que fomos procurar - qualquer registo real dessa ocorrência. Por isso, o que chamar a essa informação? Um mito, uma lenda, uma ilusão, uma falsidade, uma invenção, uma verdade improvável? Não importa... mas suponha-se que daqui a 1000 anos alguém se depara com essa mesma informação, e escreve que "segundo alguns, Salazar teve uma filha ilegítima por uma cozinheira que lhe prestava serviço" - não seria essa informação semelhante àquelas que encontramos em tantos livros da Grécia Antiga?
De modo semelhante, existem histórias que todos conhecemos - a de Santa Isabel e o Milagre das Rosas, a de Viriato, a da Batalha de Ourique, a da Porca de Murça, a de São Vicente, e tantas outras que vamos ali armazenando na secção dos mitos e lendas de Portugal - mas que jamais consideramos como sendo mitos. Isto porque, a nós próprios, elas não nos parecem mitos, porque são nossas, fazem parte daquilo que somos no nosso âmago, como dos Gregos fazia parte a crença em Zeus, nos Latinos a crença em Eneias e Luperca, nos Ingleses da Idade Média a crença num Rei Artur, e nos antigos habitantes da Lusitânia uma crença (local?) em Endovélico.
O que distingue as nossas dessas outras crenças é o facto de as vivermos, de estarmos de alguma forma dentro delas. Por isso, só o peso do tempo dirá quais virão a ser as histórias que acabarão por compor a nossa mitologia colectiva; até esse momento chegar, não podemos senão contentar-nos com referências às muitas e famosas lendas de Portugal que cá vamos recontando...