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Mitologia em Português

01 de Setembro, 2021

Em busca da lenda do Solar dos Marinhos (e a de Dona Marinha)

De entre as muitas lendas que Teófilo Braga considerava as mais significativas de Portugal encontra-se uma a que ele chamava a do Solar dos Marinhos. Porém, quem procurar na internet uma lenda nacional com esse nome depressa se aperceberá que ela parece não existir. O nome parece, à partida, remeter para uma casa ou localização, mas nada existe sobre um tal local. Quanto muito, encontram-se uma ou duas citações desse mesmo autor português, que fazem breve alusão à lenda em questão, mas que nunca a contam. Assim, quando partimos em busca dela, as (poucas) linhas que esse escritor dedicou à lenda em questão dão-nos uma pista preciosa:

A tradição do Solar dos Marinhos deriva também dessas lendas heráldicas fundadas na crença das fadas terrestres, como a Melusina e a Dama Pé de Cabra, ou do mar como as Sereias (...)

[E mais à frente alude-se ao] conto da Sereia ou Marinha, donde tira sua origem o Solar dos Marinhos (...)

Por aqui se depreende que a lenda em questão tinha elementos fantásticos, mas também que ela adoptava um nome alternativo, o de conto ou lenda da Marinha. E, de facto, o Livro de Linhagens do Conde Dom Pedro, do século XIV, conta a história de uma "Dona Marinha", que parece corresponder ao muito pouco que sabemos da lenda em questão. Portanto, acreditando que ambas se referem a uma mesma trama - e não temos qualquer prova real em contrário - podemos contar aqui essa outra lenda:

A lenda do Solar dos Marinhos?

Dado dia, um tal Dom Froião andava a cavalgar pela praia quando viu uma "molher marinha" [sic.], de beleza infinita, a dormir junto à costa. Ela tentou fugir, sem nunca conseguir dizer uma palavra que fosse, mais foi levada para casa do cavaleiro. Ele baptizou-a com o nome de Dona Marinha e teve vários filhos dela, entre eles um tal João Froiaz Marinho. Depois, o tempo foi passando... até que um dia, na brincadeira, Dom Froião fingiu atirar um dos seus filhos para o fogo. A mãe, não percebendo tratar-se de uma brincadeira, tentou gritar, e - assim diz a lenda - saltou-lhe pela boca "uma peça de carne", tornando-lhe possível falar. Face a esses novos acontecimentos, o apaixonado finalmente casou com ela.

Dona Marinha era uma sereia?

Por toda esta lenda se compreende que a palavra "solar" é aqui utilizada no sentido de "origem, princípio", em vez de se referir a uma localização concreta, tratando-se portanto esta de uma pequena história (supõe-se que ficcional, não é?) que explica como a família dos Marinhos teve a sua origem. Eles adoptaram esse seu apelido devido à chamada "molher marinha" da história, mas... seria mesmo ela uma sereia, como as linhas já citadas acima parecem indicar? Na verdade, a história original refere-se a ela somente por essa designação, e pelo contexto podemos inferir que Dona Marinha era uma mulher que vivia no mar ou veio desse local, mas nada é dito sobre a sua forma física - pelo contrário, pela referência à sua beleza podemos considerar que ela era atraente e, portanto, completamente humana.

 

O que não é tão fácil de compreender é o porquê de ela não conseguir falar, originalmente, mas recuperar esse importante dom depois de cuspir "uma peça de carne". Claro que toda a história nos transporta para o reino da fantasia, em que as coisas não têm necessariamente de fazer sentido, mas será que se pretendia uma oposição peixe - carne ou mar - terra? Ou será essa apenas uma potencial leitura moderna, cujo original nada pretendia? É apenas uma questão de opinião, visto que a lenda do Solar dos Marinhos, a que também podemos mesmo chamar a lenda de Dona Marinha, tinha apenas a função de explicar a origem lendária dessa família, em que o facto da misteriosa mulher não falar é completamente secundário, recuperando ela essa dom quase apenas para proferir o "sim" do casamento. Mais que isso, poderão ser somente leituras que o original não parecia pretender que se fizessem...

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