Em busca dos Olharapos, Olharapas e Olhapins
Para quem ainda não o saiba, os Olharapos, Olharapas e Olhapins são criaturas da mitologia nativa portuguesa, que um dia parecem ter sido bem conhecidas no norte do país. Infelizmente, ao longo dos anos foram-se perdendo, sendo hoje pouco mais do que uma vaga memória de outros tempos. Isso é particularmente visível na compilação do site Lendarium, que regista um - e somente um - registo para a primeira destas criaturas (pode ser visto aqui), mas nenhum para as duas restantes. O dicionário da Priberam define as três criaturas - Olharapos, Olharapas e Olhapins - de forma quase igual, como "Entidade[s] pertencente[s] à superstição popular, equivalente[s] a fantasma, lobisomem ou papão", enquanto que a Infopédia diz, relativamente ao primeiro, que é um "gigante feroz, com um só olho, que protagoniza diversas lendas populares tradicionais". Há uns anos, em plena Expo 98, lá se ouviu falar dos seus nomes (uma imagem deles no portfólio do respectivo construtor pode ser vista abaixo), mas com pouca relação com as figuras originais do mesmo nome. Fora estas breves referências, as três classes de criaturas parecem hoje estar muito perdidas, quase olvidadas. Assim, e para que não fossem totalmente esquecidas, decidimos partir em busca delas, numa viagem que foi tudo menos fácil, e que hoje concluímos com as considerações abaixo:
O Olharapo e a Olharapa estão intimamente ligados, sendo a segunda apenas uma versão feminina do primeiro. Leite de Vasconcelos apenas nos diz que estes seres tinham um único olho e eram antropófagos. Contudo, Ana de Castro Osório preserva algumas menções adicionais a esta criatura, que aqui são especialmente dignas de nota - ao longo de três histórias distintas, em que surge como antagonista ou mero monstro, é dito que ele era é uma espécie de gigante, "alto como uma torre"; que se confundia com lobisomens, feiticeiras e trasgos, seres "que pelo mundo andavam a fazer mal"; que comia carne humana; com filhas feiticeiras; e com "um olho na testa e dois na cabeça, que vêem tudo ao mesmo tempo", o que até contrasta com outra história da mesma autora, em que ele se confunde com a aventura do Polifemo homérico, sendo aí apresentado como "um gigante conhecido em todo o país por todo o mal que fazia e até o chamavam Olharapo, por ser da raça dos gigantes que têm um grande olho na testa e são considerados os piores."
Já o Olhapim era uma criatura que, supostamente, tinha quatro olhos, dois na parte da frente da cara e outros dois na nuca, permitindo-lhe ver tudo em seu redor. Essa ideia até está presente no dicionário da Priberam, que define apenas o Olhapim, mas não as outras duas criaturas, como uma "pessoa que tudo vê e observa", o que dá algum jeito para entender o seu carácter original, até porque já não conseguimos encontrar qualquer história em que eles tivessem um papel significativo.
Pior ainda (!) - as histórias de Ana de Castro Osório levam a inferir-se que o Olharapo de que ela ouviu falar não tinha necessariamente uma forma física estável - estes monstros podiam ter entre um e quatro olhos, fazendo deles quase até sinónimos das outras criaturas que aqui referimos hoje. Isso tende a ser, igualmente, um sinal notório de que a sua representação física não era uniforme nas várias aldeias e entre as pessoas que iam partilhando histórias destas criaturas, dificultando a compilação sistemática das suas histórias, porque um relato como o de Ulisses e Polifemo, mesmo que adaptado para a nossa cultura, não funcionaria, como é natural, numa terra em que este monstruoso vilão tivesse mais do que um olho passível de ser cegado.
Foi isto que encontrámos, relativamente às criaturas que hoje são conhecidas pelo nome individual de Olharapo, Olharapa e Olhapim. É pouco, muito pouco, sendo provável que as suas lendas originais estejam, hoje, já (quase) totalmente esquecidas. Mais umas décadas e é possível que até os seus nomes sejam completamente esquecidos, como as histórias dos Gambozinos, de Endovélico, de Atégina e de Turiacos, entre tantas outras figuras bem nacionais que o tempo nos foi apagando...