Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Mitologia em Português

05 de Dezembro, 2021

"Gregório, ou O Bom Pecador", de Hartmann von Aue

O texto Gregório, ou O Bom Pecador, de Hartmann von Aue, poderá parecer, a uma primeira vista, pouco mais que uma versão medieval do mito de Édipo. Uma edição inglesa do trabalho, a que tivemos acesso, quase que coloca esta composição do século XII também ao lado de uma lenda de medieval de Judas, mas parece-nos que nenhuma dessas supostas inspirações capta o interesse e trama parcialmente únicos da obra original. Por isso, naturalmente que devemos recapitular toda a sua história num punhado de linhas:

Gregório, ou O Bom Pecador, de Hartmann von Aue

O pai e mãe de dois irmãos, um de cada sexo, faleceram. Prometendo então cuidar um do outro, os dois irmãos foram unidos por um grande amor familiar, até que um dia, por intervenção do Diabo, se apaixonaram. Unidos num amor carnal, a jovem engravidou. Estonteados com o horrendo pecado que tinham cometido, o "casal" separou-se e a jovem acabou por colocar o filho num barco, juntamente com uma tábua que explicava a história do bebé e a razão porque foi abandonado assim.

Os anos foram passando. O bebé, que recebeu o nome de Gregório*, foi criado numa aldeia e num ambiente monástico, até que, mais tarde, desenvolveu um amor pela cavalaria e decidiu tornar-se cavaleiro em vez de monge. Depois de algumas peripécias nas artes da cavalaria, e sem o saber, ajudou a mãe a recuperar o seu reino... e esta, entretanto caída numa paxão pelo jovem, acabou por casar com ele. Não tiveram filhos e tudo parecia correr bem, até que uma aia desta rainha descobriu a tábua gravada que o jovem tinha guardado todos esses anos. A verdade por detrás da paixão entre a rainha e Gregório, seu filho legítimo, destruiu ambos, afastando-os para o que pensavam ser toda a eternidade!

 

Até aqui, podemos encontrar alguns vectores comuns entre a trama de Gregório, ou O Bom Pecador e algumas das lendas já referidas acima. Contudo, a história desta obra não fica ainda por aqui - após 17 anos de penitência agrilhoado numa rocha, Gregório é, por intervenção divina, escolhido para se tornar Papa. Reúne-se novamente com a mãe e ambos parecem ser perdoados por Deus, face aos seus grandes pecados... numa espécie de moral final que conduz o leitor à ideia de que todos pecados têm perdão se os respectivos pecadores estiverem verdadeiramente arrependidos.

 

Resumida a obra, podemos então dizer que, na nossa opinião, Gregório, ou O Bom Pecador não é apenas uma versão medieval do mito grego de Édipo, mas sim um texto que se inspirou em diversos mitos e lendas da altura para reimaginar uma história semelhante, uma em que os intervenientes são Cristãos e, como tal, podem obter uma espécie de perdão divina que estava anteriormente negado às figuras da Antiguidade, como o filho de Jocasta ou Judas. É essa a moral da história, a virtude de um arrependimento que se acaba por concretizar no perdão dos pecadores, mais do que naquele sofrimento eterno por que passaram os lendários antecessores do herói desta obra. Gregório, o herói desta obra, não é apenas uma nova versão deles, mas uma espécie de fantasia do que lhes poderia ter acontecido se tivessem vivido na era cristã, numa interessante inovação à história basilar de "o herói matou o pai e casou com a mãe"... e, por isso, toda esta obra de outros tempos mereceu ser relembrada aqui!

 

 

*- O texto é do século XII. Nessa altura já tinham existido sete papas de nome "Gregório", levantando a possibilidade de que toda esta história se tenha baseado numa qualquer lenda oral da época, relativa a um deles.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!