"História Fenícia", de Filo de Biblos
A História Fenícia, da autoria de Filo de Biblos, é uma daquelas muitas obras nascidas na Antiguidade que apenas nos chegou em escassos fragmentos. Tratam-se de breves segmentos citados numa das obras de Eusébio de Cesareia, mas um deles permite-nos, curiosamente, conhecer a derradeira origem do conteúdo do texto. Assim, quando as letras primeiro foram criadas por Toth, parecem tê-lo sido numa tentativa de preservar a história do mundo até então. Depois, um tal Sanconíaton, de origem fenícia, teve acesso a essa fonte e preservou o seu conteúdo numa obra da sua própria autoria. E, num último passo, este Filo teve acesso a essa segunda obra, que traduziu para o Grego no primeiro século da nossa era.
Não é completamente claro, nessa sequência de eventos, que conteúdo individual pertencia apenas a cada um dos elos desta cadeia, e as breves linhas de Eusébio relativas à História Fenícia também pouco ajudam nessa busca, já que, grosso modo, apenas nos preservaram momentos de uma Teogonia, referências aos primeiros inventores da história da humanidade, uma sequência histórica (verídica?) de grande antiguidade, e um ou outro ritual da época. Mas, curiosamente, entre esses breves instantes nasce uma ideia muito inesperada - é-nos dito que a história dos Fenícios, supostamente real e tal como referia por esse autor, tinha sido uma das fontes da Teogonia de Hesíodo. Ou seja, que numa espécie de Evemerismo, os eventos que esse famoso autor atribuiu aos deuses eram, na verdade, como que adaptados de sequências reais da história mais antiga da Fenícia... e, na verdade, o conteúdo das linhas que nos chegaram apresentam algumas semelhanças curiosas com essa fonte literária, mas igualmente várias diferenças significativas. Se se trata de uma pura coincidência, ou esta sugestão do autor grego do primeiro século da nossa era é uma completa realidade, é algo que o tempo já há muito fez esquecer e talvez nunca consigamos recuperar.
Em qualquer dos casos, um elemento notável desta História Fenícia é o facto de traduzir os nomes originais das figuras intervenientes para o Grego. Em alguns momentos isso é evidente - "Toth (...) a que chamamos Hermes" - mas mais frequentemente apenas o nome grego é dado ao leitor, tornando muito difícil saber-se a que figuras originais se referiam. Isso não só permitiria avaliar a fidelidade da suposta obra de Sanconíaton, como também aprender um pouco mais sobre figuras divinas hoje menos conhecidas - por curiosidade, pode apontar-se que um delas era o deus El (uma de pelo menos duas figuras que vieram a compor o nosso "Deus" ocidental), mas as citações realizadas não permitem que saibamos nada de significativo sobre ele ou seus possíveis mitos.
Por um lado, obras demasiado incompletas como esta permitem-nos saber um pouco mais sobre crenças de outros tempos, mas por outro a sua incompletude actual não deixa de nos tantalizar. É o grande problema de se tentarem ler obras fragmentárias...