Ibn Mucana e os seus poemas
Quem viver na zona portuguesa de Cascais certamente que já ouviu falar de Ibn Mucana, também conhecido por Ibn Muqana, autor de alguns poemas. Sim, é hoje mais conhecido como o nome de uma escola local, mas já foi mesmo o de um poeta árabe, que viveu no século XI da nossa era e que hoje é mais conhecido pelo facto de nos ter preservado o nome de "Al-Qabdaq", a designação árabe para o que é hoje a freguesia de Alcabideche. Fê-lo num dos seus poemas, o que dá a entender, evidentemente, que nos terá chegado pelo menos uma das suas composições. E chegou, sim, com as seguintes palavras, tal como são reproduzidas numa edição da Associação Cultural de Cascais:
Ó tu que habitas Alcabideche, não te faltará o grão, nem terás escassez de cebolas, nem de abóboras!
Se és homem enérgico não te faltará a nora das nuvens, sem necessidade de mananciais,
Pois a terra de Alcabideche, quando o ano é bom, não produz mais que vinte cargas de cereais,
E se der alguma coisa mais, chegam as manadas de javalis reiteradamente.
Há pouca coisa útil nesta terra, como em mim próprio que sou duro de ouvido.
Deixei os reis cobertos com os seus mantos, deixei de ir em seus cortejos.
Converti-me em Alcabideche em colhedor de espinhos com uma foice guarnecida e afiada.
E se me perguntam "Gostas?" Respondo-lhes: "O amor à liberdade faz parte do carácter nobre".
O apreço e os benefícios de Abu Bakr al-Muzaffar conduziram-me até aqui, à minha morada.
Este é um poema famoso, bem conhecido entre os habitantes de Alcabideche, mas... o que mais existe deste autor? Que mais preciosidades, além destas agora famosas linhas sobre os encantos do local em que outrora viveu, nos terá ele feito chegar? Não foi fácil descobri-lo, porque as suas obras não estão facilmente acessíveis ao leitor comum, mas numa pequena edição da Associação Cultural de Cascais contam-se, além do poema acima, apenas pequenas sequências de versos igualmente associadas a este mesmo Ibn Mucana. Nada têm de muito notável, o que permite compreender a razão pela qual pouco se fala da sua restante composição poética - para o leitor comum ela tem mesmo muito pouco interesse, sendo o poema reproduzido acima uma breve excepção entre os restantes - menos de meia dúzia - que nos parecem ter chegado, e que nesta edição até foram traduzidos do árabe original para a língua espanhola, e depois para a nossa.
Portanto, Ibn Mucana é um daqueles poetas cuja fama entre nós se deve, única e exclusivamente, ao facto de ter preservado num dos seus poemas como era a Alcabideche do seu tempo. Hoje, o local já não contém grão, cebolas, abóboras ou javalis, mas parte do espírito contido no poema, como os tais espinhos, ainda se mantém, tal como há já quase um milénio atrás...