Luisa Sigea e o primeiro livro pornográfico em Latim
O nome de Luisa Sigea é, hoje em dia, uma espécie de memória distante. Acabou por dar, pelo menos, nome a um colégio em Portugal, mas serão já muito poucos os que ainda pensam nela como uma famosa estudiosa de outros tempos, ou a professora de Latim da infanta Dona Maria de Portugal. Assim, hoje recordamo-la em parte nestas linhas, mas por razões muito pouco comuns e inesperadas.
Entre as obras da autoria de Luisa Sigea contam-se um belo poema sobre Sintra e um texto Duarum Virginum Colloquium de vita aulica et privata, um diálogo entre duas jovens sobre a vida pública e privada feminina, publicado em Lisboa em meados do século XVI. Não tivemos acesso a essa obra, nem parece existir hoje traduzida para Português, mas cerca de um século depois ela parece ter inspirado uma outra, de título De Arcanis Amoris et Veneris, apocrifamente associada à mesma autora, numa espécie de pseudo-sequela da obra que é verdadeiramente dela, em que duas jovens - a mais nova das quais tem apenas 15 anos, e a mais velha cerca de 26 - se parecem envolver numa relação lésbica e discutem vários temas dentro da intimidade e da sexualidade feminina.
Essa segunda obra, de falsa autoria atribuída a Luísa Sigea na sequência de uma que ela indubitavelmente escreveu, é provavelmente o primeiro livro pornográfico famoso em Latim. Se existe um erotismo subjacente em muitas obras latinas da Antiguidade, desde a Arte de Amar ovidiana ou a famosa obra de Petrónio até a alguns dos poemas de Catulo, o que este novo texto tem de diferente é o facto de abordar de uma forma incrivelmente directa, muito nua e crua, toda a temática da sexualidade feminina, desde o prazer que uma mulher pode sentir com outra, até à forma como a virgindade deve ser perdida, passando por breves discussões sobre as palavras gregas e latinas para designar os órgãos sexuais, ou a forma como uma mulher se deve comportar na cama com os homens da sua vida.
Agora, como é muito sabido nos nossos dias de hoje, sex sells. Um livro com esse tema, numa altura em que ele ainda era uma enorme raridade e um tema tabu, não poderia senão tornar-se popular... e estando ele (falsamente) associado ao nome de Luisa Sigea, fê-lo igualmente ascender em popularidade - na verdade, hoje é até difícil encontrar referências ao nome desta figura sem que juntamente a elas se encontre menções a essa obra completamente apócrifa, da autoria de Nicolas Chorier e de conteúdo plenamente pornográfico. Não sabemos até que ponto isso será bom, mas pelo menos trouxe o nome da sábia autora de volta às luzes da ribalta, no século seguinte àquele em que viveu, e até aos nossos dias!